BCE: "Conflito no Médio Oriente é trágico"
Os atos de guerra e de violência no Médio Oriente são "trágicos" e não auguram nada de bom para a economia e a estabilidade financeira, aponta o Banco Central Europeu (BCE) no dia seguinte à primeira retaliação do Irão contra alvos norte-americanos (a maior base na região, no Catar) na sequência do ataque surpresa e destruidor dos EUA contra uma importante instalação nuclear iraniana, no fim-de-semana.
A incerteza agravou-se tanto nos últimos dias e nas últimas semanas, que os banqueiros centrais do euro começam a enviar sinais de que a descida das taxas de juro pode estar comprometida pois "a velocidade do processo de desinflação" passou a ser, também ela, incerta. Neste ponto, nada pode dar-se por adquirido, é essa a nova e reforçada mensagem.
Perante uma audiência de centenas de académicos e gestores de topo da alta finança de Londres, Philip R. Lane, economista-chefe do BCE e membro do conselho executivo presidido por Christine Lagarde, referiu esta terça-feira que "além da incerteza política, as tensões geopolíticas, como a guerra injustificada da Rússia contra a Ucrânia e o trágico conflito no Médio Oriente, continuam a ser uma importante fonte de incerteza".
Estava a referir-se à destruição sem par e à crise humanitária em Gaza, um conflito que dura desde outubro de 2023, a que soma a muito recente escalada contra o Irão, agora com Israel e Estados Unidos no comando.
Para o economista irlandês, "com reflexo destes desenvolvimentos, assistimos este ano a uma elevada volatilidade nos preços da energia e a uma reavaliação substancial das moedas" e "também uma considerável volatilidade nos mercados financeiros".
Na intervenção que fez no Fórum de Política Monetária Barclays-CEPR (Centre for Economic Policy Research), o banqueiro central recordou que "desde os aumentos extraordinários da inflação em 2021-2022, o principal desafio enfrentado pela política monetária tem sido fazer regressar a inflação à meta" de 2%, e o mais rapidamente possível, nível onde o ritmo de preços já se encontra. A questão para o BCE é se este ritmo de 2% se mantém, se faz a "ancoragem" desejada.
Nas taxas de juro da Zona Euro, "isso exigiu um ciclo rápido de aumentos de julho de 2022 a setembro de 2023, seguido por uma fase de manutenção no pico e, em seguida, uma reversão gradual da postura restritiva a partir de junho de 2024", que ainda estará em curso, embora o ritmo de descida dos juros esteja a abrandar.
Lane reparou então que este "gradualismo na fase de flexibilização reflete a incerteza contínua sobre a velocidade do processo de desinflação".
Embora existam hoje "progressos suficientes no retorno da inflação à meta para considerar que este desafio da política monetária está amplamente concluído", ainda há pontas soltas e problemas para resolver, na ótica do BCE.
"Embora a inflação global se situe atualmente em torno da meta, a inflação dos serviços ainda tem algum caminho a percorrer para garantir que a inflação estabiliza na meta [de 2%] de forma sustentável", disse o dirigente da autoridade sediada em Frankfurt.
O ambiente de hostilidade crescente no comércio (guerra das tarifas) e nos territórios (como o caso dramático do Médio Oriente) destabiliza o rumo esperado nas taxas de juro.
"Este desafio da desinflação foi substituído por um novo conjunto de desafios e os responsáveis pela política monetária têm de garantir que a meta de inflação a médio prazo é protegida neste ambiente volátil em que, entre outros fatores, existe uma elevada incerteza quanto ao futuro do sistema de comércio internacional", começou por apontar o executivo do BCE.
Como referido, Lane disse que a guerra da Ucrânia e no Médio Oriente passou a fazer parte desta nova equação. "Refletindo estes desenvolvimentos, assistimos este ano a uma elevada volatilidade dos preços da energia e a uma reavaliação substancial das moedas".
"Verificou-se também uma volatilidade considerável nos mercados financeiros e, ao mesmo tempo as perspetivas orçamentais para a área do euro sofreram alterações significativas para os próximos anos, com o défice orçamental global a dever permanecer acima dos 3 % ao longo do horizonte de projeção", pressionadas pela urgência do rearmamento e dos meios de defesa em nome da "segurança", apontou Lane.