Governo ainda quer manter parte do apoio aos combustíveis em 2025, Bruxelas recusa tudo
Foto: Gerardo Santos

Governo ainda quer manter parte do apoio aos combustíveis em 2025, Bruxelas recusa tudo

Sobre o Orçamento de 2025, a Comissão quer que Portugal elimine definitivamente o que resta dos apoios que ainda subsistem no setor da energia, que era suposto serem temporários e acabarem em 2023. Pelas contas do DN, dá 300 milhões de euros. Ministro das Finanças diz que rejeita terminar tudo em 2025.
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A proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025) mereceu um "reparo" bastante cirúrgico da Comissão Europeia (CE), que criticou o Governo por querer manter, na íntegra, o apoio estatal aos combustíveis, como previsto no OE.

Segundo a avaliação de Bruxelas ao plano orçamental português, revelada esta terça-feira no âmbito do novo ciclo do Semestre Europeu de 2025, o referido apoio ao consumo de energia -- que decorre da crise inflacionista que eclodiu em 2022, e cuja expressão máxima é sentida ainda por famílias e empresas em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) -- já devia ter terminado há anos; devia ser uma medida temporária.

O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, disse que tomou nota do "reparo", mas mantém o que está no Orçamento: o desconto na chamada taxa de carbono é para ir reduzindo gradualmente em 2025, mas, segundo deu a perceber, a intenção do governo não é eliminar a totalidade do apoio porque a crise que afeta o custo da energia e a economia ainda não terminou, argumentou o governante.

De acordo com cálculos do DN a partir dos dados da CE, o custo fiscal líquido das medidas de apoio ao consumo de energia (líquido porque se desconta a receita da sobretaxa aplicada aos lucros das empresas do sector) ascende a 300 milhões de euros no ano que vem, algo que, sublinha várias vezes o Executivo europeu, já não devia sequer existir. Segundo a Comissão, equivale a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Este ano, a fatura com a medida (também líquida de sobretaxas) ascenderá a 0,5% do PIB, cerca de 1,4 mil milhões de euros.

Não é por aqui que o resultado final orçamental se ressente pois a CE até prevê um excedente público recorde de 0,6% do PIB, maior do que estima o governo (0,4%).

O OE 2025 de Portugal tem algumas falhas em termos do ajustamento e das medidas que nele constam que levaram a Comissão a lançar um género de aviso amarelo ao governo e ao Parlamento, afirmando que a proposta orçamental "não está totalmente em conformidade com a recomendação" da CE ao País. Portugal não está sozinho: Luxemburgo e Malta receberam exatamente o mesmo aviso.

Como referido, no caso português, o cerne do problema está nos apoios concedidos desde 2022 às famílias e empresas em sede ISP para amortecer o impacto da inflação muito elevada que afetou (e ainda afeta) os combustíveis e outras formas de energia, sobretudo as de origem fóssil.

Bruxelas quer, desde 2023 inclusive, que Portugal (e os outros) terminem todos esses apoios que deviam ter sido apenas temporários, direcionados às famílias e empresas "mais vulneráveis", argumentando que se justificam apenas se a inflação fosse muito elevada, o que já não é o caso.

Miranda Sarmento toma nota, mas diz que não quer eliminar tudo

Segundo a Lusa, o ministro das Finanças leu a opinião de Bruxelas como "apenas um reparo ao plano, que é a necessidade que o País retire totalmente os apoios criados em 2022 e 2023 relacionados com a inflação e com guerra na Ucrânia, nomeadamente o desconto sobre o ISP na compra de gasolina e gasóleo".

"Tomamos nota", o Governo "vai analisar", mas neste momento "não temos nenhuma decisão" nesse sentido porque "entendemos que é importante manter os preços dos combustíveis baixos e a evolução do preço do petróleo condicionará a atuação do Governo".

Ou seja, "não há qualquer intenção de mexer neste beneficio relativo ao ISP", assegurou Miranda Sarmento em declarações no Parlamento, onde decorrem justamente as votações da proposta de lei do OE 2025.

Na proposta de OE 2025, o governo inscreve a intenção de decretar "o fim da isenção de ISP sobre os biocombustíveis avançados" e prosseguir com "o descongelamento progressivo da taxa de carbono".

Neste novo pacote de outono do Semestre Europeu, que agora reflete as regras do Pacto de Estabilidade revisto e a reforma do novo quadro de governação económica da União Europeia (UE), que entrou em vigor em abril de 2024, a Comissão concluiu que

"Luxemburgo, Malta e Portugal não estão totalmente em conformidade com a recomendação: embora se preveja que as respetivas despesas líquidas não ultrapassem os limites máximos, estes países não eliminam progressivamente as medidas de apoio de emergência ao mercado da energia até ao inverno de 2024-2025, tal como foi recomendado pelo Conselho".

Em causa estão, por exemplo, como referido, medidas de apoio tomadas pelo anterior governo (PS), quando rebentou a crise inflacionista espoletada pelo início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, para amortecer o impacto negativo que a subida do custo dos combustíveis teve no poder de compra das famílias e nas estruturas de custos das empresas.

Muitas das medidas estão a ser descontinuadas (o descongelamento gradual da taxa de carbono tem sido um dos exemplos mais mediáticos), mas a Comissão quer que Portugal e os outros dois países sejam mais rápidos a retirar a totalidade dos apoios que, argumenta, têm de ser temporários para estarem em conformidade com as regras orçamentais.

Para a Comissão Europeia, no caso de Portugal, os benefícios fiscais concedidos na sequência da crise energética, que começou em março de 2022, "não serão totalmente suprimidos até à época do calor de 2024/2025" pois "a redução ISP deve manter-se em vigor".

Segundo a CE, a medida é pesada em termos orçamentais: "o custo líquido das medidas de apoio à energia está projetado em 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 e 0,1% do PIB em 2025", sendo que "este valor não está em conformidade com o recomendado pelo Conselho Europeu", alerta.

Mais: "as medidas de apoio na energia que estão atualmente planeadas para permanecer em vigor não parecem ter como objetivo proteger as famílias e empresas vulneráveis, nem preservar incentivos à poupança de energia", lamenta a CE.

Para mais, "o custo orçamental líquido destas medidas de apoio à energia não direcionadas à proteção das famílias e empresas mais vulneráveis é estimado em 0,1% do PIB em 2025", estima o estudo feito em Bruxelas.

Na conferência de imprensa que decorreu à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o comissário Gentiloni explicou que "em Portugal, a inflação está numa trajetória de declínio, embora o seu valor não seja ainda muito baixo, devo dizer, mas trata-se de um compromisso comum que foi tomado ao nível da União Europeia e por isso existe esta recomendação horizontal para cortar em 2023 as medidas extraordinárias tomadas durante a crise energética”.

Mesmo estando a descontinuar mais devagar do que pretende a CE os apoios em sede de ISP, a inflação portuguesa acelerou em outubro, ultrapassando uma taxa homóloga de 2,3%, segundo informou o INE.

Parece ter sido esta parte da argumentação do ministro Miranda Sarmento. A inflação na energia ainda não é passado morto e enterrado.

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