Em causa está uma publicação do presidente norte-americano que, na semana passada, escreveu na rede social Truth Social que era “um ótimo momento para comprar”. Em Wall Street - e por toda a Europa - os mercados acionistas acumulavam perdas que tingiram de vermelho, durante dias, as principais praças. Poucas horas depois dessa publicação, os mercados americanos (as praças europeias já tinham fechado) dispararam quando Trump anunciou uma pausa de 90 dias na maioria das chamadas tarifas recíprocas e viveram um dos melhores dias da história de Wall Street.Na reação, os Democratas pediram que a Securities and Exchange Comission (o equivalente à nossa Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) abrisse uma investigação para “garantir que Donald Trump, a família de Donald Trump, o círculo íntimo de Donald Trump, não obtiveram informações antecipadas e negociaram com base nessas informações”, disse a senadora Elizabeth Warren em entrevista à CNN, dias depois. E esta segunda-feira, a procuradoria de Nova Iorque confirmou estar a investigar.Por cá, o DN tentou perceber junto dos analistas de mercado se estas foram movimentações normais ou se pode mesmo haver espaço a investigação por uso de informação privilegiada. Para Henrique Valente, da ActiveTrades Europe, “existem indícios circunstanciais que apontam para essa possibilidade. A volatilidade e o aumento repentino do volume de negociação - especialmente em derivados - momentos antes da publicação feita por Trump, são sinais preocupantes”, nota o especialista. “Momentos antes de Donald Trump anunciar a pausa nas tarifas, registou-se um volume fora do normal em compras de opções altamente especulativas sobre os dois principais ETFs das bolsas americanas: o SPY, que replica o S&P 500, e o QQQ, que segue o Nasdaq-100. Em ambos os casos, foram adquiridas opções com vencimento no próprio dia e preços de exercício acima do valor de mercado”, continua Valente. “Estas opções dispararam até 1.500% em poucas horas. A escolha destes instrumentos e o timing das transações levantam sérias suspeitas de acesso antecipado à decisão presidencial, reforçando a possibilidade de manipulação de mercado com base em informação não pública”. No entanto, avisa, “em casos como este, é difícil provar uma relação direta e inequívoca. Acresce que tanto republicanos como democratas têm historial de suspeitas relacionadas com informação privilegiada, o que pode ajudar a explicar alguma relutância institucional em aprofundar estas questões”. No mesmo sentido, Filipe Garcia, presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros, SA, recorda que “se estivermos a falar de que as decisões de um presidente têm interferência nos mercados, isso parece evidente, em todas as ocasiões. Mas se Donald Trump ou pessoas que lhe estão ligadas têm posições diretas no mercado, é outra questão e tem de ser provada”. Já “sobre o facto de ele ter dito que era uma boa altura para comprar, são duas situações”, considera: “se a ideia fosse somente segurar o mercado, é uma intervenção” que considera legítima por parte de um responsável governamental. “Só consideraria intervenção se Trump tivesse posição direta. Sucede que ele assinou a publicação em que escreveu ser uma boa altura para comprar, o que não é normal, e geralmente nunca o faz. E é preciso ter em atenção que aquelas iniciais (DJT) também são inicias que podem ser ligadas à sua empresa, que está cotada em bolsa. Aí, pode pensar-se em manipulação”, admite Filipe Garcia. Henrique Valente admite que, nestas circunstâncias, “pessoas do círculo próximo do Presidente e os seus amigos e familiares” poderão ter ganhado com os movimentos de mercado após esta publicação, mas recorda que “a volatilidade das decisões da administração americana tem sido suficiente para gerar oportunidades de negociação”. Filipe Garcia concorda: “Tudo isto deve ser investigado mas é difícil dizer quem terá ganhado. Na verdade, seria uma bola altura para comprar para toda a gente que leu [a publicação]. Seria informação privilegiada se já antes tivesse avisado alguém, antes de publicar o post”, considera.E ambos estão de acordo também, no facto de que não deverá haver uma muito extensa investigação, pelo menos por parte da SEC, ao episódio. “Não conheço a legislação para comentar a intervenção da SEC , mas também não me parece que vá muito longe nesta investigação”, diz o presidente do IMF. Já Henrique Valente nota que “hipoteticamente, se a SEC concluir que houve negociações com base em informação privilegiada no seguimento do anúncio, os envolvidos poderiam enfrentar processos civis com coimas pesadas, devolução dos lucros obtidos e até eventuais processos-crime. No entanto, a probabilidade de isso acontecer é baixa”.