“Não sei explicar porque existe em mim esta enorme vontade de vencer. E não sei até que ponto tenho mérito nisso... da força mental. Já nasci assim, a vida fez-me assim.” A frase é da super medalhada Telma Monteiro, numa entrevista ao DN em 2021, após o ouro nos Europeus realizados em Lisboa, que foi também o último título com as cores nacionais..Uma frase que caracteriza bem uma carreira ímpar e coroada com uma medalha olímpica: foi no Rio 2016, que a judoca de cabelos louros e carrapito (imagem de marca) subiu ao pódio para receber a primeira medalha do judo feminino português. .Hoje, aquela que é considerada a melhor judoca portuguesa de todos os tempos oficializou o já esperado adeus aos tatamis. “Foram 24 anos muito especiais (...)Termino a minha carreira exatamente como queria, com a sensação que dei tudo o que tinha para dar, e que foi tudo como tinha de ser”, disse à BTV a judoca, que ajudou o Benfica a vencer os nacionais de judo em novembro. .Mestre da resiliência, tornou-se inspiração para várias gerações. Tudo começou graças a um programa de reinserção social no Bairro Branco, no Monte de Caparica, liderado pelo mestre Vítor Caetano. Foi assim que Telma, então com 14 anos, apareceu no judo. A irmã Ana Monteiro e as amigas Sandra Borges, Ana Sofia, e as irmãs Teresa e Sandra Mirrado já andavam no judo e desviaram Telma do futebol..Foi disputada por treinadores das duas modalidade. “Dei por mim a ter de dizer aos treinadores que ela é que decidia... ia dando confusão. Ela é muito competitiva e, como ganhou a primeira medalha, aquilo mexeu com ela e quis ver até onde conseguia ir. E foi nessa altura que ela disse que já não dava mais para conciliar e que ia deixar o futebol”, contou Manuela, a mãe, ao DN, em 2016, lembrando que ela começou por representar o CCD, Construções Norte-Sul com um quimono pago a prestações. Justificou cada cêntimo. .Começou por competir na categoria de -52 kg, mas desde 2008 passou a combater exclusivamente em -57 kg, categoria onde se firmou como grande figura do judo. A ascensão foi de tal ordem que se tornou imagem de sucesso e do espírito de sacrifício. Subir ao pódio tornou-se o “passatempo” preferido, que dava muito trabalho. Conquistou 94 medalhas (42 de ouro), desde os escalões jovens. .A alegria de Telma Monteiro após vencer o combate que lhe deu a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos Rio2016.Foto: COP.O bronze no Rio2016.Telma Monteiro confessa-se “muito fã” do seu Portugal e por isso emociona-se sempre que ouve A Portuguesa no pódio. Viajou para o Rio de Janeiro, em 2016, com os anéis olímpicos tatuados no braço esquerdo, o mesmo com que ia “perdendo” no combate que lhe valeu o bronze, meses depois de uma operação complicada a um joelho. Só a resiliência que a caracteriza lhe permitiu recuperar a tempo..Tinha-se estreado nos Jogos Olímpicos em Atenas2004, seguiu-se Pequim2008 e Londres2012 sem conseguir ir ao pódio, algo que apenas conseguiu no Rio2016. Nas olimpíadas de Tóquio 2020, que se realizaram apenas em 2021 devido à pandemia da covid-19, ficou longe das medalhas, naquela que foi a última oportunidade de chegar ao ouro. Isto porque uma operação no final de 2023 não permitiram que se apurasse para os seus sextos Jogos Olímpicos, em Paris2024..Faltou um título mundial àquela que é a terceira judoca do mundo com mais pódios e recordista de medalhas em Europeus (15). O primeiro pódio com as cores nacionais foi um bronze nos europeus de Bucareste, em 2004. A última foi em abril de 2021, quando, em plena pandemia da covid-19, se sagrou campeã europeias, em Lisboa. Um título que é mais especial hoje, do que ela pensou na altura. “É surreal o esforço e o treino por detrás de uma medalha. O judo exige muito do nosso corpo. Acabei o Europeu completamente de rastos, com a boca aberta por dentro, o pé negro, o pulso negro, uma unha arrancada e um ombro lesionado... mas com o ouro”, disse ao DN, após o hexacampeonato europeu..A foto tirada para o DN no topo do agora denominado MEO Arena, onde decorreram os combates, simboliza a resiliência da rainha dos tatamis. O lado invisível do sucesso sempre gerou controvérsia devido ao seu lado mais reservado. É que Telma Monteiro sofreu muito em silêncio, principalmente com as lesões e as quatro grandes operações a que foi submetida (joelhos, ombro e cotovelo), mas também com a morte súbita do amigo e selecionador António Matias, em 2008..Nascida em 27 de dezembro de 1985 e ligada ao Benfica desde julho de 2007, Telma Monteiro é formada em Educação Física e Desporto, com pós-graduação em gestão e assume, desde já, novo desafio profissional como coordenadora do judo no Benfica para desenvolver e inspirar novas gerações..isaura.almeida@dn.pt.Telma Monteiro representou o Benfica durante 11 anos e vai continuar na Luz, como coordenadora do judo do clube.Foto: Benfica