Nasceu na Figueira da Foz (18 de Setembro de 1974) e viveu o sonho americano, como jogadora profissional de basquetebol. Ticha Penicheiro está no top-25 das melhores basquetebolistas de sempre da WNBA, foi quatro vezes All-Star e entrou para o Hall of Fame da WNBA e da FIBA. Hoje é agente de jogadoras e vive em Miami. .O que mudou mais a sua vida, o campo de basquetebol atrás de casa, onde jogava, ou a viagem para os Estados Unidos, para tentar ser jogadora profissional? Foi a viagem para os EUA. O objetivo era fazer um curso universitário, crescer como mulher, crescer como jogadora. Não tinham o sonho sequer de jogar na WNBA, porque a WNBA não existia. Entrar nesse avião abriu muitas portas. O campo das traseiras de casa foi sempre onde tudo começou, mas a viagem para os Estados Unidos foi basicamente a carreira que eu sempre sonhei. Foi para os EUA com um sonho ou um objetivo? Ou ambos. O objetivo era terminar o campeonato universitário e vir jogar na Europa, mas superei todas as coisas que pudesse imaginar. Tive sonhos bastante altos, grandes e rechonchudos, mas, na altura, nem sequer podia sonhar com a WNBA, porque não existia. A WNBA apareceu quando eu estava na universidade, portanto, mudou um bocadinho o curso dos objetivos. Posso dizer com muita confiança que superei tudo aquilo que sonhei um dia. E como foi lidar com essa realidade de ir a um sítio e alguém lhe perguntar o que fazia e responder orgulhosamente - ‘sou jogadora de basquetebol’? Lidei com isso várias vezes, até quando tinha de preencher algum formulário, onde perguntavam qual é a profissão - jogadora profissional. Saindo de Portugal nunca pensei que isso fosse ser uma realidade, era o sonho, mas foi o melhor trabalho que alguma vez tive na vida. Valeu a pena as saudades.E como lidou com as saudades? Ganhou mecanismos de defesa?Era fazer o jogo do anjo e do diabo. “Vai-te embora, porque é que estás aqui?”, e depois respondia - “Estou aqui porque quero ser a melhor jogadora que consiga ser, portanto não vou”. Às vezes foi preciso chorar, também é bom lavar a alma. Sabia o objetivo não ia deixar as saudades interferir nisso. Fui sempre muito persistente, e também tive a sorte de ter a Clarice e a Mery comigo na universidade, e ser uma pessoa aberta a fazer novas amizades, para superar a falta das pessoas que estavam aqui em Portugal.E conseguiu, como diz, “ser a melhor jogadora” que poderia ser?Acho que posso dizer que superei tudo aquilo que alguma vez imaginei, em termos individuais de prémios que ganhei, mas em termos coletivos também, ganhei títulos por onde passei, portanto acho que sim, acho que consegui ser a melhor jogadora que alguma vez poderia ser. .Jogou nos Sacramento Monarchs, Los Angeles Sparks e Chicago Sky. Mas Sacramento é Sacramento?Sacramento é Sacramento. Sacramento é do coração. Não acabei a carreira lá porque a equipa acabou. Em 2009 tivemos a triste notícia que os donos da equipa não queriam continuar e tive que procurar outra casa, se não tinha jogado toda a minha carreira nos Sacramento Monarchs. Onde foi campeã, em 2005.Sim. Há tantos anos que estávamos a tentar ganhar o campeonato e finalmente ganhámos a WNBA, a liga mais competitiva e a melhor liga do mundo. Competir na Conferência Oeste era complicado, mas em 2005 tivemos a oportunidade de finalmente ganhar o campeonato e fazê-lo em casa, com o pavilhão completamente cheio, com 17 mil pessoas, então acho que sim, esse é o ponto auge da minha carreira. E o último cesto desse jogo do título foi da Ticha. Se não tivesse marcado, ganhávamos na mesma, mas em vez de ganhar por três ganhámos por dois, mas ajudou a solidificar a vitória.A WNBA jogava-se em quatro meses. O que fazia nos outros oito meses do ano? Eu joguei o ano inteiro. Acabava a WNBA e, se calhar, nem uma semana tinha para começar a outra época aqui na Europa. Joguei 15 anos joguei sem parar, sem férias, literalmente, acabava uma época e começava a outra... As minhas épocas