A aprovação do Orçamento do Estado para 2019 representa o fim de um ciclo de entendimento na geringonça?.Parece óbvio que, à medida que nos vamos aproximando das eleições - e convém lembrar que o ciclo eleitoral está muito próximo, as europeias logo seguidas das legislativas -, é natural que durante os próximos meses, no caso dos partidos que apoiaram o governo, se acentue a reivindicação e a demarcação em relação ao Partido Socialista. E que haja mesmo a capitalização de algumas medidas que foram tomadas pelo governo..Então a relação entre PS, PCP e BE vai alterar-se?.O quadro de relação entre os três partidos à esquerda não deixará de obedecer a algumas regras que são facilmente identificáveis pela relação entre os eleitorados. O eleitorado do PS à esquerda tem mais pontos de contacto com o Bloco de Esquerda do que com o PCP. Os inquéritos eleitorais apontam isso mesmo: o eleitorado socialista, interrogado sobre as circunstâncias em que votaria noutros partidos, aponta para uma relação como o BE muito particular. E vice-versa, o do BE diz o mesmo, aqui podendo votar no PCP, o que nesta conjuntura não se coloca..E isso obriga a uma descolagem do Bloco em relação ao PS?.O ponto de partida para a esquerda é que o eleitorado do PS está tendencialmente a crescer e não tem fatores de descontentamento com o partido de governo. A possibilidade de algum voto de protesto no BE diluiu-se, daí que o Bloco tenha de ter um discurso de alternativa ao PS, a quem acusa de ser um partido social-democrata. Mas, por outro lado, também vemos o BE a dizer que está disponível para eventuais formas mais sustentadas de acordo político com o PS..Este vai ser o grande fator do ano eleitoral: ver como o eleitorado de esquerda se move para o PS ou não? O centro-direita, o PSD, está num período complexo....O segundo fator mais importante do período pré-eleitoral remete para o PSD, partido que atravessa uma conjuntura de crítica à direção muito acentuada e até de conspiração interna. Há também um polo de dissidência de Santana Lopes, porque é uma dissidência a saída dele do PSD. Veja-se quem foi anunciado como cabeça-de-lista às europeias pelo Aliança, Paulo Sande, um independente, é certo, mas da área do PSD. Nas europeias, porque permitem maior liberdade de voto, o partido de Santana Lopes tem a oportunidade de se inscrever, enquanto pequeno partido, no seio da política portuguesa. É um partido que no essencial não é populista, ou pelo menos terá dificuldade em o ser, dado o passado do seu criador, mas tem algum potencial de ir buscar votos ao eleitorado social-democrata e a socavar, ainda que ligeiramente, o PSD..O governo de António Costa e o PS terão alguma vantagem de se aproximar do PSD, nomeadamente para aprovar alguns dossiês, como os da habitação, das leis laborais e da Lei de Bases da Saúde? Reduzindo ainda mais a margem de crescimento do PSD ao centro?.O PS, enquanto partido de governo, tem interesse em manter-se enquanto eixo da vida política portuguesa. Não dando sinais de alteração dos fatores de sucesso desta governação. A aproximação ao PSD pode acontecer por necessidade, mas não é do interesse do PS que aconteça. A situação no PSD já representa um ganho para o PS. Ou seja, a potencialidade de ganhar algum eleitorado ao centro é já uma realidade tendo em conta a situação instável no partido de Rui Rio..Então também é um erro o PSD equacionar acordos com o PS?.Qual foi a conjuntura que presidiu a este governo? O cimento que o colou foi o discurso austeritário de Passos Coelho e a perspetiva de que ele iria continuar. Esse cimento desapareceu, mas a vitória da formação representou aquilo que podemos chamar de polarização chefiada pelo polo moderado da esquerda, ou seja, o PS. Nesta perspetiva, será muito difícil ao PSD, com uma estratégia ao centro, conquistar o que quer que seja..Rui Rio cometeu um erro ao arrastar o PSD para o centro?.Reconheçamos que o sucesso desta governação condenou a oposição de centro-direita, colocando-a numa posição bastante difícil, pelo menos enquanto durar a bonança económica. Há sinais de que se o PSD se apresentasse como o polo de polarização à direita poderia tirar maiores dividendos..A polarização em relação ao PS seria então melhor para o PSD?.Estamos a perspetivar as coisas em 2019, que promete ser um ano com fatores imponderáveis: abrandamento do crescimento económico e eventuais sinais de crise na zona euro. O que poderá conduzir a que alguma dinâmica de sucesso da governação comece a esgotar-se. E, nessa situação, o centro-direita tem interesse na polarização. A gestão de sucesso do PS resultou de tirar uma grande parte daquelas que eram as bandeiras do centro-direita: a diminuição do défice; a ultrapassagem das metas da União Europeia e a saudabilidade económica e financeira do país. Ora, o PS tem cumprido essas metas. Tem-se, aliás, assistido à ironia da oposição acusar o governo de praticar uma austeridade disfarçada. Esta dinâmica espelha a grande dificuldade de um discurso político de sucesso do PSD nesta conjuntura pré-eleitoral..Uma aproximação ao PS pode ser desastrosa para o PSD?.O que em 2019 parece mais incerto é justamente até que ponto o PSD, como principal polo político do centro-direita, vai sobreviver se tiver uma pesada derrota eleitoral, já que todos os fatores apontam para uma dinâmica eleitoral complexa. Para o PSD o desafio mais importante é a sua sobrevivência enquanto polo de referência de centro-direita em Portugal, ameaçado que está pela crise interna, por uma pequena dissidência e por um CDS que se mantém estável. Se o PSD tiver uma grande derrota eleitoral pode significar uma dinâmica mais complexa no centro-direita. A emergência do BE significou uma alteração na dinâmica da esquerda em Portugal, quando a representação partidária da direita está congelada desde 1976 em Portugal. O que começa a perfilar-se no setor crítico ao PSD atual, à direção de Rui Rio, é um movimento pelo regresso de Pedro Passos Coelho na sequência de uma eventual derrota eleitoral. Se for só isso, o PSD fica à espera da próxima crise e sobrevive bem..Em caso de uma derrota pesada para o PSD, poderá abrir-se caminho para partidos populistas?.Exatamente, pelo menos o espaço político à direita fica aberto..Até agora não apareceram partidos com este perfil em Portugal....Esta sequência eleitoral era, em teoria, favorável ao aparecimento de novos partidos com estas características. Isto porque as europeias, em que há mais liberdade de voto, têm feito surgir este tipo de partidos. Veja-se o caso de Marinho Pinto. A dificuldade tem sido traduzir essa dinâmica eleitoral nas legislativas. Que em 2019, dada a proximidade entre europeias e legislativas, poderia ter um efeito de contaminação e mesmo assim não é provável que isso aconteça. Aparentemente, o único partido que poderá ter alguma expressão é o de Santana Lopes..Não é provável que André Ventura, ex-militante do PSD, consiga impor um partido populista no país?.A emergência de um partido populista à direita (e à esquerda, mas, por ora, aqui o espaço político está ocupado) precisa de uma conjuntura crítica, o que não é provável que exista em 2019, até porque Santana Lopes lhes trocou as voltas, mas a incerteza é uma característica estrutural da vida política.