Aeroporto Humberto Delgado
Aeroporto Humberto DelgadoLeonardo Negrão

Companhias aéreas devem 145 milhões de euros a passageiros até setembro por atrasos e cancelamentos

Até setembro, 36% dos voos que partiram dos aeroportos portugueses sofreram disrupções. Portugal é o terceiro país na Europa com mais passageiros afetados e TAP lidera atrasos e cancelamentos.
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A operação nos aeroportos portugueses está cada vez mais pressionada e apanhar um voo a partir de uma destas infraestruturas não se vislumbra tarefa fácil, principalmente se estivermos a falar da Portela. O aumento do número de passageiros, a falta de recursos humanos no setor da aviação e as recentes greves do handling formaram a tríade responsável pelo incremento das disrupções que afetaram milhões de viajantes nos últimos meses, especialmente no período de verão. A fatura das companhias aéreas aumenta à boleia dos atrasos e cancelamentos de voos, com um valor de indemnizações a pagar aos passageiros que ascende aos 145 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano.

Entre janeiro e setembro, dos 187 mil voos que partiram dos aeroportos portugueses, 36% sofreram irregularidades. No total, foram mais de 67 mil os voos impactados por atrasos e cancelamentos, um aumento de 11% face ao mesmo período do ano passado.

Nesta janela temporal, partiram dos aeroportos 27 milhões de passageiros, sendo que 36% sofreu disrupções. Ou seja, 9,5 milhões de pessoas que voaram a partir de Portugal enfrentaram algum problema, o que representa um aumento homólogo de 10%. Destas, perto de 364 mil são elegíveis para receber uma compensação ao abrigo do Regulamento CE 261/2004, que regula os direitos dos passageiros aéreos de voos operados na União Europeia. Com um valor médio de 400 euros por pessoa, as indemnizações totalizaram 145 milhões de euros até ao nono mês do ano, de acordo com os dados cedidos pela AirHelp ao DN.

Olhando para as infraestruturas, a empresa que atua nos direitos dos passageiros destaca o adensar dos constrangimentos no aeroporto Humberto Delgado. No principal aeroporto do país, 44,3% dos voos sofreram alguma irregularidade até setembro, um número que compara com os 39% registados em 2024. “O aumento significativo das perturbações no aeroporto Humberto Delgado de Lisboa foi impulsionado principalmente pela enorme pressão sistémica e pelos problemas laborais na principal porta de entrada da capital. Notícias indicam que a escassez de pessoal no setor da aviação (tripulações, pessoal de terra, controlo de fronteiras) durante a época alta do verão criou enormes congestionamentos, levando a filas de horas e inúmeros voos com perturbações”, explica ao DN Pedro Miguel Madaleno.

O advogado, especialista em direitos dos passageiros aéreos da empresa em Portugal, sublinha ainda as greves dos trabalhadores de assistência em terra da SPdH/Menzies, que iniciaram em julho, e que resultaram em “atrasos generalizados” na operação. “O período marcado por greves no setor de handling, coincidente com a época alta das viagens de verão, teve um impacto massivo e mensurável tanto nas operações aeroportuárias como nos passageiros. Os dados demonstram um aumento acentuado no número de passageiros afetados: entre janeiro e setembro, mais de 9,5 milhões de viajantes sofreram perturbações, atingindo o pico da crise em julho, com 1,5 milhões passageiros afetados, quase o triplo do registado nos meses mais calmos”, aponta.

Pedro Miguel Madaleno recorda que esta paralisação, que incidiu sobre serviços essenciais de assistência em terra, como o manuseamento de bagagens e o check-in, provocou cancelamentos generalizados de voos e atrasos severos em todos os principais aeroportos. “Os passageiros enfrentaram ainda filas extremas, de até 2,5 horas, e falhas recorrentes no tratamento de bagagens, apesar dos esforços das autoridades para assegurar um nível mínimo de serviço”, elucida.

Se a Portela lidera pelos piores motivos, por outro lado, os aeroportos do Porto e de Faro registaram uma diminuição ligeira nas perturbações, caindo de 29,8% em 2024 para 29% e de 23,2% em 2024 para 20,8%, respetivamente.

“Esta melhoria relativa sugere que, embora estes aeroportos tenham estado sujeitos às mesmas pressões nacionais, podem ter demonstrado uma maior resiliência operacional ou beneficiado de uma pressão menos intensa do tráfego de passageiros em comparação com o aeroporto da capital, permitindo-lhes gerir melhor a capacidade e manter operações mais fluidas ao longo do mês de setembro”, enquadra.

Numa leitura comparativa, o advogado da AirHelp realça que as principais diferenças em relação ao ano passado decorrem desta evolução divergente, “com o aeroporto de Lisboa a ser incapaz de acompanhar o aumento do volume de passageiros”.