nunca foram de quatro meses, eram o mesmo doze meses a jogar. Ser campeã da WNBA foi diferente de ser campeã da Euroliga, com o Spartak? Fala sempre muito carinho dessa passagem por Moscovo, e até já revelou que o dono da equipa vos tratava como rainhas. O que era isso de ser tratada como uma rainha? Era viajar em aviões privados, ficar em hotéis de cinco estrelas, ter um salário bastante chorudo para o basquetebol feminino da altura. Devemos-lhe muito, ele fez impulsionar o basquetebol feminino, principalmente na Europa. Tínhamos uma equipa de luxo, com várias estrelas da WNBA, ele queria sempre as melhores jogadoras, para ter as melhores equipas para ganhar, e é bom saber que o investimento dele também foi recompensado com campeonatos.Financeiramente, essa experiência foi superior à americana? Foi superior, foi definitivamente uma experiência muito boa. Havia regalias que ainda não existiam na WNBA, portanto foi melhor. Gosta de ouvir, quando vai a palestras e participa em eventos é muitas vezes apresentada como - Ticha Penicheiro, a lenda do basquetebol feminino português?Acho que sim. Portugal é tão pequenino, e vingar no basquetebol feminino é de louvar, não é? Acho que as pessoas olham por mim, muitas vezes, como o Cristiano Ronaldo do basquetebol, e o Cristiano fez tanto por o nosso país, fez tanto pelo futebol português, portanto, se me comparam com ele de alguma maneira, é uma coisa boa. O que eu quero é ser uma inspiração para a juventude portuguesa, não só para as meninas, mas também para os meninos. Mostrar-lhes que vale a pena trabalhar, vale a pena os sacrifícios, vale a pena apostarmos em nós, porque quando o fazemos, e o fazemos bem, realmente conseguimos chegar aos nossos objetivos e passar as metas que às vezes parecem tão difíceis. Como é ver o seu nome, no top -25, das melhores jogadoras de sempre? É um orgulho. Nunca joguei para ganhar títulos individuais, eu jogava sempre para ganhar títulos coletivos e campeonatos, portanto é bom saber que esse esforço que fazemos todos durante a época, ao fim da época é recompensado com um troféu. É bom o nosso trabalho ser reconhecido, mas também é bom saber que quando dizem o meu nome significa que falam de Portugal, da Figueira da Foz e até mesmo da Europa, porque quando saiu o top-25 da WNBA eu era a única europeia, e só havia duas estrangeiras, a outra era australiana, portanto é um orgulho e espero que os portugueses e os figueirenses, se sintam também orgulhosos daquilo que eu fiz, porque sempre levei Portugal no coração.Entrar para o Hall of Fame foi melhor ainda?Entrar no Hall of Fame não é para qualquer pessoa, então quando tocam o telefone e nos dizem isso é um bocadinho surreal. Não era por isso que eu jogava, mas ter esse reconhecimento é incrível, portanto sinto orgulho de estar no Hall of Fame, e mais uma vez representar Portugal e poder adicionar isso ao currículo (risos). Foi especial ter assistido do lado de lá, nos Estados Unidos, à entrada de Neemias Queta na NBA, em 2019?Fiquei muito contente pelo Neemias entrar na NBA, sei que ele trabalhou imenso, e também com muitos sacrifícios pelo meio, para chegar onde chegou. Nós portugueses estávamos todos à espera do primeiro português na NBA e finalmente ele conseguiu. Ter sido escolhido por Sacramento, também foi um bocado poético. No dia a seguir, o meu telefone não parava de tocar, parecia que era o meu filho (risos). Toda a gente queria falar comigo. Estou super orgulhosa dele e das coisas estarem a correr melhor, a nível pessoal, titular e com mais minutos, porque ele merece. . O que aconteceu com o Neemias, em 2023, também reflete a vida de um atleta. Num dia é dispensado e no outro muda-se para Boston e é campeão.Todos os sacrifícios que ele fez, no fim, ter a oportunidade de ganhar um anel, ganhar um campeonato, e agora estar no cinco inicial do Celtics, que é um franchise com tanta história, com tanto historial, acho que é incrível, e, uma vez