Lagarde: "Atingimos a meta da inflação, mas não podemos dizer missão cumprida"
"A nossa meta para o valor da inflação foi alcançada, mas não posso dizer que a missão esteja cumprida", clarificou a presidente do Banco Central Europeu (BCE), esta terça-feira, no Fórum BCE, que decorre em Sintra.
Ou seja, apesar de a estimativa preliminar do Eurostat, divulgada esta terça, apontar agora para uma inflação anual (variação homóloga) de 2% em junho na Zona Euro, ligeiramente acima dos 1,9% registados em maio, Christine Lagarde sublinha que o trabalho para ancorar o ritmo dos preços nos 2% no médio prazo (os 2% de junho não garantem que será este o nível no futuro) é mais longo e completo e terá de continuar.
Até porque pode haver ressaltos nos preços, tal é a instabilidade que se vive na economia internacional.
"Há muita incerteza, o risco de fragmentação está a aumentar e os desenvolvimentos geopolíticos preocupam", fenómenos que podem ter impactos contrários no andamento dos preços, isto é, que tanto podem fazer subir como descer demasiado a inflação além do ponto de 2%, a meta definida como desejável e de estabilidade duradoura.
"O mundo que temos pela frente é mais incerto" e "essa incerteza tornará a inflação mais volátil", pelo que, recordou Lagarde, o BCE teve de calibrar novamente a sua estratégia, passando a ter uma abordagem "simétrica" que admite choques que tanto podem fazer disparar como retrair de forma significativa a inflação (além do limite de 2%).
Assim, "temos de nos manter extremamente vigilantes", avisou a presidente do BCE no painel de debate com outros banqueiros centrais, não descartando portanto novas mexidas nas taxas de juro.
Na última reunião de política monetária em Frankfurt, Lagarde deixou perceber (disseram vários analistas) que ainda deve voltar a cortar taxas de juro, mas só depois das férias de verão, lá para setembro ou depois.
Lagarde disse há menos de um mês que o BCE está "numa boa posição" quanto ao que tem de fazer nas taxas de juro, tendo vários economistas considerado logo que a incerteza é tanta (sobretudo no comércio internacional) que o nível de juros terá de descer pelo menos mais uma vez este ano para garantir preços mais em linha com o ritmo de 2% e mais estabilidade financeira..
No passado dia 5 de junho, a taxa de depósito do BCE (a referência principal) desceu de 2,25% para 2%, o nível mais baixo desde novembro de 2022.
Em Sintra, os "colegas" de debate de Lagarde foram Andrew Bailey, governador do Banco de Inglaterra, Jerome Powell, presidente do conselho de governadores da Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos (EUA), Chang Yong Rhee, governador do Banco da Coreia, e Kazuo Ueda, governador do Banco do Japão.
Powell culpa Trump e tarifas pela pausa na descida de juros
Powell, que tem sido assediado, insultado e regularmente criticado por Donald Trump, o Presidente dos EUA (que o chamou de "estúpido" na semana passada por não descer mais as taxas de juro), concordou que já podia ter descido taxas, não fosse a cascata de tarifas comerciais muito elevadas decretadas ou acenadas pelo Chefe de Estado desde março.
Aliás, "uma maioria sólida dos membros do conselho [da Fed] espera que venha a ser apropriado a retoma da redução de taxas, outra vez" este ano, mas claro que isso "vai depender dos dados", acrescentou o líder da autoridade monetária do dólar.
Nesta mesa redonda do Fórum BCE, Jerome Powell admitiu que a economia dos EUA até "está numa boa posição, a inflação caiu para perto de 2%, o desemprego está em 4,2%".
Economicamente falando a maior economia do mundo "está saudável, no geral" e "se excecionássemos as tarifas, a inflação até estaria a comportar-se como esperado", referiu o banqueiro central dos EUA.
No entanto, "tivemos de fazer uma pausa [nas descidas de juros] quando vimos o tamanho das tarifas" e porque, na sequência disso, "houve uma subida concreta de todas as previsões de inflação para os EUA".
Agora, "temos de aguardar enquanto a economia está numa forma sólida"; a decisão no sentido de aliviar novamente juros irá, como referido, "depender dos dados", mas também do impacto concreto que as tarifas ainda terão na atividade e nos preços. De acordo com Powell, espera-se que os primeiros efeitos se sintam agora no verão.
Jerome Powell, várias vezes insultado e ameaçado de destituição por Trump, não quis comentar essas declarações e ataques, dizendo apenas que está focado em fazer o seu trabalho.
Lagarde anuiu e no debate dos governadores disse que se estivesse no lugar de Powell faria exatamente o mesmo, tomaria as mesmas decisões de política monetária.
Neste caso, faria na mesma uma pausa na descida de taxas, o compasso de espera que tanto enfurece o Presidente dos EUA porque não lhe convém, tendo em conta a enormidade de juros que o governo terá de pagar pela enorme dívida pública do país, que equivale já a cerca de 121% do Produto Interno Bruto (PIB).
Na Europa, a meta do Pacto de Estabilidade é 60%. O peso da dívida pública da maior economia europeia, a Alemanha, ronda atualmente os 63%, só como termo de comparação. Isto é, o fardo da dívida americana é cerca do dobro face ao alemão.