Luís Montenegro, primeiro-ministro, e Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças.
Luís Montenegro, primeiro-ministro, e Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças.Foto: Leonardo Negrão

Governo tem de pagar dívida de 11,4 mil milhões de euros de Passos e depois 56 mil milhões de Costa

Primeiro governo de Montenegro foi poupado ao pagamento de uma grande Obrigação, saldada por Costa em fevereiro de 2024. Este ano, começa a corrida de obstáculos do PSD/CDS, já em outubro.
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Quando o primeiro governo de Luís Montenegro chegou ao poder na sequência das eleições legislativas de 10 de março de 2024, não foi logo confrontado com a exigente tarefa de pagar (reembolsar) as grandes Obrigações do Tesouro (OT) emitidas no passado recente, que se tornou num verdadeiro caminho de pedras para o governo e os contribuintes desde a grande crise financeira de 2007/2008.

A primeira barreira da dívida surge dentro de dois meses, com o reembolso de 11,4 mil milhões de euros herdados do tempo de Passos Coelho. Depois disso e até ao final da legislatura (e supondo que corre normalmente até meados de 2029), este governo será chamado a pagar mais 56 mil milhões de euros em OT, todas elas emitidas por executivos do seu antecessor socialistas, António Costa.

Primeira prova em outubro

Um mês antes do sufrágio de 2024 que daria a vitória ao PSD/CDS, ainda coube ao governo PS de António Costa, na altura já demissionário, fazer o reembolso de uma OT emitida em fevereiro de 2013 pelo seu antecessor Pedro Passos Coelho e pelo ministro das Finanças de então, Vítor Gaspar.

O primeiro grande teste financeiro envolvendo uma operação de amortização de dívida aos credores (os chamados não oficiais, basicamente, bancos fundos de investimento, de pensões, hedge funds, etc.) do governo Montenegro e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, acontecerá em outubro que vem: no dia 15, cinco dias depois de entregar a proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE 2026),o Tesouro terá de reembolsar, como referido, 11,4 mil milhões de euros.

De acordo com a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), a chamada de outubro que vem consiste numa dívida contraída nos últimos dias do executivo de Passos Coelho e da sua ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.

Já em gestão (as eleições que dariam a vitória a Costa decorreram a 4 de outubro), Passos e Albuquerque seriam responsáveis por emitir essa dívida, numa altura em que o país se estava a tentar reerguer do pesado ajustamento da troika e das medidas de austeridade.

Com as taxas de juro da República a descerem paulatinamente desde 2014, o IGCP vai fazendo aquilo a que se chama a rolagem da dívida, emitindo dívida nova para pagar dívida antiga e, durante o tempo em que o Banco Central Europeu (BCE) aplicou medidas de alívio do custo do crédito público, tentando aproveitar taxas de juro inferiores para pagar dívida passada muito mais cara.

Agora em outubro, o Tesouro vai saldar uma OT cujo cupão (taxa de juro periódica a pagar por um título de dívida) está marcado em 2,875% a 10 anos, valor contratado em outubro de 2015 que até é ligeiramente inferior à última emissão a 10 anos feita em junho passado (cupão de 3%).

Assim é porque nessa reta final do governo Passos Coelho, o BCE estava a todo o vapor nas medidas de alívio monetário.

Hoje, já não é assim. Portugal (o custo da nova dívida) depende quase somente dos resultados orçamentais que entrega, no caso atual, dos excedentes e da rota descendente do peso da dívida em relação ao PIB.

De relevar ainda que o aumento das taxas de juro, mesmo que moderado e mais previsível, não é um exclusivo português. Com o final dos programas de intervenção massiva na dívida dos países (compras em larga escala), todos os países do euro viram o seu custo aumentar também.

Mas, no caso de Portugal, o peso do endividamento público (boa parte exacerbado pelos apoios aos bancos na sequência da crise de 2007/2008) é ainda muito elevado, muito embora continue a diminuir, algo que é valorizado pelos mercados e pelos credores. Ficou em 94,9% do PIB no final de 2024. Este ano, deve descer para 91,1%, segundo as previsões mais recentes do Banco de Portugal (BdP).

Ainda assim, está longe dos 60% exigidos pelo Pacto de Estabilidade europeu.

Dívida oficial aos credores europeus

O país continua a ser um dos mais endividados da Zona Euro porque, além da dívida contraída junto dos privados, ainda tem a pagar os empréstimos que teve de contrair na sequência da bancarrota iminente de 2010/2011.

A parte do resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) já foi totalmente saldada, mas faltam ainda reembolsar 25,3 mil milhões de euros ao fundo da Zona Euro (ESM) e 22,3 mil milhões de euros ao fundo da Comissão Europeia (EFSM), segundo o último apuramento das Finanças (IGCP).

