Bernardo Trindade está prestes a tomar posse para mais um mandato de três anos na liderança da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Pela frente vislumbra-se um caminho com os dossiês do costume: um aeroporto esgotado, uma atividade carente de mão de obra estrangeira e a privatização da TAP. Para responder à falta de capacidade da Portela propõe que a estada dos turistas no país seja incrementada em uma noite: a medida permitira encaixar perto de dois milhões de euros a mais em proveitos na hotelaria. Sobre o Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada, assinado há um mês entre o Governo e as confederações patronais, deixa o alerta: não há condições “para responder afirmativamente” à exigência de habitação do Executivo e o programa pode acabar condenado. Em véspera de eleições, assegura que o turismo "continua a fazer o seu caminho independentemente da política", mas deixa a lista de exigências ao próximo Executivo. .Estamos a uma semana das legislativas. O turismo tem estado devidamente representado nas agendas eleitorais?Esta semana a Confederação de Turismo de Portugal (CTP) organizou um almoço com o secretário-geral do PS e aguardamos a presença de Luís Montenegro. Há um ano tivemos eleições e o setor, no quadro desta instabilidade, entregou ao país, no final de 2024, o melhor ano turístico de sempre. Significa que, independentemente da política, o turismo continua a fazer o seu caminho..Como vê os programas dos dois principais partidos no que respeita às medidas apresentadas para o setor?Tem existido um quadro de continuidade no turismo em termos das políticas. Há prioridades no domínio das acessibilidades, nomeadamente no condicionamento da procura em Lisboa. É preciso resolver o problema do emprego, o turismo é instrumental para que a economia cresça e sendo uma atividade mão-de-obra intensiva precisamos das pessoas. Dois terços da nossa mão-de-obra é nacional e um terço é estrangeira. É preciso também olhar para o futuro da nossa companhia de bandeira como um instrumento essencial para a nossa ligação ao mundo. Se o olhar dos partidos políticos for nesse sentido, merece a nossa concordância..São eixos imperativos que espera do próximo Executivo?Sim, sobretudo porque há matérias que se mantêm absolutamente atuais passado um ano. Há um conjunto de compromissos que são fundamentais, o Governo assumiu-os, nomeadamente nas questões da simplificação fiscal e do Estado e da legislação laboral. São temas que não puderam ser ainda concluídos, mas a nossa expectativa é de que o venham a ser. É importante olhar também para os obstáculos que temos em relação à dinamização da procura, com o aeroporto de Lisboa absolutamente constrangido. Temos de olhar para outras dinâmicas que, de alguma maneira, permitam obter respostas diferentes, por via do aumento da estada média. A AHP fez um estudo e concluiu que se aumentarmos a atual estada média em Portugal em uma noite, para 3,54 dias, mantendo o mesmo número de hóspedes (31 milhões em 2024), podemos incrementar o número de dormidas para os 111 milhões (80 milhões em 2024). Os proveitos de aposento crescem de 5,5 mil milhões de euros para 7,14 mil milhões de euros. Se há um constrangimento de procura e não conseguimos trazer mais pessoas é preciso que elas fiquem cá mais tempo..De que forma?É um trabalho conjunto que tem de envolver o Governo, as associações, as empresas, as entidades regionais de turismo e o Turismo de Portugal. Os hotéis estão disponíveis porque querem ter os seus turistas mais tempo nos seus hotéis, mas há depois um trabalho de comunicação, de articulação e de cofinanciamento..Os municípios do país encaixaram um valor recorde de 92 milhões de euros em 2024, com as receitas provenientes das taxas turísticas. A AHP tem vincado a sua posição contra. Espera que este seja um tema em cima da mesa na próxima legislatura?Enquanto empresários sabemos bem a carga fiscal que neste momento incumbe sobre as empresas e que entregamos ao Estado. Temos vindo a questionar o facto de este processo não estar a ser liderado da melhor forma possível, como é exemplo Lisboa, onde caminhámos no sentido da criação da taxa turística com contrapartidas, nomeadamente a construção do centro de congresso na cidade. Esta infraestrutura não foi feita e as taxas turísticas continuaram a ser cobradas. .Qual é a justificação da Câmara de Carlos Moedas?Dizem que não foi possível encontrar um espaço. Debato-me muito com o facto de ter existido um aumento da taxa turística de 100%, quando a pegada turística aumentou 9% - é absolutamente desproporcionado, não explicado e não é transparente. Não sabemos onde é que este dinheiro será aplicado..O próximo Governo deve intervir nesta matéria?A competência do Governo é, em primeiro lugar, a sensibilização. Em tese, 308 taxas turísticas em 308 concelhos podem ser criadas por vontade municipal. É importante perceber se todos os municípios têm vocação turística e se não estamos a introduzir um fator perturbador em relação à afirmação desta atividade. Há autarquias com regimes diferentes de aplicação. .