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02 DEZ 2020
02 dezembro 2020 às 01h19

Campeão do mundo por Inglaterra doa cérebro para investigação de doenças

Antigo goleador Geoff Hurst ficou impressionado com as mortes de Jack Charlton e Nobby Stiles, que sofreram de demência, a mesma doença diagnosticada a Bobby Charlton, outra das estrelas da seleção inglesa e do Manchester United na década de 1960.

Geoff Hurst foi o grande herói da maior conquista do futebol inglês ao nível de seleções. Foi ele o autor do hat trick na final do Mundial de 1966 que permitiu à Inglaterra sagrar-se campeã mundial ao vencer, em Wembley, a República Federal Alemã, por 4-2.

Mais de 54 anos depois, Hurst quer agora marcar o golo da sua vida. Decidiu doar o seu cérebro à ciência, pois está determinado em ajudar a descobrir até que ponto os cabeceamentos na bola contribuem para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como a demência ou o Alzheimer. E tudo porque ficou chocado com as mortes dos companheiros de seleção Jack Charlton e Nobby Stiles, respetivamente em julho e outubro deste ano, e que sofreram de demência nos últimos anos de vida. Uma doença que também foi diagnosticada a Bobby Charlton, outro dos heróis dessa seleção, no início deste mês de novembro. "Se eu puder ajudar com a minha doação será fantástico, sobretudo para as outras pessoas", assumiu Hurst.

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Hurst pretende que esta investigação sirva para tomar medidas na proteção dos futebolistas, pois se for comprovado que os cabeceamentos são a causa dessas doenças, pretende que seja proibido que as crianças cabeceiem a bola. "Lembro-me dos meus treinos no West Ham, em que tínhamos uma bola pendurada no teto e a cabeceávamos durante 20 minutos. Chegávamos a cabecear 20 ou 30 bolas em meia hora", recordou, numa recente entrevista ao Daily Mirror, o antigo avançado de 78 anos, um dos maiores símbolos do clube londrino, pelo qual marcou 252 golos em 502 jogos.

As mortes de outros internacionais ingleses como Martin Peters, Ray Wilson, Danny Blanchflower e Jeff Astle também foram associadas a doenças neurológicas hipoteticamente causadas pelos cabeceamentos. Aliás, Astle, um exímio cabeceador do West Bromwich e da seleção inglesa na década de 1960, terá sido o caso mais evidente, morreu em 2002, aos 59 anos, vítima de uma doença cerebral degenerativa, tendo a autópsia revelado que o seu cérebro apresentava pequenos traumas repetidos, que acabaram por lhe causar a morte.

Na sequência do resultado da autópsia, a filha do antigo futebolista Dawn Astledecidiu doar o cérebro do pai para o estudo de doenças neurodegenerativas e as suas causas. Aliás, a família do antigo jogador criou uma fundação - The Jeff Astle Foundation - em parceria com o médico Willie Stewart, com o objetivo de aumentar a consciencialização sobre as lesões cerebrais no desporto e para receber doações de cérebros para a ciência.

Alguns estudos indicam que, antes dos anos de 1970, o peso das bolas antigas, sobretudo quando estavam molhadas, representava um perigo muito maior. No entanto, o atual selecionador de Inglaterra, Gareth Southgate, que deixou de jogar em 2006, também já se mostrou preocupado com o facto de ter "cabeceado muitas bolas". "Enquanto futebolista, assumi o risco de lesão a curto ou a longo prazo", disse o técnico de 50 anos.

Este é um tema que está a ter um grande impacto em Inglaterra, a ponto de a Federação Inglesa (FA) já ter assumido que irá apoiar as investigações com a cedência de meios financeiros e de recursos, classificando mesmo esta missão como "uma área estratégica até 2024".

Na Nova Zelândia, desde dezembro de 2019, o Centro para a Pesquisa do Cérebro da Universidade de Auckland tem em marcha uma campanha junto dos desportistas, sobretudo praticantes de futebol, râguebi e boxe, para que doem os seus cérebros, precisamente para que sejam estudados os efeitos a longo prazo das lesões na cabeça. A iniciativa teve bastante impacto, uma vez que vários jogadores de râguebi neozelandeses foram obrigados a reformarem-se mais cedo devido a sintomas provocados por lesões cerebrais.

Também nos Estados Unidos este é um problema que está a ter a devida atenção da NFL, a liga profissional de futebol americano, depois de um estudo publicado em 2017 no Journal of American Medical Association que revelava ter sido constatada a existência de lesões cerebrais em 110 dos 111 cérebros doados por ex-jogadores da NFL. Isto depois de, um ano antes, outro estudo da Academia Americana de Neurologia ter demonstrado que mais de 40% dos jogadores de futebol americano apresentavam lesões cerebrais após terminarem as respetivas carreiras.

Os casos de Mike Webster (Pittsburgh Steelers) e Dave Duerson (Chicago Bears), que se suicidaram depois de terminarem as carreiras, mostraram que os cérebros padeciam de alterações e lesões, presumivelmente, provocadas pelos choques de cabeças durante os jogos.