Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal
Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de PortugalFOTO: Leonardo Negrão

Crise na restauração. Empresas não estão a conseguir pagar os empréstimos covid

A inflação e o aumento dos custos, somados à quebra da procura, estão a asfixiar os empresários, que não conseguem pagar as dívidas da pandemia. A AHRESP já pediu ajuda ao Banco Português de Fomento.
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A quebra na procura e o aumento da inflação que tem feito disparar os custos está a fazer soar alarmes no negócio da restauração. Os empresários dizem que estão a ficar com a corda no pescoço e, sem capacidade para suportar as despesas da operação quotidiana, muitos já falham o pagamento das linhas de crédito da pandemia. O alerta é dado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) que tem recebido diversos pedidos de ajuda por parte dos restaurantes.

A associação está, atualmente, a realizar um inquérito junto dos associados para aferir a real dimensão do problema. Os dados preliminares indicam, para já, que 30% destes pequenos empresários não estão a conseguir cumprir com as obrigações dos créditos contraídos durante a covid 19, mas os números podem ser bastante superiores.

“A restauração está a preocupar-nos, há muita oscilação e incerteza no setor. Começámos a receber queixas e percebemos rapidamente que havia um problema e, portanto, lançámos este questionário porque entendemos que este cenário se irá adensar. Muitos empresários ainda têm esta fatura dos empréstimos às costas e não estão a conseguir pagá-las. Essas linhas não podem ser reestruturadas e está a ser um peso que não estão a conseguir resolver. O inquérito foi iniciado há poucos dias e, por isso, acreditamos que os resultados sejam mais expressivos do que estes 30%”, alerta a secretária-geral da AHRESP.

Em entrevista ao DN, Ana Jacinto explica que já pediu a colaboração do Banco Português de Fomento (BPF), responsável pela gestão das linhas de crédito covid, de forma a concertar uma resposta para os empresários que estão a entrar em incumprimento.

“Estas pessoas precisam de soluções rápidas e é nesse sentido que estamos a trabalhar”, garante. A responsável mostra-se otimista com as conversas travadas até agora e, embora o trabalho conjunto esteja ainda numa fase inicial, acredita que haverá abertura para um desfecho positivo.

“Ao contrário do que acontecia anteriormente, este presidente do BPF [Gonçalo Regalado] tem estado inteiramente disponível para colaborar, encontrar soluções e ajudar a AHRESP. É algo que nunca tivemos no passado, a relação com esta instituição sempre foi muito difícil e neste momento é muito mais positiva e há um interlocutor totalmente disponível. Não sei o que irá acontecer no futuro, mas à data de hoje só podemos aplaudir”, elogia.

Ana Jacinto salienta que o agravamento da conjuntura económica e alteração dos hábitos de consumo têm deteriorado a saúde financeira do setor, com os clientes a optar por supermercados em detrimento dos restaurantes.“Além do quadro económico, o contexto geopolítico gera muita incerteza e tudo isso está a impactar o poder de compra dos portugueses e as idas à restauração. Muitos consumidores estão a escolher refeições mais baratas noutros locais. Agora é frequente o retalho ter aqueles espaços de restauração e as pessoas preferem estas opções mais económicas”, elucida.

Mesmo as idas à restauração tradicional estão a assumir uma roupagem diferente, com os clientes a fechar a carteira e a optar por dividir pratos em vez de optarem por doses individuais. “Toda a conjuntura global é verdadeiramente dramática, parece que já não há ordem no mundo e isso tem um impacto tremendo nas pessoas. Portugal ainda tem a vantagem de estar longe dos centros de conflito, mas as pessoas acabam por se retrair porque não sabem o que irá acontecer amanhã e começam a poupar por precaução. São momentos muito desafiantes e é muito difícil perspetivar o futuro”, nota.

A restauração nacional é composta, sobretudo, por microempresários que estão “a trabalhar para pagar os custos operacionais e muitos deles nem isso conseguem”. “Um restaurante cheio não é sinónimo de rentabilidade. A matéria-prima continua a encarecer, com a inflação em alta, e há uma oscilação tremenda nos preços. Hoje está a um preço e amanhã a outro, é uma dificuldade imensa na gestão e os empresários estão, muitas vezes, a engolir estes custos”, relata a responsável.

A falta de previsibilidade tem sido outro dos desafios na gestão do negócio. “Estes empresários antes sabiam, mais ou menos, com o que poderiam contar e faziam as suas compras com base nisso. Agora, tanto podem trabalhar muito bem num sábado e no sábado seguinte estão vazios”, aponta. Há outra franja da restauração inserida em geografias de grande procura e que vive, sobretudo, dos fluxos turísticos, mas, apesar de o quadro ser mais animador, os desafios são semelhantes.

“Mesmo esses estabelecimentos, em que aparentemente está tudo espetacular, o que sobra no final do dia é muito pouco, a margem é reduzida. Isto porque têm muito mais encargos, com necessidades maiores de pessoal, de mão de obra mais qualificada, e também aqui estão a trabalhar, muitas vezes, para pagar os custos”, fundamenta.