É fundamental uniformizar?Claro, é fundamental que o Governo discipline isso e a lei das finanças locais pode ir nesse sentido e essa já é uma competência do Governo. É, de alguma maneira, um pouco a nossa imagem que está em causa. Quem nos visita tem um tratamento diferente em cada concelho e isso não é, do nosso ponto de vista, aceitável..Olhando para a imigração, qual é o atualmente o peso dos trabalhadores estrangeiros na hotelaria?Em cada três trabalhadores, um é estrangeiro. Estamos dependentes da mão de obra imigrante e já não nos bastamos a nós próprios. É um tema com o qual temos de nos confrontar se queremos aumentar os preços, ter melhor qualidade de infraestruturas e serviços e se queremos que o turismo contribua cada vez mais para que a economia portuguesa possa singrar..A via verde para a imigração é uma resposta cabal à falta de mão de obra no setor ou ficou aquém das pretensões?É importante que se tenha avançado nesta matéria e é importante que criemos condições para que estas pessoas venham. Portugal é um excelente país de acolhimento e esta via verde vai num sentido positivo: é possível celebrar contratos no país de origem, mas há um domínio que está plasmado e que nos suscita preocupação e muitas dúvidas, a questão do alojamento adequado. Passa para o setor empresarial uma responsabilidade que não temos condições de responder afirmativamente..Não há capacidade de assegurar casa a quem chega?Lisboa, Porto, Madeira e Algarve, que são as nossas principais regiões turísticas, têm um problema sério com a falta de habitação. Passar esta responsabilidade para as empresas é, no fundo, condenar uma via verde que é indiscutivelmente um instrumento positivo. Desse ponto de vista, o meu apelo é que continuemos a acompanhar, reflitamos, façamos os balanços necessários e corrijamos o que for necessário. .Espera que o próximo Executivo recue nesta matéria?Temos de ir aprofundando. Se esta medida, de alguma maneira, falhar em determinados objetivos não deixaremos de chamar a atenção..Há o risco de o protocolo falhar junto dos empresários da hotelaria?Sim, e isso significa que o país não foi capaz de encontrar respostas. O nosso papel é identificar e trabalhar em conjunto com o Governo. Daquelas que são as exigências para o cumprimento desta via verde, esta questão do alojamento condigno - ainda por cima tem este adjetivo que é pomposo - traz um tema. A questão da habitação é uma responsabilidade pública e esse é um obstáculo que antecipo à boa concretização desta via verde..Tanto o PS como a AD destacam nos programas eleitorais a necessidade de melhorar remunerações no setor. O PS defende que as receitas do turismo têm de ser refletidas no crescimento dos salários - que estão ainda 30% abaixo da média nacional. É compreensível este desfasamento?Temos a noção de que os salários no setor do turismo, nomeadamente em determinadas áreas que não a hotelaria, estão abaixo da média da economia. É importante destacar o esforço, acima da média, que os empresários têm feito no sentido da valorização salarial. É a forma de ir aproximando estas realidades. No acordo de competitividade celebrado com o Governo fizemos atualizações, em muitos casos, além do acordado. Temos bem a noção da nossa responsabilidade, sabendo que é uma atividade de mão de obra intensiva, cuja qualidade do serviço também passa muito não só pelos salários, mas pelas condições que damos e esse movimento vai continuar..Qual é atualmente o salário médio na hotelaria?Andará à volta dos 1150 euros/1200 euros. .Abaixo da remuneração bruta total mensal média por trabalhador de 1777 euros, no final de 2024...Relembro que tivemos a pandemia e a atividade completamente encerrada. Se não fossem as ajudas públicas teria sido uma pequena tragédia, mas estamos agora a repor o poder de e a assegurar que a força de trabalho tem salários valorizados acima da inflação e queremos continuar este esforço. .É também administrador do PortoBay Hotels, um grupo com 16 hotéis. Têm instituída uma política de remuneração mínima, à semelhança, por exemplo, do grupo Pestana?Não temos um salário mínimo, mas a média salarial no grupo PortoBay é acima da média do setor. .Há trabalhadores a receber o salário mínimo?Não, mas nas funções menos qualificadas ainda há que fazer um esforço de valorização salarial..O turismo exigia uma resposta sobre a localização no novo aeroporto, que foi dada por este Governo. Os prazos apontados para a obra são desanimadores?Primeiramente, saudamos a decisão. Recentemente tivemos reunidos com a administração da ANA que nos mostrou os impactos relativos ao novo aeroporto, nomeadamente em termos de modelo de financiamento, consumo de recursos e estamos a falar de