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Desportos
26 março 2020 às 15h39

Como a Itália ficou 16 anos com o título de campeã do mundo

A pandemia do coronavírus faz que Portugal mantenha o título de campeão da Europa por mais um ano, mas entre 1934 e 1950 registou-se um reinado da squadra azzurra como campeã do mundo. A seleção do estratega Vittorio Pozzo só foi travada pela Segunda Guerra Mundial.

A seleção italiana de futebol detém ainda hoje um recorde que dificilmente será batido: foi campeã do mundo durante 16 anos. Metade desse período foi por ter sido a primeira a vencer dois Mundiais consecutivos (1934 e 1938) e a outra metade devido à suspensão da competição por causa da Segunda Guerra Mundial. Curiosamente, a seleção portuguesa vai agora beneficiar de um ano extra com o título de campeã da Europa, pois o Euro 2020 foi adiado por causa da pandemia do covid-19, ou seja, a equipa de Fernando Santos estará cinco anos no trono do Velho Continente.

A longevidade dos italianos como campeões mundiais acabou por ser um prémio para uma seleção marcante na história do futebol, apesar de ter servido como veículo de propaganda do regime ditatorial de Benito Mussolini. Vittorio Pozzo foi o selecionador e o estratega de uma equipa poderosa à qual passava a sua astúcia tática para fazer funcionar um conjunto de jogadores talentosos e de grande poder físico. Entre 1934 e 1938, a Itália foi bicampeã mundial e campeã olímpica, razão por que é legítimo pensar que apenas a Segunda Guerra Mundial a impediu de alcançar mais conquistas.

Foi o regime de Mussolini que organizou o Campeonato do Mundo de 1934 e, logo à partida, havia uma pressão acrescida sobre Vittorio Pozzo, pois recebera o recado de que era preciso ganhar o torneio a todo o custo, nem que para isso fosse necessário naturalizar futebolistas. E assim foi. Os argentinos Enrique Guaita e Attilio de María, que jogavam há muito tempo em Itália, adquiriram a cidadania, e a eles juntaram-se outros dois argentinos, descendentes de italianos, Luis Monti e Raimundo Orsi, bem como o ítalo-brasileiro Anfilogino Guarisi. Cinco importantes reforços para uma equipa que tinha o brilho de Giuseppe Meazza, que mais tarde daria o nome ao estádio San Siro, onde atualmente jogam Milan e Inter.

O reformado, o bêbado e o fim do ódio

Il Vecchio Maestro [O Velho Mestre], como ficou conhecido Pozzo, era um homem resiliente e com grande poder de argumentação. E foi essa qualidade que lhe permitiu convencer o guarda-redes Giampiero Combi a adiar a sua reforma para se tornar o dono da baliza depois de o titular Carlo Ceresoli ter partido um braço umas semanas antes do pontapé de saída para o Mundial de 1934.

Ainda antes de anunciar os convocados, Pozzo deslocou-se a uma deprimente taberna da capital italiana para encontrar o talentoso Attilio Ferraris, que não jogava há 18 meses depois de ter sido despedido pela AS Roma por problemas disciplinares, que o levaram a refugiar-se no álcool. "Deixa os cigarros, as bebidas e o bilhar. Vem jogar o Mundial", disse Pozzo a Ferraris, que acedeu ao pedido do selecionador.

Mas o maior feito de Pozzo até foi conseguir fazer as pazes entre Luis Monti (Juventus) e Angelo Schiavio (Bolonha), que se odiavam e trocavam insultos de forma recorrente. No dia em que chegaram ao estágio de preparação, nos Alpes, o selecionador comunicou-lhes que iriam partilhar o mesmo quarto durante dois meses, ou seja, até ao fim do torneio. Há quem diga que Il Vecchio Maestro agarrou aí a equipa. E o certo é que Monti foi peça essencial no meio-campo ao lado de Meazza - ambos suportavam um ataque temível composto por Orsi, Ferraris, Schiavo, Meazza e Guaita, num sistema tático que ganhou o nome de Il Metodo.

O Mundial de 1934 foi marcado pela ausência dos campeões do mundo, a temível seleção do Uruguai, em protesto por várias equipas europeias não terem estado presentes no Mundial que tinham organizado em 1930. A Áustria contava com Matthias Sindelar (o "homem de papel" por ser esguio) como grande estrela e era apontada como favorita. No entanto, a Wunderteam (equipa-maravilha), como eram conhecidos os austríacos, acabaria por ser derrubada pelos italianos nas meias-finais devido a um golo de Guaita. Na final de Roma, a squadra de Pozzo enfrentava a Checoslováquia, mas antes da partida os jogadores italianos receberam um bilhete de Mussolini que não lhes deixava alternativa: "Vitória ou morte."

Quando aos 71 minutos Antonin Puc colocou os checos em vantagem, o medo ter-se-á apoderado dos azzurri, que se encheram de brio e conseguiram levar o jogo para o prolongamento, graças a um do ítalo-argentino Orsi. Schiavio acabou por se tornar o herói do regime fascista italiano, com o golo que deu o primeiro título mundial à Itália.
Dois anos depois, nos Jogos Olímpicos de Berlim, novo sucesso, agora nas barbas do regime nazi de Adolf Hitler, com uma vitória sobre os austríacos na final. Era o prenúncio do que iria passar-se em 1938 em França, onde a Itália chegava como grande favorita ao título mundial.

A consagração de Pozzo e Meazza

A Europa vivia um momento de alta tensão e sentia-se que a guerra estava iminente, sobretudo depois de em março de 1938 os nazis terem anexado a Áustria, mas o campeonato realizou-se mesmo. A Itália era agora a grande favorita, ainda para mais contava com o talentoso Silvio Piola, que se juntava a uma seleção já bastante forte. Noruega, França e o Brasil, nas meias-finais, caíram aos pés da squadra azzurra, que na final jogava com a fantástica Hungria, que ali chegava com 13 golos marcados em três partidas.

Numa final emocionante, em Paris, dois golos de Colaussi e outros tantos de Piola permitiram à Itália vencer por 4-2 e sagrar-se bicampeã do mundo. Era a consagração do estratega Vittorio Pozzo, que é ainda hoje o único treinador a conquistar dois títulos mundiais, mas também de Meazza, um dos melhores futebolistas da história.

A glória italiana terminava nesse momento, de forma abrupta, mas previsível, tendo em conta a escalada da tensão na Europa, que culminaria na Segunda Guerra Mundial. Alemanha e Brasil eram os candidatos a organizar o Mundial de 1942, mas a invasão nazi à Polónia a 1 de setembro de 1939 determinou o cancelamento do torneio.

Seguiam-se seis anos de um conflito sangrento, que deixou o mundo devastado. Menos de um ano após o fim da guerra deveria ter-se realizado o Mundial de 1946, mas não havia condições financeiras e logísticas, tendo a FIFA determinado que o Campeonato do Mundo voltaria em 1950, no Brasil. Aí, a poderosa e temível squadra azzurra já não tinha as suas principais estrelas e acabaria por não passar da primeira fase. Il Metodo de Vittorio Pozzo tinha passado à história, mas ficava para sempre na memória dos italianos, que teriam de aguardar 44 anos para voltar a ter uma seleção no topo do mundo.