"Dois euros é um valor ridiculamente baixo. Devíamos aplicar uma taxa de 20 euros" às compras feitas em plataformas de comércio eletrónico como as chinesas Shein e Temu. É desta forma que Ana Paula Dinis, diretora executiva da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) reage à medida em estudo na Comissão Europeia, que prevê a cobrança de dois euros por encomenda de forma a travar o elevado volume de artigos que está a entrar na Europa por via destes canais. "Deixa-nos preocupados, porque esse valor não serve para absolutamente nada", frisa a responsável. César Araújo, presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção (ANIVEC), admite que a proposta em estudo é "um escândalo". Ana Paula Dinis lembra que é necessário ter um maior controlo dessas encomendas nas fronteiras e que "não há recursos humanos e financeiros na Europa para fazer esse controlo". As taxas a aplicar "teriam de financiar" esses procedimentos, defende. Segundo César Araújo, entram na Europa artigos "sem nenhum controlo alfandegário", que tanto "podem ser roupa, como armas ou outros produtos". Estas encomendas "não pagam nada, não vêm com fatura e não passam por nenhum controlo", sublinha. E frisa ainda: "Estamos a falar da maior fraude fiscal do século XXI." Para pôr cobro a este movimento, as duas associações defendem o fim da regra dos minimis, que isenta de direitos alfandegários compras até 150 euros e o pagamento de IVA para transações inferiores a 20 euros. "Os minimis têm de terminar e tem de ser aplicado o IVA e também taxas alfandegárias nas compras nestas plataformas. E isto tem de acontecer agora, porque corremos o risco de deixar de ter indústria e de ter retalho", salienta Ana Paula Dinis. A ANIVEC defende a mesma posição. "É preciso que cumpram com as mesmas regras que as empresas europeias: passar na alfândega, ter a documentação correta, pagar as taxas aduaneiras e o IVA", diz César Araújo. Esta situação, "é destruidora da indústria, das marcas e do comércio", sublinha. César Araújo fala mesmo na existência de "um sistema Al Capone, de bandido". Na sua opinião, "a Europa não está a ouvir os seus agentes económicos. As plataformas como a Amazon ou Alibaba conseguem criar lobbies mais fortes do que os europeus". As compras nestas plataformas não deixam de aumentar. Em 2022, foram 700 milhões de embalagens, em 2023, subiram para 1,4 mil milhões, no ano passado, ascenderam a 4,7 mil milhões e as previsões para 2025 apontam para 10 mil milhões, diz, lembrando que 70% é roupa. A larga maioria vem da China. "É preciso entender como está a ser feito esse lobby e porque é que a Europa cede a esta pressão e não nos ouve", afirma ainda. Outra das matérias que preocupa as duas associações é a segurança dos produtos. Ana Paula Dinis defende que têm de estar em conformidade com as regras europeias e os comercializadores têm que ser legalmente responsáveis pela colocação dos artigos no mercado. César Araújo exige também o cumprimento da legislação comunitária e pergunta quem irá assumir a reciclagem destes produtos no futuro. "O que nos preocupa é que essas plataformas não permitem nenhum tipo de controlo. Ninguém sabe a origem dos produtos. Não vêm etiquetados com nenhum sistema de certificação", aponta António Braz Costa, diretor geral do Citeve, centro tecnológico do setor têxtil e de vestuário que presta serviços como ensaios laboratoriais, certificação de produtos, consultoria técnica, entre outros. Na sua opinião, se não se controlar o que entra e a eventual utilização de substâncias químicas proibidas, "os venenos vão perpetuar-se" colocando em causa a saúde pública. Por isso, é necessário "respeitar as leis europeias" e "terminar com a concorrência desleal com as empresas que produzem no espaço europeu", diz. Ainda assim, admite que "a maior parte dos produtos respeitam a lei. O problema é que não temos garantia". Esta terça-feira, Maroš Šefčovič, o comissário europeu do Comércio, anunciou no Parlamento Europeu que Bruxelas estava a estudar a introdução de uma taxa de dois euros ao consumidor por cada compra nestas plataformas de comércio eletrónico. "A inundação de encomendas representa um desafio completamente novo: para o controlo, para a segurança, para ter a certeza que os parâmetros de qualidade são devidamente verificados", disse. No mesmo dia, o Financial Times noticiou que a Comissão Europeia admite avançar com uma taxa de 50 cêntimos para encomendas adquiridas por armazéns. O Diário de Notícias procurou também obter a opinião da APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição sobre esta matéria, mas sem sucesso.