Dezanove anos depois, Samuel L. Jackson é de novo John Shaft, o detetive durão que reina em Nova Iorque à lei da arma e do calão. Se o filme de 2000, realizado pelo recém-falecido John Singleton, era, por sua vez, uma sequela sensaborona dos clássicos dos anos 1970, esta nova abordagem de Tim Story é em tudo superior. O novo Shaft tem ritmo e uma noção de espetáculo capaz de retomar o espírito original do herói de Richard Roundtree com um apelo contemporâneo..As novidades nesta atualização são a chegada de mais um Shaft, precisamente o filho de Samuel L. Jackson, JJ, interpretado por Jessie T. Usher (O Dia da Independência - Nova Ameaça), um agente do FBI que detesta armas, é hipster e adora lutar com a técnica de capoeira, mas também a revelação de que o Shaft de Roundtree é, afinal, pai e não tio da personagem de L. Jackson..O novo Shaft acaba por se cruzar com o pai numa intriga que anda à volta da morte de um amigo do jovem, supostamente ligado a um esquema de veteranos de guerra que trazem drogas do Afeganistão para Nova Iorque. Entre os dois há um confronto de estilos: enquanto o Shaft sénior é mulherengo e continua irascível, o jovem prefere uma abordagem mais tecnológica e romântica. E o curioso neste filme de Tim Story é perceber-se que há um gozo muito expresso aos millennials. A personagem de Samuel L. Jackson goza com GPS, com a falta de jeito do filho com as mulheres e com uma suposta virilidade mansa. E a piada é que o faz sem muitos filtros e a pisar o risco do "politicamente correto", sobretudo na forma como publicita o seu machismo de velha escola e orgulhosamente afro-americano, bem como uma assumida homofobia. O excesso é tão petulante que funciona como um truque de comédia. Na verdade, Shaft é mais comédia do que policial, sobretudo porque os contornos da narrativa do mistério propostos são algo débeis e sem grande investimento de intensidade..Ainda assim, à boa maneira da fórmula do cinema de ação, temos as cenas de perseguição da praxe e meia dúzia de momentos de pancadaria. Não fazem falta nenhuma, mas Shaft já é uma marca e importa preservar a ideia do herói negro também como herói de ação, e isso é uma limitação, sobretudo quando essas imposições são geridas sem paixão e acompanhadas por canções soul e hip hop despejadas em modo preguiçoso, mesmo quando ouvimos os acordes do tema imortal de Isaac Hayes. Mas o que torna o filme simpático é a sua condição de divertimento moderado, capaz de se conformar sem restrições com a própria retenção dos códigos da herança genética da franchise de Shaft, a blaxploitation, género de cinema que foi fundado nos anos 1970 para celebrar a cultura afro-americana..O tal humor que não é subtil mas que consegue falar de temas como a paternidade leva a um desanuviamento do tom e da atmosfera. Sente-se que Samuel L. Jackson tem um apego genuíno pela personagem. A cereja no topo do bolo chega com a presença de Richard Roundtree, o Shaft original. O veterano ator não está lá para surtir o efeito de saudades dos filmes antigos, mas é um piscar de olho sincero..Nos EUA, houve um lançamento comercial nas salas de cinema pela Warner, mas por cá a aposta é através da Netflix. Cada vez mais, o gigante de streaming quer dar aos seus clientes cinema em primeira mão. Shaft, o pai e o avô, talvez ficassem irritados... Shaft, o filme, é para a geração da personagem de Usher..*** estrelas