A agravarem-se os constrangimentos atuais, o número de encerramentos poderá disparar. “ A AHRESP vai dando conta dos encerramentos através das nossas delegações regionais. A maior parte destas empresas fecha silenciosamente. Por isso é que os dados que existem em termos estatísticos nunca reportam exatamente a realidade do setor. Muitas fecham simplesmente, colocam um papel na porta e não voltam a abrir. Apercebemo-nos disto quando, por exemplo, perdemos um sócio e, ao contactá-lo para enteder o motivo, é, regra geral, o encerramento da atividade”, constata.

Alterações à lei da imigração dificultam contratação de trabalhadores no turismo

Com a mão de obra estrangeira a assumir atualmente um peso de 30% no setor do turismo, e com uma carência de aproximadamente 40 mil trabalhadores, as novas medidas anunciadas para a imigração assumem-se como outra das preocupações da AHRESP. O Governo aprovou,em Conselho de Ministros, um conjunto de diplomas com o intuito de alterar a lei da nacionalidade e de estrangeiros. As novas regras, que terão agora de ser discutidas no Parlamento, irão impôr novos limites contratação de trabalhadores de outras nacionalidades.

A nossa principal preocupação é a de continuar a ter trabalhadores imigrantes, precisamos de gente a trabalhar no setor. Estas medidas, obviamente, dificultam. Percebemos as preocupações do Governo bem como as medidas, mas não podemos estar a inviabilizar que estes imigrantes venham trabalhar para os nossos setores de atividade e que se demorem tempos intermináveis para que possa ser emitido um visto”, defende Ana Jacinto.

Uma das alterações que o Executivo de Luís Montenegro quer implementar respeita aos vistos para entrada no país sem contrato ou promessa de trabalho que só poderão ser pedidos por profissionais altamente qualificados impactando, diretamente, o turismo que vive, essencialmente, de mão de obra não qualificada.

Se precisamos e se vamos continuar a precisar de trabalhadores imigrantes? Vamos. Se só precisamos de trabalhadores extremamente qualificados? Não. Era desejável que todos tivessem grandes qualificações, mas sabemos que não pode ser assim”, adianta.

Para a secretária-geral da AHRESP, é urgente que o Governo altere o protocolo da via verde para imigração - que entrou em vigor no passado mês de abril-, nomeadamente no que respeita à obrigatoriedade de os patrões garatirem habitação aos trabalhadores.

É uma questão muito crítica e não conseguimos salvaguardar essa obrigação, nem pode ser uma responsabilidade das empresas. É verdade que muitas se preocupam e tentam fazê-lo, mas não é fácil, sobretudo porque o nosso tecido empresarial é muito micro e, portanto, não temos capacidade e onde precisamos de mais trabalhadores é, precisamente, nas zonas onde há menos oferta de casas. Este requisito tem de ser revisitado e faremos questão de voltar a conversar com o Governo sobre essa matéria”, assegura.

“Estas novas medidas do Governo dificultam [a entrada de imigrantes], mas se a via verde funcionar e os trabalhadores puderem vir em condições dignas, tudo certo. Não podemos é ter requisitos que inviabilizam a execução do plano. Se o alojamento continuar a ser um requisito obrigatório, obviamente que tornará este plano num fracasso.”, reitera.

Para Ana Jacinto é imperativo que esta seja “uma responsabilidade partilhada” e que não recaia exclusivamente sob as empresas. Aquando da apresentação das medidas após o Conselho de Ministros, na semana passada, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu que as empresas “terão de se ajustar” às novas regras e que a economia terá “de se habituar ao ajustamento e à sua transformação para trabalho mais qualificado e mais bem pago”.

A representante da AHRESP, responde: “Todos nós temos de nos ajustar às novas realidades que vamos tendo. Agora, os ajustes não se fazem de um dia para o outro e, portanto, todos nós precisamos ter condições para os ir fazendo”.

Redução do IVA e da TSU no prómixo OE

A redução fiscal continua a ser uma das prioridades que a AHRESP quer ver contemplada no próximo Orçamento do Estado. A associação continua a bater-se pela reposição integral da taxa intermédia do IVA a 13% às bebidas excluídas, como os refrigerantes e as bebidas alcoólicas, que continuam a ser taxadas a 23%. De forma a ajudar as empresas a melhorar as condições salariais dos trabalhadores, a associação volta ainda a defender a isenção temporária ou redução da taxa social única (TSU) no pagamento do trabalho suplementar, nos 13º e 14º meses e nos prémios de produtividade. Ainda neste sentido, a AHRESP irá ainda propor ao Executivo a isenção da tributação para as empresas que quiserem concretizar aumentos salariais, além do salário mínimo.

“Queremos incentivar as empresas a irem mais longe nestes aumentos. Há empresas que em vez do ajuste do salário mínimo nacional podem ir além, com uma subida de 100 euros ou 150 euros. Esta e já uma obrigação extra e, desta forma, gostaríamos que o Governo isentasse estes montantes de contribuição”, explica Ana Jacinto.

Para a secretária-geral da associação, as empresas estão a fazer “um esforço tremendo” para atualizar as remunerações no setor, mas a carga fiscal acaba por absorver os aumentos líquidos para o trabalhador. “A carga fiscal é enorme e o Governo continua sem fazer a parte dele”, atesta a responsável.

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