Christine Lagarde, presidente do BCE. Frankfurt, 5 de junho de 2025.
Christine Lagarde, presidente do BCE. Frankfurt, 5 de junho de 2025. FOTO: EPA / Christopher Neundorf

BCE só deve voltar a cortar taxas de juro depois das férias de verão

Economistas notam mudança de tom de Lagarde a favor da paragem iminente do ciclo de alívio dos juros, mas, tendo em conta as ameaças, não terá outro remédio que não seja descer taxas mais uma vez
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A inflação da Zona Euro está praticamente na meta de 2% definida pelo Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, a presidente da autoridade, diz que agora o BCE está "numa boa posição" quanto ao que tem de fazer nas taxas de juro, mas os economistas e os mercados consideram que a incerteza é tanta ainda (sobretudo no comércio internacional) que o nível de juros vai ter de descer pelo menos mais uma vez este ano. Em princípio, depois das férias grandes, lá para setembro, ou depois.

Ontem, quinta-feira, dia 5, o BCE decidiu reduzir a sua taxa de juro principal, a da facilidade permanente de depósito – através da qual se define a orientação da política monetária e, ato contínuo, se reflete no valor do custo do crédito e da remuneração dos depósitos de famílias e empresas – caiu assim de 2,25% para 2%, o nível mais baixo desde novembro de 2022, ano em que começou a guerra da Ucrânia e em que o custo da energia e da comida disparou, levando a uma inflação sem precedentes na história da moeda única.

Foi a oitava redução consecutiva desde o máximo de 4% atingido em finais de 2023, a forma encontrada para fazer descer a inflação europeia, que nessa altura chegou a furar a barreira dos 10%, algo impensável e nunca visto na história do euro (desde 1998).

O BCE revela que atualmente, a inflação já se situa "em torno do objetivo de médio prazo de 2%", sinalizando assim que descidas futuras de taxas de juro terão de ser muito mais ponderadas daqui em diante.

A descida anunciada esta quinta, foi "quase unânime", houve apenas um governador que se opôs à decisão.

"No cenário de base das novas projeções dos especialistas do Eurossistema, a inflação total situar-se-á, em média, em 2% em 2025, 1,6% em 2026 e 2% em 2027", disse. Para Christine Lagarde, é um cenário de estabilidade, já. Está quase na meta sustentável e desejada de 2% a médio prazo, deu a entender, em conferência de imprensa.

"As revisões em baixa de 0,3 pontos percentuais em relação a 2025 e 2026, em comparação com as projeções de março, espelham, sobretudo, os pressupostos mais baixos para os preços dos produtos energéticos e um euro mais forte", explica a autoridade monetária.

Por isso, a medida da chamada inflação subjacente, que exclui da conta os mais voláteis ou sazonais, os dos produtos energéticos e alimentares, deve aliviar de 2,8% em 2024 para 2,4% em 2025 e 1,9% em 2026 e 2027, "praticamente sem alterações face a março".

Vários economistas notam a mudança de tom de Lagarde a favor de uma paragem iminente do ciclo de alívio dos juros, mas afirma que, tendo em conta os riscos e ameaças que pairam sobre a economia, o BCE terá de descer as taxas mais uma vez.

BCE resiste a mais cortes, mas terá de cortar

"Com o aumento do risco de a inflação não ser atingida e com as tendências desinflacionistas a repercutirem-se na economia europeia, este corte de taxas não será o último, apesar de os comentários da presidente do BCE, Christine Lagarde sugerirem que a margem para novas reduções de taxas será limitada", afirma Carsten Brzeski, economista-chefe para a economia global no grupo financeiro holandês ING.

Para o analista, "as pressões inflacionistas na zona euro estejam a diminuir mais rapidamente do que o esperado" e o Presidente dos EUA, Donald Trump, que no final março abriu as hostilidades com aumentos brutais das tarifas comerciais, "não só tornou a economia europeia novamente grande – durante um trimestre, uma vez que a antecipação das exportações e a produção industrial impulsionaram a atividade – como também fez com que a inflação quase desaparecesse".

Assim, "olhando para o futuro, os comentários de Lagarde durante a conferência de imprensa sugerem que o BCE não tem pressa em continuar a reduzir as taxas".

Para já, "considera que a aceleração da pressão desinflacionista é sobretudo transitória, devido aos preços da energia e ao euro mais forte".

"A menos que as tensões comerciais voltem com força, seja no final da atual pausa de 90 dias ou noutra altura, suspeitamos que o BCE se manterá no modo de esperar para ver durante o verão".

"Ainda assim, o BCE poderá reduzir as taxas mais uma vez em setembro" porque num dos cenários em cima da mesa em Frankfurt está o mais severo, observa Carsten Brzeski.

