O "grande e enorme" acordo comercial anunciado pela presidente da Comissão Europeia (CE) e pelo Presidente dos Estados Unidos (EUA) no domingo deixa muitas dúvidas, ainda. É melhor do que a paralisia e a nuvem negra da guerra comercial total que se aproximava, mas está a ser referido como "um mal menor", como um ato de capitulação e de fraqueza da Europa frente ao seu maior parceiro e aliado económico, advertem vários economistas.Seja como for, este acordo que estabelece uma tarifa geral de 15% sobre os produtos europeus, caso seja implementado, irá sempre penalizar o crescimento da economia europeia, avisam vários economistas, sendo que os consumidores norte-americanos irão arcar com a maior parte da fatura.Mais: o aperto de mão entre Ursula von der Leyen e Donald Trump perante as câmeras até pode ter reduzido a incerteza sobre os destinos desta relação bilateral, a maior do mundo, mas não apaga definitivamente a imprevisibilidade. Alguns observadores dizem que com Trump nada é certo e que este pode dar o dito por não dito."É ótimo ter um acordo", mas o resultado "continua a ser muito pior do que a situação anterior a Trump ter iniciado a ronda de guerras comerciais no início deste ano", diz Holger Schmieding, economista-chefe do banco de investimento alemão Berenger.Para este responsável, "a incerteza paralisante parece ter terminado em grande parte" porque o acordo sugere o fim do caminho para a guerra comercial total, mas "há incerteza que continua latente". "Afinal, Trump é Trump", atira o mesmo economista.Carsten Brzeski, economista principal para a área de macro global no grupo ING toma boa nota do anúncio, mas lembra que "só quando for assinado é que temos acordo". Mais incerteza, portanto. "Um acordo comercial só está concluído e concretizado quando todos o assinam" e "no contexto da União Europeia, isto significa que ainda faltam as assinaturas do Parlamento Europeu e de todos os parlamentos nacionais", acrescenta o analista do grupo financeiro com sede na Holanda.Schmieding considera que "as tarifas adicionais dos EUA prejudicarão tanto os EUA como a UE". "No longo prazo, as tensões comerciais com os EUA reduzirão, em termos acumulados, entre 2025 e 2026, 0,3 pontos percentuais (p.p.) ao crescimento europeu e 0,5 p.p. percentuais ao crescimento alemão".Há o efeito de impulso do enorme plano de despesa orçamental alemão que deve "compensar" o efeito depressor do acordo tarifário, diz o economista-chefe do banco alemão, mas para em todo o caso mantém a Europa numa posição delicada pois esteve estagnada durante anos, sendo que este ano deve crescer 1% ou menos. É pouco, dizem.Mais chocado e descrente no acordo está Olivier Blanchard, professor do MIT e antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Num comentário que fez na sua conta de X (antigo Twitter), o famoso economista francês confessou que "o que me preocupava, aconteceu"."Um acordo completamente desigual entre os EUA e a UE. Não tenham dúvidas: as tarifas assimétricas de 15% são uma derrota para a UE" e "quando a lei da selva prevalece, os fracos têm pouca escolha senão aceitar o seu destino".Para o economista, que no passado dedicou bastante tempo a estudar a economia portuguesa, "a Europa poderia ter sido forte, sozinha ou em coligação com outros", "teria conseguido um acordo melhor no final e enviado uma mensagem forte ao mundo". Afinal, o resultado foi "uma oportunidade perdida".Mas Blanchard aligeira o tom de crítica pessoa a Von der Leyen, dizendo o fracasso se deve antes ao facto de "a Europa ser constituída por 27 países muito diferentes; é a sua força, mas é também a sua fraqueza quando confrontada com perigos iminentes, de Leste ou de Oeste".Lisandra Flach, diretora do Centro de Economia Internacional do instituto Ifo e professora da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, arrasa com o acordo da presidente da CE, sua compatriota. "A UE aceita as tarifas norte-americanas de 15% sem contra-medidas e faz novas concessões (energia e investimento)", aponta num comentário no Linkedin. "Os termos do acordo UE-EUA dizem provavelmente menos sobre as relações comerciais UE-EUA e mais sobre o desequilíbrio geopolítico da UE, especialmente em questões de segurança".Para a economista, "o acordo é doloroso" para a Europa, "evita a escalada na guerra comercial", mas não afasta a imprevisibilidade quanto ao futuro. "A incerteza da política comercial sob a administração Trump