Faltam menos de 24 horas para o início da greve geral convocada pela CGTP e UGT contra o anteprojeto de reforma da lei laboral do governo de Luís Montenegro. A última vez que as duas centrais sindicais se juntaram num protesto deste âmbito data de 27 de junho de 2013 - já lá vão 12 anos -, quando o país estava submerso numa grave crise económica e enfrentava as consequências no mercado do trabalho do resgate da troika. Hoje, Portugal está numa situação de quase pleno emprego e com uma economia em crescimento. E foi neste quadro que o executivo da AD apresentou o pacote Trabalho XXI, onde constam mais de 130 propostas de alteração ao atual código, defendendo que irá promover “a criação de riqueza, o aumento do rendimento dos trabalhadores, o crescimento da produtividade e da competitividade dos empregadores”. Justificações que não convencem os sindicatos, mas que estão também longe de obter consenso entre ex-ministros do Trabalho responsáveis, em diferentes alturas, por alterações à lei de trabalho, e académicos ouvidos pelo DN.As centrais sindicais denunciam a facilitação dos despedimentos, dificuldades acrescidas de reintegração em casos de despedimento ilícito, aumento da precariedade, com contratos a termo que passam de dois para três anos, restrição do direito à greve, “mutilação” da contratação coletiva, regresso do banco de horas individual, dificuldades no acesso ao teletrabalho, entre outras medidas que integram o pacote Trabalho XXI. E são estas matérias que desencadearam a convocação do protesto que amanhã ameaça paralisar (ou colocar a meio gás) muitos serviços por todo o país. Há também a ter em conta que esta proposta de alteração do código do trabalho é apresentada pouco mais de dois anos após a entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno, da responsabilidade do último governo de António Costa. Desde a instauração da democracia, realizaram-se cerca de uma dezena de greves gerais, mas a lei do trabalho sofreu mais de uma centena de alterações.António Bagão Félix, secretário de Estado do Emprego de Cavaco Silva e ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho do governo de Durão Barroso (PSD/CDS), defende que “a legislação laboral não pode ser uma álibi para insuficiências que nada têm a ver com o código do trabalho”. A produtividade e competitividade da economia está mais assente em questões relacionadas “com custos de contexto, matérias fiscais”. E sublinha: “Por vezes, faz-se cair sobre a legislação laboral um peso que realmente não tem na economia nacional. É um elemento importante, mas não é o único e muitas vezes não é o decisivo”. No entanto, há que admitir que “a legislação laboral não é uma peça arqueológica” e o Governo entendeu que, num contexto de revolução digital, de novas formas de prestação e organização laboral, fazia sentido rever a lei, diz. Admitindo que tem “uma opinião um pouco dividida” sobre a necessidade desta reforma legislativa, Bagão Félix - que, em 2003, viu aprovada a sua reforma da legislação laboral, com alterações ao nível dos contratos, horários, formação e direitos dos trabalhadores -, aponta também a falta de um estudo “qualitativo e quantitativo, que levou a esta mudança”. José Vieira da Silva, ministro do Trabalho e Solidariedade Social no primeiro governo de José Sócrates (PS) e ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social no mandato da “Geringonça”, lembra também que “a legislação do trabalho tem um enquadramento próprio, que pressupõe uma consulta e um acordo em sede de concertação social”. Como sublinha com conhecimento próprio (em 2008, introduziu alterações ao código do trabalho), “as mudanças procuram esse acordo”. A reforma que o governo de Montenegro propõe “não foi justificada e não fazia parte das propostas eleitorais da AD”, aponta ainda. Na sua opinião, o processo foi conduzido pela ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, de uma forma “muito pouco acertada” e até “com alguma arrogância”, recordando que a ministra afirmou que o governo avançaria com a proposta mesmo sem acordo na concertação social. Deveria ter sido apresentado “um documento, não um anteprojeto, com objetivos, instrumentos, resultados práticos” das alterações que preconiza, defende. A forma como foi gerido este processo “é um mau método, dá mau