Em cima disto, veio a pandemia e a necessidade de contratar ainda mais dívida através dos instrumentos europeus SURE e Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

A dívida total do Estado está hoje em 307 mil milhões de euros, ligeiramente acima dos 306 mil milhões de euros do final do ano passado. Dados do IGCP também.

Até ao final da legislatura (vamos assumir, até meados de 2029), são várias as barreiras que governo e contribuintes terão de vencer.

Nas OT, o ano que vem será marcado pela amortização de 10,5 mil milhões de euros herdados do governo Costa/Mário Centeno. Em 2027, há mais dois obstáculos para transpor: pagar 8,3 mil milhões de euros em abril (também de Costa/Centeno) e 7,9 mil milhões em outubro de uma obrigação emitida por Fernando Medina (o ministro das Finanças que sucedeu a Centeno quando este foi para governador do BdP, em 2020).

Em outubro 2028, há mais uma dívida contraída nos mercados por Costa/Centeno, no valor de 16 mil milhões de euros. E em junho 2029, já na reta final desta legislatura, outra OT, no valor de 13 mil milhões de euros (também de Costa/Centeno).

Somando todas estas OT que estão na calha até 2029, herdadas da gestão socialista entre 2015 e 2022, dá os referidos 56 mil milhões de euros que a gestão de Montenegro/Sarmento terá de acautelar.

É importante relevar que todos estes valores são indicativos porque o IGCP faz uma gestão ativa e otimizada da dívida, podendo fazer recompras (saldar antes da maturidade do título) ou trocas (adiando reembolsos para mais tarde).

Sete mil milhões de euros em juros, por ano

Seja como for, é muita dívida e isso reflete-se, indiretamente, no saldo público por via da despesa com juros, comendo margem orçamental para gastar noutras áreas, costumam alegar os sucessivos governos.

Segundo as Finanças, este ano, a despesa com juros em contabilidade de caixa) deve aumentar até 7,2 mil milhões de euros. Compara com 7 mil milhões em 2024.

No mais recente estudo sobre as condições dos mercados, da dívida pública e da dívida externa, de julho de 2025, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) reconhece que o esforço de amortização junto dos credores é "grande" e vai continuar a ser.

"O perfil de amortização de títulos de dívida pública de médio e longo prazos, previsto para o período 2025-2038, mantém-se elevado, exigindo um grande volume de reembolsos, cujo impacto se repercutirá nas futuras operações de refinanciamento da dívida pública. A dívida a médio e longo prazos emitida em 2025, até final de junho, apresenta uma maturidade média inferior à emitida no mesmo período do ano anterior. A maturidade média residual da dívida direta do Estado declina suavemente desde 2016", diz o grupo de peritos que apoia o Parlamento em matéria orçamental.

Recentemente, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) chamou à atenção para novas fontes de pressão na despesa que podem baralhar a gestão orçamental, levando a um regresso aos défices e, ato contínuo, a um maior esforço para reduzir a dívida.

Segundo a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral, o excedente orçamental público deverá desaparecer de vez este ano, mas as contas públicas portuguesas deverão, ainda assim, manter-se em equilíbrio, isto é, o saldo final deve ficar em 0% do Produto Interno Bruto (PIB), prevê.

Mais despesa, agora com defesa

Depois o défice regressa e um dos novos fatores de pressão negativa sobre o saldo público será a despesa militar, que agravará o défice e a dívida de forma significativa e permanente.

Como escreveu o DN/DV, ainda sem computar os efeitos das políticas destrutivas de Donald Trump nas tarifas (e num cenário de políticas invariantes, isto é, sem novas medidas além das que hoje vigoram), o CFP acrescenta que Portugal regressará aos défices públicos já em 2026 e que as contas públicas permanecerão deficitárias daí em diante.

Assim, o Conselho "revê em baixa a projeção orçamental de médio prazo face à apresentada em setembro, em resultado da incorporação na atual projeção do impacto orçamental de medidas de política económica de aumento da despesa pública e de redução da receita".

"Para 2025 projeta-se um saldo orçamental equilibrado (0% do PIB), embora a projeção seja sensível a alguns fatores como o grau de execução do investimento público, dos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e evolução dos impostos diretos, em particular do IRS, e da utilização de mecanismos de contenção orçamental, pelo que não se pode excluir a possibilidade de um ligeiro excedente orçamental", mas "a partir de 2026, na hipótese de manutenção das políticas em vigor, aponta-se para o regresso a uma situação de défices orçamentais", refere o Conselho no novo estudo.

No entanto, o CFP decidiu já estimar o impacto no saldo orçamental e na dívida pública (em contas nacionais, as relevantes para o Pacto de Estabilidade) que decorre da "concretização da meta de gasto de 2% do PIB em despesas em defesa", isto é, do adicional de gastos equivalente a 0,5% do PIB na área militar todos os anos face à meta atual (antes das pressões de Trump e da NATO - Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é de 1,5% do PIB.

Esta despesa nova inclui investimentos e gastos correntes, como salários e consumos intermédios, fez saber o CFP.

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