mantém-se – será que estes acordos vão realmente durar?", questiona Flach.Concessões europeias preocupamNão é só Lisandra Flach que mostra preocupação com a aparente tibieza de Bruxelas que pode por em xeque a economia europeia. Desde logo, ter-se comprometido a comprar mais armas aos EUA quando tantos fabricantes europeus estão interessados em lucrar com a nova vaga de investimento em defesa. Os franceses e os suecos, por exemplo.A UE “comprometeu-se com a aquisição de 750 mil milhões de dólares [640 mil milhões de euros] em produtos energéticos dos EUA, muito mais em equipamento militar americano e com em investir mais 600 mil milhões de dólares [510 mil milhões de euros] nos EUA adicionais aos compromissos anteriores”, contabiliza Holger Schmieding, do banco Berenberg.Além disso, “a UE não retaliará de forma significativa contra os impostos de importação mais elevados dos EUA”. Para este economista, “o acordo é assimétrico”. “Os EUA conseguiram um aumento substancial das tarifas sobre a UE e, além disso, garantiram novas concessões” dos europeus.Alberto Alemanno, professor de Direito da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris) e da Universidade de Harvard considera que “a UE aceitou de forma passiva os termos impostos por Trump, reforçando assim a sua dependência transatlântica, estendendo-a ainda mais na defesa e na energia”.“Trata-se de um dano auto-infligido, de uma oportunidade perdida para a UE alavancar o seu poder de mercado único e estabelece um precedente negativo para outras regiões do mundo, violando as obrigações da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.Para Alemanno, a partir de agora, “é muito fácil para os líderes nacionais da UE criticarem Von der Leyen por ter capitulado perante Trump”. Este acordo “reflete a falta de visão da UE” e “a transformação da Comissão Europeia num secretariado do Conselho”, critica o jurista.Lars Christensen, dono da consultora de negócios dinamarquesa Paice, tem uma visão mais otimista, menos dramática, do acordo anunciado. “Naturalmente que não é bom uma tarifa de 15% sobre as exportações europeias para os EUA. Isso afetará certamente os exportadores”, mas “quem suporta aqui o maior encargo são os consumidores e produtores americanos que pagarão a maior parte dos custos através de preços mais elevados e de uma competitividade reduzida”, escreveu o economista no blogue The Market Monetarist.Christensen admite que antes de Trump regressar ao poder a tarifa média geral histórica dos EUA sobre os produtos da UE rondaria 1,2%. Para Schmieding, é um pouco mais, cerca de 4,8%. A nova tarifa efetiva (aplicando ponderadores a todos os produtos) deve subir agora cerca de dez pontos percentuais mediante o novo tributo geral de 15%.No entanto, o economista dinamarquês recorda que a UE “podia ter intensificado a guerra comercial”, retaliando contra quase tido o que é americano, “desde carne de vaca e cerveja a aviões Boeing e peças de automóveis”. Aí sim, “teria sido uma repetição das catástrofes comerciais da década de 1930, quando o comércio global entrou em colapso”.Para Christensen, é uma “boa notícia” saber que será aplicado um esquema de tarifas zero por zero no comércio de aeronaves e componentes relacionados, semicondutores, matérias-primas críticas e em alguns produtos químicos e agrícolas”. “Além disso, para a indústria automóvel, as tarifas atuais de 27,5% foram reduzidas quase para metade, para 15%.”Muito mais descrente está Bernd Lange, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (PE). "Qual o preço que os europeus vão pagar por este acordo", questionou o também eurodeputado do grupo dos socialistas (S&D).De acordo com o responsável, "os defensores do acordo UE-EUA dirão que o pior foi evitado, que o acordo cria estabilidade para a maior relação comercial do mundo, que garante a competitividade da UE em relação a outros parceiros e que a cooperação entre UE e EUA além do comércio". "Espero sinceramente que tenham razão", atira o relator permanente para as relações comerciais UE-EUA desde 2014.Para o alemão, o anunciado vem com "uma evidente assimetria". "Quero garantir que nada no nosso direito de regulamentar, desde os serviços digitais à fixação do preço do carbono, foi comprometido em troca deste acordo", afirmou..Vão ser 15%: Trump chega a acordo comercial com a União Europeia após partida de golfe.Líderes europeus reagem sem entusiasmo e com algumas críticas ao acordo com Trump