resultado”, considera. No documento, “não vejo nenhuma medida que favoreça o emprego e proteja o trabalhador”, sublinha Vieira da Silva. Para o antigo ministro, não se pode falar em rigidez da lei do trabalho. E isso, diz, ficou demonstrado no período da crise em que o crescimento do desemprego foi rápido, assim como depois a criação de emprego. “A ideia de que as empresas estão presas à contratação é errada”, frisa. Vieira da Silva defende também que os contratos a termo são “para quem quer entrar no mercado. Eternizar segue uma lógica de precariedade, de baixos salários e instabilidade”. Bagão Félix diz-se defensor do aumento para três anos dos contratos a termo, mas teme o abuso do instrumento como o que sucedeu com o período experimental de 180 dias. “Foi uma expulsão de trabalhadores”, diz. Já na questão da flexibilidade dos despedimentos, o ex-ministro de Durão Barroso é claro: “O nosso sistema normativo relativo a despedimentos individuais, coletivos, de extinção de posto de trabalho já contempla os procedimentos. Não sou favorável a uma maior flexibilidade”. E também é contra o banco de horas, que “é uma forma de embaratecer o trabalho extra”. “A necessidade de uma reforma laboral é incontornável”. As palavras são de Pedro Martins, que assumiu o cargo de secretário de Estado do Emprego entre 2011/2013, os primeiros anos de austeridade do governo de Passos Coelho (PSD-CDS). Para Pedro Martins, o atual quadro favorável da economia portuguesa é uma oportunidade para levar a cabo reformas estruturais e pensar o país a médio e longo prazo. Por isso, “aplaudo o governo e a coragem” de avançar com esta revisão da lei do trabalho, diz. Para o antigo responsável, “a legislação portuguesa é muito rígida” e “mais direcionada à proteção das pessoas que têm emprego”. Ora, na sua opinião, “o que é mais importante é proteger o trabalho, não a pessoa”. Reconhecendo que a reforma laboral proposta pelo governo é liberal, Pedro Martins defende que é necessário olhar para os outros países da União Europeia. Para não ir muito longe, dá o exemplo do país vizinho. “Espanha tem um mecanismo acelerado de despedimentos, que envolve uma indemnização, e que já é mais liberal do que o português”.A maior flexibilidade nos despedimentos que o executivo de Montenegro propõe é, naturalmente, um dos pontos mais contestados pela CGTP e UGT. O professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia de Coimbra, José Reis, não tem dúvidas que o patronato em Portugal é já “altamente protegido. Pelo protecionismo que os trabalhadores lhes dão - mais de cinco milhões de ativos com maus salários e más condições -, e pela proteção do Estado, que se desmultiplica em benefícios legais e fiscais”. Matérias como os contratos a prazo - o governo quer aumentar de dois para três anos o limite -, maior facilidade de despedimentos, nomeadamente na não reintegração do trabalhador quando o despedimento é considerado ilícito nas micro e pequenas empresas, e o fim do limite de doze meses para recorrer ao outsourcing (serviços externos) após um despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho, vêm “atribuir um poder desmedido a quem tem já esse poder”, defende.João Cerejeira, professor de Economia na Universidade do Minho, lembra que este anteprojeto, que “nasce de uma iniciativa do governo e não de uma negociação”. “Está desequilibrado a favor das confederações patronais”. Sem meios termos, fiz que “é uma evidência que o processo nasceu mal. O Governo tomou parte de um dos lados e não são evidentes os efeitos desta reforma para a economia como um todo”. Há também “várias questões contraditórias”. O anteprojeto fala de combate à precariedade laboral, mas “aumenta a flexibilidade” nos despedimentos, apesar de prever que o período mínimo do contrato a prazo passe de seis para doze meses. Para João Cerejeira, falta “um estudo de base” que justifique as alterações previstas. “Estamos a debater no ar, sem dados, e vamos ter uma greve geral com os prejuízos inerentes”, diz. Em suma, “é uma reforma que estará condenada no tempo”, caso o governo não garanta um consenso com a UGT. .Dos comboios aos aeroportos. Os serviços mínimos decretados para a greve de quinta-feira.Tudo o que está em causa nas alterações à lei laboral, que levaram à marcação da greve geral para quinta-feira