“Os maiores desafios e constrangimentos foram a grave sobrecarga das infraestruturas e do pessoal em Lisboa, particularmente significativa devido à falta de pessoal no controlo fronteiriço, que causou filas de passageiros com várias horas de espera, juntamente com as ações de protesto laboral do pessoal de assistência em terra em todos os principais aeroportos durante os meses de pico do verão, o que afetou gravemente a fiabilidade dos voos e a qualidade do serviço em todo o país”, acrescenta.

Portugal é o terceiro país da Europa com mais passageiros afetados. TAP lidera disrupções

Olhando para o espectro europeu, Portugal continua a ser um dos países com maior percentagem de perturbações nos voos operados nos seus aeroportos ocupando o top três. Os países mais afetados entre janeiro e setembro de 2025 foram a Grécia (36%) de passageiros afetados), a Alemanha (35,9%) e Portugal (30,7%).

“Portugal ocupa o terceiro lugar na Europa em termos de proporção de passageiros afetados, com 30,7% até setembro, atrás apenas da Grécia e da Alemanha. No entanto, devido ao seu menor volume total de tráfego aéreo, o número absoluto de passageiros afetados em Portugal é significativamente inferior ao dos principais mercados aéreos europeus, como a Alemanha e a Espanha, que registaram um número total mais elevado de viajantes afetados. A classificação de Portugal indica, portanto, uma vulnerabilidade operacional relevante em relação ao seu tamanho, e não o maior volume total de perturbações no continente”, justifica Pedro Miguel Miguel Madaleno.

Já no que respeita às companhias aéreas, a TAP, a Ryanair e a easyJet foram as operadoras no país que registaram um maior volume de passageiros transportados e, consequentemente, de disrupções. A TAP, pela dimensão da sua operação comparativamente às duas low cost, liderou no capítulo dos atrasos e cancelamentos. Entre janeiro e setembro, 42,9% dos voos da companhia liderada por Luís Rodrigues registaram perturbações (36,8% em 2024), e 1,4% dos voos foram cancelados, um valor em linha com o ano passado.

Controlo de fronteiras e greves são desafios

O verão é um capítulo encerrado e o ano caminha para o fim, mas nem por isso a operação nos aeroportos se vislumbra mais serena, principalmente na capital.

As últimas semanas têm ficado marcadas pelo caos no aeroporto de Lisboa e pelas longas filas na fronteira com os passageiros retidos durante várias horas devido à implementação do novo sistema europeu de controlo automatizado de fronteiras externas, o Entry/Exit System (EES), que entrou em vigor no passado dia 12 de outubro, e que tem adensado os constrangimentos nas entradas e saídas de passageiros extracomunitários na cidade. A época festiva de Natal e de fim de ano aproxima-se e, com ela, também o habitual aumento do tráfego de passageiros.

Paralelamente a todos os desafios, o movimento de passageiros continua a seguir em trajetória ascendente, atingindo todos os recordes. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), disponíveis até agosto, indicam que até ao oitavo mês do ano o número de passageiros movimentados nos aeroportos nacionais avançou 4,9% para perto de 50 milhões. “Desde o início de 2025 que se registaram máximos mensais históricos do número de passageiros movimentados nos aeroportos nacionais, com exceção do mês de fevereiro”, indica o gabinete de estatística. O aeroporto de Lisboa movimentou 48,4% do total de passageiros (24,1 milhões, +3,1% comparando com o período homólogo de 2024). O aeroporto de Faro registou um crescimento de 6,8% no movimento de passageiros (7,3 milhões) e o aeroporto do Porto concentrou 22,7% do total de passageiros movimentados (11,3 milhões, +5,5%).

De olhos postos na atividade dos próximos dois meses, Pedro Miguel Madaleno estima que a operação dos aeroportos nacionais deverá seguir uma “tendência de alguma estabilidade controlada até dezembro, embora seja necessária uma vigilância constante durante os períodos de pico”.

“Embora o terceiro trimestre tenha apresentado desafios significativos, particularmente em Lisboa, a redução da densidade geral do tráfego no verão, com a transição para o outono, oferece uma oportunidade para que os sistemas operacionais se recuperem e se estabilizem, o que historicamente beneficia aeroportos mais pequenos como Porto e Faro” explica.

O especialista aponta a ameaça de novas greves como outro dos possíveis fatores de disrupção. Recorde-se que os trabalhadores da Menzies cancelaram as paralisações agendadas até dezembro, na sequência de uma decisão judicial sobre serviços mínimos, mas, ainda assim, diz o advogado “as queixas laborais fundamentais persistem”. Ou seja, o clima de paz social não é garantido e existe a possibilidade de se repetirem os protestos. “Embora seja menos provável um regresso aos níveis extremos de perturbação verificados no verão durante os dias úteis mais calmos do outono, os esforços da administração devem continuar focados no reforço da capacidade do pessoal e na garantia de um elevado nível de conformidade dos serviços, particularmente nas alturas de maior procura de viagens, o como o Natal e o ano novo, onde qualquer instabilidade será mais sentida”, sugere.

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