Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças. Lisboa, Parlamento, 24 de outubro de 2025.
Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças. Lisboa, Parlamento, 24 de outubro de 2025.Foto: Leonardo Negrão

Custo da nova dívida do Estado piora apesar do alívio de juros do BCE e das promoções no rating

Valor pago em juros a credores, como bancos e fundos privados, sobe bem. De 2023 a 2026, contribuintes entregam mais 427 milhões de euros. Fatura anual bate máximo de sete mil milhões de euros.
Publicado a
Atualizado a

O custo médio das novas emissões de dívida pública portuguesa registou uma subida significativa desde o início deste ano: a taxa global efetiva e ponderada de todas as colocações de nova dívida realizadas nos mercados internacionais aumentou de 3,1% em janeiro para 3,4% em outubro, mostram dados oficiais do Tesouro e das Finanças.

Esta pressão em crescendo acontece apesar de o contexto ser, desde finais de 2023, de forte alívio nas taxas de juro definidas pelo Banco Central Europeu (BCE) e das várias e sucessivas promoções nas notas do crédito público (ratings) concedidas pelas cinco agências acreditadas junto do BCE nos últimos dois anos.

Assumindo como boas as estimativas do Ministério das Finanças, no Orçamento do Estado de 2026 (OE 2026), a fatura do País com juros da dívida vai ter um agravamento superior a 6% entre 2023 e 2026, um aumento de 427 milhões de euros nesta despesa que pesa no saldo orçamental final e que, portanto, torna mais exíguo o caminho das Finanças Públicas, justificando a narrativa do governo de que a margem para mudar o OE 2026 é mínima, "quase zero".

Em 2026, diz o ministério de Joaquim Miranda Sarmento, a fatura com juros deve chegar a 7,2 mil milhões de euros (em contabilidade pública), o maior valor de que há registo. Equivale a 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB), peso que tem estado estável nos últimos anos.

O ministro diz que o governo precisa de continuar a entregar "pequenos superávites" todos os anos para cumprir o desígnio das contas sustentáveis. A fatura dos juros que continua em expansão é um desses maiores motivos de pressão permanente sobre as Finanças, embora o governo o refira poucas vezes.

Segundo a agência que gere a dívida pública (IGCP, tutela das Finanças), em 2024 (últimos dados disponíveis), a maioria do crédito, que os contribuintes têm de remunerar com juros, foi contratado junto de bancos comerciais (nacionais e estrangeiros), fundos de investimento, seguradoras e fundos de pensões, e hedge funds (fundos que operam em mercados de alto risco, especulativos).

Esta parcela equivale a 54% do valor detido em títulos de dívida direta do Estado e aparece distribuída de forma quase paritária entre entidades residentes e estrangeiras.

O resto, 46% da dívida direta estatal, está nas mãos dos bancos centrais (BCE e Banco de Portugal), mas aqui as taxas de juro praticadas são realmente muito baixas por motivos legais e históricos, derivam dos critérios de implementação da política monetária posta em prática desde a crise que assolou a Zona Euro até 2012/2013; são taxas muito inferiores às do mercado aberto.

Mas, no final de 2024, o valor total da dívida direta do Estado português continuava em franca expansão e já ascendia a 305,7 mil milhões de euros, números do IGCP. O seu peso no PIB, esse sim, tem vindo a descer.

Portugal é um bom investimento, dizem

Vários operadores do mercado, profissionais que lidam diariamente com estes ativos da dívida soberana, admitem ao DN que Portugal é hoje um bom investimento porque entrega um compromisso: taxas de juro interessantes, mesmo que ligeiramente abaixo das praticadas no caso dos seus pares da Zona Euro (como Alemanha e Itália, ironicamente), aliadas a uma melhoria nos ratings, a elogios à capacidade do país em manter as contas em ordem, fatores que mantêm o valor desses ativos sustentado e elevado (o preço das obrigações, por exemplo).