uma gigantesca dimensão que convocará o país, o Governo, e todos os poderes públicos. Não nos iludamos, será, seguramente, um processo muito moroso e, como é evidente, isto irá exigir um esforço muito grande. Por isso mesmo volto ao tema da estadia média, se a aumentássemos estaríamos a dar uma resposta [de curto e médio prazo]..Teme que as negociações com a concessionária sejam um entrave para a concretização do Luís de Camões?Espero que não porque este dossiê já se arrasta há mais de 50 anos. Temos uma decisão e é preciso um olhar sério neste tema. Face ao condicionamento da Portela é preciso encontrar alternativas. Os aeroportos do Porto, do Algarve e da Madeira, por exemplo, têm capacidade para receber mais voos e é aqui que entra a importância da TAP-. Quem é a companhia à escala global, com dimensão, com expertise, com um hub, com uma plataforma em Portugal que pode, de alguma maneira, utilizar da melhor forma possível estas infraestruturas e servir o país? A TAP é aqui também uma peça essencial neste puzzle para a questão do congestionamento aeroportuário..Em 2018, era na altura administrador não executivo da TAP, disse que a privatização da ANA “foi provavelmente o maior crime cometido pelo Governo de Passos Coelho”. Este processo seria mais fácil caso a ANA não estivesse nas mãos da Vinci?Há determinados setores da atividade económica, social e cívica que não podem estar em mãos privadas. São questões de soberania, não podemos ficar dependentes - e isto não comporta qualquer juízo de valor em relação à concessionária que tem trabalhado muito com o setor do turismo. O nosso apelo é que as decisões possam ser feitas da melhor forma possível, com um caderno de encargos bem desenhado e que os prazos possam ser encurtados..Como vê o modelo de financiamento proposto pela ANA no que respeita ao aumento das taxas aeroportuárias já a partir do próximo ano?Sendo um investimento do país, e assumindo que o Governo não quer aumentar impostos para financiar esta obra, ou há um aumento das taxas aeroportuárias ou do prazo de concessão. Obviamente que um aumento de taxas aeroportuárias é algo que pode pôr em causa a competitividade. .É subscritor de uma carta aberta assinada por 25 personalidades contra a privatização total da TAP. Quais são os riscos de colocar a maioria do capital nas mãos do privado?É perdermos a soberania e a capacidade de utilizar a TAP como um instrumento ao serviço do país. A TAP é hoje uma empresa reconhecida, melhorou muito o seu balanço desde o plano de reestruturação, voltou aos lucros e a sua perceção é indiscutivelmente diferente e o processo de abertura do capital também. A TAP é um ativo muito significativo e muito interessante, ainda que numa solução minoritária..Referiu a importância de a TAP servir o país . A operação em Faro é quase nula, qual é a garantia de que a continuar nas mãos do Estado vá apostar mais nestas regiões?A TAP é a única companhia que pode, efetivamente, fazer este serviço. Se há um constrangimento no principal hub, diversificar é a única hipótese. Se os constrangimentos se mantêm, com o facto de haver outras companhias que, querendo voar para Lisboa, não o podem fazer, é importante que a nossa companhia possa fazê-lo nas outras infraestruturas. .A economia contraiu 0,5% no primeiro trimestre deste ano. É um cenário preocupante que refreia as expetativas do turismo para os próximos meses?Acredito que o segundo trimestre já será melhor. Temos um desafio que é superar o melhor ano sempre, com investimento, com projetos a abrir, com desafios da procura e com a temática dos recursos humanos.. Esperemos que o verão seja positivo e que permita esbater o arranque menos positivo do ano..Vai assumir a liderança da AHP até 2028. Que turismo gostaria de ter daqui a três anos? Gostava de ver as questões que já enumerei estabilizadas. Se olharmos para o nosso setor, reconhecido por todos como uma atividade absolutamente central no quadro do desenvolvimento da nossa economia, com a criação de emprego, sendo um instrumento de coesão territorial e constituindo-nos cada vez mais como uma comunidade de acolhimento para quem quer fazer carreira e vida em Portugal. Como dirigente associativo e líder da AHP, estaria satisfeito. .Teremos eleições na próxima semana. Num cenário em que o PS saia vencedor, quem gostaria de ver assumir a pasta do turismo?Este quadro de continuidade que as políticas do turismo têm tido, quer protagonizadas pelo PS quer pela AD, são uma garantia importante. A nossa expetativa é a de que isso possa continuar a acontecer..Gostaria de voltar a assumir essas funções?O meu propósito de vida é dedicado ao setor do turismo: primeiro como empresário, depois a fazer serviço público na secretaria de Estado do Turismo. Creio que esse é um tempo que passou e estou muito satisfeito com este propósito muito bem cumprido como dirigente associativo e como empresário.