As principais agências de ratings que avaliam a qualidade do crédito da República portuguesa estão bastante confortáveis com o facto de o País poder voltar a ter um défice público no próximo ano, apesar de o governo recusar tal cenário e dramatizar ao máximo, insistindo que é mesmo necessário continuar a entregar excedentes e que "tudo fará" para manter as contas acima da linha de água em 2026. Se isto não acontecer, a culpa será do Parlamento, acenou o primeiro-ministro, este fim-de-semana.A meta do Orçamento do Estado para o ano que vem (OE 2026), do Ministério das Finanças de Joaquim Miranda Sarmento, é um excedente público equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), mas as duas agências de rating que entretanto se pronunciaram sobre a situação portuguesa, já depois de conhecida a proposta de OE (a 9 de outubro), mostram-se bastante tranquilas com um deslize no saldo para território negativo. O principal indicador que querem ver a ajustar é mais o peso da dívida pública, que tem de continuar a descer.A Scope, uma das cinco agências aceites pelo Banco Central Europeu (BCE) para darem notas aos soberanos (governos), diz que a nota do crédito público português é boa (nível A) e que o outlook até é "positivo", mesmo com um défice "modesto" de 0,3%, que é a sua previsão."O atual governo minoritário, liderado pelo Partido Social Democrata, planeia apoiar as famílias e a competitividade das empresas, incluindo através da continuidade do corte da taxa de imposto sobre as empresas até 2028, de maiores transferências sociais para os reformados, bem como da redução do imposto sobre o rendimento e de maiores despesas com a defesa. Ainda assim, o equilíbrio orçamental deverá deteriorar-se apenas gradual e modestamente. A Scope projeta que o excedente orçamental esperado de 0,2% em 2025 se transformará num défice de 0,3% do PIB em 2026, enquanto o excedente primário deverá manter-se elevado, em média, de 1,6% do PIB no período de 2025 a 2030", refere a Scope na avaliação do rating soberano português feita há menos de duas semanas.A avaliação da ScopeAlvise Lennkh-Yunus, analista da agência Scope, sediada na Alemanha, refere que o rácio da dívida soberana de Portugal medida em relação ao PIB "mantém uma trajetória descendente firme no médio prazo, impulsionada principalmente por excedentes primários sólidos, embora em declínio, e por um crescimento nominal robusto".Para a equipa da Scope que segue Portugal, "o governo minoritário, liderado pelo Partido Social Democrata, planeia apoiar as famílias e a competitividade das empresas, incluindo através da continuidade do corte da taxa de imposto sobre as empresas até 2028, de maiores transferências sociais para os reformados, bem como da redução do imposto sobre o rendimento e de maiores despesas com a defesa". "Ainda assim, o equilíbrio orçamental deverá deteriorar-se apenas gradual e modestamente.”Na referida atualização ao rating feita a 31 de outubro passado, a Scope mostra-se tranquila pois, embora projete “que o excedente orçamental de 0,2% em 2025 se transforme num défice de 0,3% do PIB em 2026, o excedente primário deve manter-se elevado, em média, nos 1,6% do PIB no período de 2025 a 2030".Este saldo primário muito elevado (sem a despesa com juros) é o que permite continuar a baixar o rácio da dívida, o indicador principal sobre o qual pendem estas avaliações. Este nível de dívida tem descido muito, mas continua perto de 90%, estando portanto ainda muito longe dos 60% exigidos pelo Pacto de Estabilidade europeu.O que diz a FitchPara a Fitch, outra das agências de ratings de referência, que atualmente coloca a qualidade do crédito nacional no nível A, Portugal destaca-se, em 2025, por ter sido uma das poucas nações "desenvolvidas" (apenas quatro) que conseguiram melhorar o rating este ano. No caso português, a Fitch prevê um défice de 0,7% em 2026."As ações de rating soberano em 2025 têm sido equilibradas até à data, com quatro despromoções (Áustria para AA, Bélgica para A+, Finlândia para AA e França para A+) contrabalançadas por quatro subidas (Itália para BBB+, Portugal para A, Eslovénia para A+ e Espanha para A). As tendências nas finanças públicas destes países são o principal fator determinante das classificações e todos os dez analisados têm agora uma perspetiva estável", observam Ed Parker e Nasir Rajah, dois analistas da Fitch.Quando subiu o rating português, em meados de setembro, esta agência considerou que Portugal continuará a ter "pequenos défices orçamentais a partir de 2026", mas que isso não configura um problema."O governo pretende aumentar as despesas com defesa até 2% do PIB no final de 2025 (face a 1,6% em 2024), mas presumimos que o impacto no défice público geral seja limitado, dado que os parâmetros da NATO são baseados em contabilidade de caixa e definidos de forma mais ampla".Assim, "esperamos que o saldo público se desloque para um défice moderado de 0,7% do PIB em 2026, mas impulsionado por uma maior utilização de empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cortes adicionais de impostos e aumento do investimento público, reduzindo-se depois para um défice de 0,4% do PIB em 2027, à medida que o apoio do PRR expira e o investimento abranda". "O resultado das eleições gerais de maio apoia a continuidade da política orçamental", acrescenta a Fitch.Governo "tudo fará" pelo excedenteJá o governo de Luís Montenegro diz que "tudo fará" para chegar ao excedente de 0,1%."A margem não mudou, é exatamente a mesma. O Parlamento deve agora fazer a sua discussão, mas não é da discussão que vai nascer mais margem", avisou o primeiro-ministro português, este sábado, à margem de uma cimeira na Colômbia.Citado pela Lusa, Montenegro remeteu para o Parlamento a responsabilidade de “gerir com todo o respeito" essa margem que permite, segundo o executivo, o referido excedente. “Os partidos com responsabilidade para aprovar propostas que possam colocar em causa a margem terão de apresentar uma compensação”. “Não quero acreditar” que isto não aconteça, avisou o PM.As agências de ratings são avaliadores credenciados de mercado e as suas "opiniões" sobre o estado das finanças públicas determinam em muito o andamento das taxas de juro soberanas, logo, do custo da dívida toda. Uma opinião desfavorável pode fazer tremer um país, agravando a despesa com juros (que em Portugal continua a ser elevadíssima).Segundo o governo no reporte que faz ao INE, a despesa com juros (em contas nacionais, as do Pacto de Estabilidade) deve aumentar mais de 9% este ano face a 2025. O respetivo peso no PIB também sobe ligeiramente, para 2,1%.Nos casos de Portugal, Grécia e Irlanda, em 2010 e 2011, sucessivas más opiniões das agências contribuíram para empurrar estas nações para a bancarrota e para os subsequentes programas de ajustamento e austeridade.Em entrevista ao DN, o vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, afirmou que esse tempo já lá vai."A situação alterou-se drasticamente". "Portugal é um exemplo de como se pode reduzir o défice orçamental e depois reduzir drasticamente o rácio da dívida em relação ao PIB. Tudo isto foi recompensado pelos mercados com taxas de juro muito baixas. Atualmente, o “spread” entre a taxa soberana de Portugal e da Alemanha é inferior ao de outros países com notações de risco semelhantes, o que é muito positivo", observou o banqueiro central..De Guindos. “Os populistas propõem soluções mágicas baseadas em receitas simples. Estão totalmente enganados”