Aos olhos dos "mercados", é um bom negócio para quem "detém" estas obrigações nos balanços; estamos a falar dos credores, bancos privados, fundos, seguradoras, hedge funds.

Ou seja, ter dívida portuguesa no balanço é hoje visto como uma garantia de estabilidade e os juros são, como referido, interessantes. Até outubro deste ano, toda a nova dívida emitida por Portugal pagou aos credores, em média ponderada, cerca de 3,4% ao ano. É uma excelente remuneração, tendo em conta a classe de ativos em que a dívida nacional se encontra inserida (nível A ou superior, um bom investimento, de risco reduzido).

De acordo com o IGCP, esta taxa de juro reflete o custo médio dos principais instrumentos de dívida pública, como bilhetes do tesouro (BT), obrigações do tesouro de rendimento fixo e variável (OT e OTR), notas de médio prazo (MTN), "emitidos no ano correspondente, ponderados pelo montante e pela maturidade".

É um bom negócio também porque, já saído da crise, a entregar excedentes orçamentais, a reduzir de forma impressionante o peso da dívida, com a economia a crescer, Portugal continua a remunerar 3,4% pela nova dívida (este ano), o mesmo que em 2024, em linha com os 3,5% de 2023 e bem acima da taxa de juro global média ponderada de 1,7% em 2022, de 1,1% em 2019 ou 1,8% em 2018.

Aliás, é preciso recuar a 2014, estava o país a sair do programa de ajustamento da troika, para encontrar uma taxa de juro mais atrativa (3,7%). Dados do IGCP, uma vez mais.

Um dos fatores decisivos para fazer a dívida portuguesa brilhar tem sido o alívio das taxas diretoras do BCE. A taxa de depósito, a principal referência para bancos, famílias e empresas da Zona Euro, desceu de 4% em 2023 para 2% agora, nível onde deverá ficar estacionada por mais dois anos (até final de 2027, diz a OCDE).

Todas as agências promoveram e elogiaram o país desde 2023

Mas, em cima isto, há o efeito da promoção nos ratings e dos elogios ao país, à entrega de excedentes orçamentais e à redução do rácio de endividamento, que continua a ser uma dos mais elevados entre os países desenvolvidos. Está nos 90% do PIB, devia estar em 60%, segundo as regras do Pacto de Estabilidade europeu.

A agência Standard & Poor's foi a primeira a subir a qualidade do crédito público em setembro de 2022, repetindo a ação em fevereiro e agosto deste ano. Até agora, foi a mais generosa no progresso da sua opinião.

A Fitch melhorou a nota da República em setembro de 2023 e reforçou em setembro passado.

A Moody's resiste mais, mas, ainda assim, subiu o rating de Portugal em novembro de 2023 e no mês passado manteve a nota como "estável".

A Morningstar DBRS melhorou a avaliação portuguesa duas vezes desde 2023: em julho de 2023 e em janeiro deste ano 2025.

Por exemplo, para a Fitch, que atualmente coloca a qualidade do crédito nacional no nível A (nota que corresponde a uma dívida de boa qualidade, um bom investimento), Portugal destaca-se, em 2025, por ter sido das poucas nações "desenvolvidas" (apenas quatro) que conseguiram melhorar o rating este ano.

No caso português, a Fitch prevê um défice de 0,7% em 2026, mas tal não configura um problema em si.

Os analistas desta agência esperam que "o saldo público se desloque para um défice moderado de 0,7% do PIB em 2026, mas impulsionado por uma maior utilização de empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cortes adicionais de impostos e aumento do investimento público, descendo depois para um défice de 0,4% do PIB em 2027, à medida que o apoio do PRR expira e o investimento abranda". "O resultado das eleições gerais de maio apoia a continuidade da política orçamental", conclui a Fitch.

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças. Lisboa, Parlamento, 24 de outubro de 2025.
Agências de ratings prevêem regresso aos défices, mas mantêm todos os elogios a Portugal

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt