As subidas e descidas de taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) devem estar a ser mal interpretadas pelos agentes económicos (empresas e famílias) por causa do ambiente extremamente caótico e volátil que se vive na economia europeia e global, admite o próprio BCE.Como tal, Christine Lagarde, a presidente da instituição, avançou, esta segunda-feira, com uma subtil revisão da sua estratégia, que passa muito pela comunicação do que significa o rumo desejado das taxas de juro e a capacidade de alcançar a meta de 2% de inflação, sempre que há decisões em Frankfurt.O programa do BCE mantém-se todo porque cumpre os objetivos, mas Lagarde assumiu que, doravante, vai tentar indicar de forma mais clara se o risco de inflação mais longe da referida meta de 2% é ou não grave e persistente.Com isto, o BCE espera ter mais alguma margem dentro do atual quadro de incerteza máxima e caos económico (citou o grave problema das tarifas comerciais espoletado pelos EUA, governados por Donald Trump), para poder subir juros sem que os agentes da economia daí infiram que a inflação está a cair; ou, pior, descer juros sem que empresas ou famílias leiam isso como um cenário em que os preços estão desgovernados."A nossa avaliação estratégica tem sido um exercício de evolução, não de revolução – e, na verdade, muitas das conclusões já se refletem na nossa conduta política atual", declarou Lagarde, no encontro de Sintra. "Respondemos ao recente choque inflacionista com medidas inicialmente enérgicas e depois persistentes, com o objetivo de trazer a inflação de volta à meta o mais rapidamente possível, mas da forma menos dolorosa possível".No entanto, a líder do BCE admitiu que "o recente aumento da inflação revelou não linearidades ascendentes [pressões não previstas nos modelos do BCE que fazem subir os preços] – e, com elas, a necessidade de uma função de reação bilateral, tanto em termos de força como de persistência". Esta é uma "conclusão fundamental da nossa avaliação estratégica".Não se trata de reagir a desvios pequenos ou temporários, mas sim de um compromisso simétrico de responder à dinâmica da inflação que pode desancorar as expectativas de inflação em qualquer direção", para mais de 2% ou o simétrico."Quando os choques desinflacionários ameaçam empurrar as taxas de juro para o limite inferior, agir com firmeza desde o início ajuda a minimizar o tempo passado perto dessa restrição" e, "da mesma forma, quando os excessos da inflação aumentam o risco de um ciclo vicioso entre ajustes frequentes de preços e respostas salariais graduais, um aperto monetário firme desde o início é fundamental para ancorar as expectativas", referiu a banqueira central.Segundo Lagarde, o exemplo disto é que "os nossos cenários sobre possíveis tarifas de importação dos EUA ajudaram-nos a navegar num cenário comercial global incerto, ao mesmo tempo que nos permitiram comunicar mais claramente os riscos bilaterais que moldam a nossa postura de política monetária"."Na última conferência de imprensa de política monetária, em junho", disse que estávamos numa "boa posição".Mas após esta esta avaliação estratégica, "acrescentaria que estamos em boa posição – mas fortalecida pela experiência e melhor equipada para os desafios do futuro".E acabou citando Friedrich Nietzsche, o laborioso e complexo filósofo alemão que viveu no século XIX: "Quem tem um porquê para viver pode quase suportar como pode viver".Faltou auto-críticaPara Carsten Brzeski, economista-chefe para a área de macroeconomia do grande grupo financeiro baseado na Holanda ING, há pouco sumo no que disse Lagarde, nesta inauguração do Fórum BCE, em Sintra."Em 2021, o BCE apresentou a tão esperada revisão do seu quadro de política monetária. Esta foi a primeira revisão desde 2003 e tinha sido adiada devido à pandemia. Surgiu também na véspera de um aumento prolongado e intenso da inflação. Com a apresentação dessa revisão de 2021, o BCE anunciou uma avaliação da «nova» estratégia em 2025".Nessa altura, continua o analista, "muitos membros do BCE ainda caracterizavam o aumento da inflação como transitório, uma avaliação que foi rapidamente seguida pelo ciclo de aperto monetário mais rápido e acentuado da história da instituição. Neste contexto, seria de esperar que a revisão de 2025 incluísse uma dose de auto-reflexão crítica".Mas "na prática, porém", agora, "o tom foi menos introspetivo e mais uma reafirmação de que o BCE estava no caminho certo".E quais foram as principais conclusões da revisão de 2021? "Não muitas. A conclusão mais significativa foi a adoção de uma meta de inflação simétrica de 2%, em comparação com a anterior abaixo, mas próxima de 2%. A revisão também abordou a inclusão de habitações próprias no IHPC (Índice Harmonizado de Preços no Consumidor) e um ambicioso plano de ação contra as alterações climáticas".E há alguma novidade? "Não é surpreendente, mas esta avaliação do BCE da estratégia é claramente positiva, mas tem um alto grau de auto-congratulação"."Confirma a definição de estabilidade de preços, a utilização de vários instrumentos de política monetária e a avaliação da proporcionalidade das suas decisões e potenciais efeitos colaterais. Como esperado, as alterações climáticas ocupam um lugar de destaque, com o BCE a reafirmar que «combater as alterações climáticas é um desafio global e uma prioridade política para a União Europeia. No âmbito do mandato, o BCE está empenhado em garantir que o Eurossistema tenha isso plenamente em conta, diz. E continua a defender a inclusão da habitação própria na medida da inflação", como já o tinha anunciado há quatro anos."Em suma, a revisão da estratégia de política monetária é importante como um exame de saúde institucional, mas dificilmente terá novas implicações para o BCE nos próximos meses". "Dada a atual incerteza geopolítica e política, nenhuma avaliação ou revisão da estratégia, por mais completa que seja, pode substituir uma abordagem reunião a reunião", como tem sido norma nos últimos anos, conclui Brzeski.