Segundo o banco central da Zona Euro "o cenário severo prevê um novo aumento generalizado das tarifas norte-americanas (em consonância com o anúncio das chamadas tarifas “recíprocas” nos Estados Unidos), uma retaliação simétrica por parte da União Europeia e uma incerteza persistentemente maior em termos de política comercial". As perspetivas de crescimento seriam consideravelmente mais fracas ao longo do horizonte de projeção e a inflação mais baixa, em especial numa fase posterior do horizonte".

"Este foi o último corte fácil para o BCE. A partir de agora, a vida dos banqueiros centrais europeus será mais difícil", atira Roelof Salomons, um dos analistas-chefe no BlackRock Investment Institute.

Numa nota enviada aos jornais, o economista diz que "prevemos mais reduções de taxas de juro", mas que "o BCE quer manter as suas opções em aberto, uma vez que as negociações comerciais com os EUA continuam".

"Na nossa opinião, o BCE pode agora concentrar-se mais no crescimento do que na inflação", pelo que "antecipamos que este ano as taxas sejam reduzidas para um nível inferior ao neutro", acrescenta Salomons.

É o que antecipa também a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).

No novo outlook divulgado esta semana, na véspera da reunião do BCE em Frankfurt, a OCDE via, pelo menos, mais duas reduções de taxas diretoras da Zona Euro até ao final deste ano. A primeira aconteceu ontem, quinta-feira, com a taxa a deslizar para 2%.

"Mais no final do ano", o custo do dinheiro na Zona Euro deve cair outra vez mais 0,25 pontos percentuais, para 1,75%, antevê a OCDE.

A equipa de estudos económicos do grupo BPI também se inclina para este cenário.

"Lagarde caracterizou a situação como um fim de ciclo monetário, pois terá sido já alcançada a normalização da inflação após as perturbações da COVID-19 e da guerra na Ucrânia", refere a equipa de economistas portugueses.

"Face à nova fase do ciclo, o protagonismo vai para a incerteza geopolítica e comercial, e abre-se um leque de cenários em que, como o próprio BCE salientou hoje, a inflação e o crescimento podem tanto subir como descer."

Os analistas observam que "a referência à atual boa posição das taxas sugere pouca predisposição do BCE para alterar a política monetária na sua próxima reunião de 24 de julho (a menos que os riscos se concretizem de forma precipitada)". Mesmo assim, "os investidores não prevêem alterações nas taxas do BCE em julho, mas sim um novo corte de 25 pontos base [0,25 pontos percentuais] em setembro", rematam.

Lagarde fica

O mandato de presidente do Banco Central Europeu é para cumprir até ao fim, clarificou Christine Lagarde, esta quinta-feira, quando questionada sobre uma notícia do Financial Times (FT), que dava como possível a sua saída precoce para ir dirigir o Fórum Económico Mundial (FEM).

"Estou completamente determinada em cumprir a missão" e "completamente determinada em completar o meu mandato no BCE [que termina em outubro de 2027]", confirmou a presidente da autoridade monetária, em Frankfurt.

Recorde-se que Lagarde foi indigitada pelo Conselho Europeu como presidente do BCE em outubro de 2019 "por um período não renovável de oito anos". Cumpriu já mais de metade do mandato, fará este ano seis anos.

A ex-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) veio substituir o presidente cessante, Mario Draghi, a partir de 1 de novembro de 2019, recorda o próprio BCE no site oficial.

Na passada quarta-feira, a 28 de maio, o Financial Times noticiou que Lagarde manteve conversações ao mais alto nível, com Klaus Schwab, que visariam a sua saída antecipada do BCE para ir dirigir o Fórum Económico Mundial.

Razão: suceder ao próprio Klaus Schwab, que abandonou o cargo de presidente do Fórum, em abril.

Este justificou a decisão com a sua idade avançada (Schwab, que é o fundador da instituição sediada em Davos, Suíça, tem 88 anos de idade), mas existem outras versões da história. Surgiram relatos de que Schwab fez coisas erradas enquanto líder do Fórum, estando já a ser investigado internamente por alegada "má conduta".

Certo é que Schwab demitiu-se com efeitos imediatos, tendo o grupo Fórum Económico Mundial confirmado que lançou uma investigação ao ex-presidente "na sequência de uma carta de um denunciante que alega a existência de má conduta" da parte de Schwab. Este nega tudo, claro.

Segundo a notícia do FT da semana passada, Lagarde, que ainda tem mais de dois anos de mandato pela frete, teria "mantido conversações sobre a possibilidade de assumir a direção do FEM há vários anos e encontrou-se pela última vez com Klaus Schwab, antigo diretor do FEM, em abril, para discutir um plano de sucessão".

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