mais, a representar Portugal.Depois de acabar a carreira, decidiu ser agente de jogadoras. Como é que isso surgiu? Foi-se preparando para o fim de carreira? Fui-me preparando, porque não queria ser treinadora. Então, na altura, em 2012, fiz os testes para agente de jogadoras , achei que era uma profissão que me permitia continuar ligada ao basquetebol, podia ser uma mentora para a próxima geração e era uma maneira também de devolver ao basquetebol aquilo que me deu. Já lá vão 13 anos que me retirei e estou a exercer esta profissão, e posso dizer que é uma coisa que realmente gosto de fazer.É uma grande responsabilidade aconselhar um atleta a uma equipa?É, mas há responsabilidade em tudo o que fazemos, não é? Até no dia a dia, em ser uma boa pessoa. É mais fácil aconselharmos quando estivemos no papel delas. Eu passei por tudo que elas estão a passar, seja na WNBA, seja aqui na Europa e torna-se mais fácil, mas sim, é uma responsabilidade, porque a carreira delas está um bocadinho nas minhas mãos. Elas verem em mim alguém que as pode ajudar a alcançar todos os seus objetivos é uma coisa que levo muito a sério.Quantas jogadoras representa? O que faz exatamente por elas? Tenho 15 jogadores. Não o faço sozinha, sou parte de uma agência, mas sou eu que dou a cara. Desde a pandemia da covid-19 que há muitas reuniões virtuais, mas quase todas as semanas converso com elas, com as famílias, para saber se está tudo bem, se elas precisam de alguma coisa. Faz parte do trabalho, não é só fazer contratos e bater palmas quando elas marcam um cesto, há muitas coisas que nós agentes temos que fazer e às vezes usamos bastantes chapéus, seja o de psicóloga, amiga, ou personal stylist e ir às compras para elas terem o que vestir numa festa ou evento.E representa portuguesas? A Clara Silva, que está na universidade de TCU, espero que seja a próxima portuguesa na WNBA. Acho que ela tem todas as condições. Ela tem tudo, não só físico, mas táticamente, tecnicamente é muito boa. Faltam três anos de universidade para ela conseguir terminar o curso - na WNBA não é como a NBA, que os jogadores podem sair mais cedo para ir para o profissional - e acho que pode ser a próxima portuguesa na WNBA.Como surgiu a ideia do documentário - Feel the Magic: Ticha Penicheiro Against All Odds - , realizado por André Braz, que estreou no Tribeca Film Festival Lisboa? Ficou-se surpresa quando alguém mostrou interesse na sua vida? Um bocadinho. E depois vimos que afinal tinha pano para mangas. Foi uma ideia da Betclic, eles têm feito muito pelo basquete feminino em Portugal, em termos de igualdade de direitos e sugeriram fazer esse documentário. E posso dizer, de alguma maneira, humilde, que penso que a história ficou bem contada e espero que seja uma história inspiradora para qualquer pessoa que o veja. E foi fácil lidar com esses holofotos? Sinceramente, não. Tinha dias que já estava farta, mas dizia, ‘isto é para mim, isto é para mim, quero que a minha história fique bem contada, vá, come e cala’. Foram muitas horas, muitas filmagens, muitas repetições. Andámos por todo o mundo, desde a Figueira da Foz a Santarém, Estados Unidos, sei lá, andámos por todo o lado, para a história ficar bem contada. E quero também agradecer à Betclic, ao André Braz e à sua equipa o trabalho que fizeram. Qual é o capítulo que ainda falta acrescentar e esse documentário? Acho que está tudo dito sobre mim como jogadora. A minha vida agora é continuar a ser a melhor filha que possa ser, a melhor irmã, a melhor agente, a continuar a ser uma boa pessoa, humilde e esperar que a minha história continue a inspirar a juventude portuguesa, principalmente as meninas, mas espero que alguns rapazes também vejam este documentário e que sintam que também podem conseguir aquilo que eles querem conseguir e nada, continuar a ser feliz.isaura.almeida@dn.pt.Neemias Queta: “Para o adepto, a NBA é espetáculo. Eu não estou lá para dar espetáculo, estou lá para ganhar”