Jardim da Serra, o clube que dá luta a Sporting e Benfica no Atletismo
"Do Jardim da Serra para o Mundo do Desporto". Este é o lema de um pequeno-grande clube nascido nas ajardinadas encostas da freguesia Jardim da Serra, no município de Câmara de Lobos, na Madeira, onde as palavras "é difícil" e "é complicado" significam "é normal". Assim o entende Juvenal Faria, o presidente da Associação Cultural e Desportiva do Jardim da Serra, o terceiro classificado nos Nacionais de Clubes de Atletismo, tanto em masculinos como em femininos. À frente só aparecem dos dois gigantes de Lisboa, Benfica e Sporting, por isso é justo dizer que são o "terceiro grande do atletismo indoor português".
"É resultado do bom trabalho que temos feito, principalmente ao longo dos últimos 12 anos, mais virado para o atletismo de pista, a modalidade onde temos mais atletas e claros objetivos em termos de conquista de títulos regionais e nacionais. Neste momento somos o clube na Madeira com mais participações efetivas e mais títulos regionais. Somos o clube mais representativo no atletismo de pista, com mais atletas de formação a participar nas provas e, consequentemente, somos o clube com mais títulos regionais em termos coletivos e individuais nos últimos anos", disse Juvenal Faria, que preside à coletividade desde 2013, reforçando ainda a "diferença abismal de orçamentos" para os dois emblemas de Lisboa.
Fundado em 6 de Março de 1991 e Instituição de Utilidade Pública regional desde 4 de outubro de 2001, o clube é o orgulho de uma localidade com 2742 habitantes (dados dos Censos de 2021), onde, segundo o presidente, "é mais fácil um jovem perder-se na vida do que fazer-se atleta de alta competição".
O atletismo é a modalidade que mais se destaca entre futebol de formação, futsal, Trail Running, Sky Running, Orientação, Triatlo, Ginástica, Karaté e Badminton. E Joana Soares, heptacampeã nacional de 3000 metros obstáculos, é a referência maior entre os mais de 200 atletas inscritos... e sete treinadores! Pouco para as necessidades de treino, segundo o presidente: "O atletismo é a principal modalidade olímpica e nós somos um clube tão pequeno, de uma freguesia tão pequena, de uma região insular... obviamente não é fácil e claro que só conseguimos estes resultados porque damos tudo o que temos, efetivamente é isso."
"A cultura desportiva e do atletismo não nos é favorável, temos que ter muita paixão por isto, porque sem isto não há conselho, faltam recursos humanos, não temos matéria-prima abundante - leia-se atletas para captar -, comparativamente aos clubes do Continente, que têm muito mais facilidade em arranjar atletas. Nós temos imensas dificuldades e cada vez temos mais, tem a ver com vários fatores, como a baixa taxa de natalidade, etc, etc. Tem sido muito complicado, mas temos conseguido", lembrou o dirigente.
O clube só tem um atleta considerado de alta competição, mas ainda fora dos escalões olímpicos - Joana Soares. Subsiste com apoios públicos do Governo Regional da Madeira e da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, mas o orçamento de cerca de 120 mil euros vive muito da organização de eventos como os trails. "Temos alguns patrocinadores, mas acima de tudo é apoio público, embora nós tentemos fazer com que não pese tanto, principalmente com a organização dos eventos desportivos, mas de qualquer das maneiras não é fácil conseguirmos muitos apoios", admitiu o dirigente, pouco dado a queixumes.
Na prática, o ACD Jardim da Serra presta um serviço de utilidade pública à comunidade, segundo Juvenal Faria: "Temos imensos problemas sociais na freguesia e tentamos dar a volta com a prática desportiva, tentamos tirar os miúdos de ambientes problemáticos e evitar que sigam o caminho da droga e do álcool. Não é fácil, mas um dos nossos principais objetivos é formar jovens, é dar-lhes bases para o futuro, para que fujam desse tipo de problemas. Efetivamente, o Jardim da Serra é muito mais do que desporto."
E acresce a todas essas dificuldade de crescerem num universo confinado, a falta de instalações próprias. "Temos um grande problema em termos de instalações desportivas na freguesia. Estamos extremamente limitados. Só temos um pavilhão aberto e isso limita-nos muito porque temos que nos deslocar todos os dias para Câmara de Lobos, duas carrinhas no atletismo e duas para o futebol... andamos para cima e para baixo todos os dias para treinar e depois jogar. Não há outra solução", contou, resignado, o presidente-faz tudo.
Juvenal Faria já se dá por feliz por terem construído uma via rápida que torna a "geografia" das viagens menos difícil, facilita os acessos e diminui o tempo na estrada, além de ajudar a poupar muito no combustível e diminuir o desgaste diário de atletas e demais envolvidos: "A dificuldade está inerente a tudo que fazemos com muita paixão."
Depois do terceiro lugar nos campeonatos nacionais de clubes, em Pombal, nos dias 9 e 10 de fevereiro, o objetivo do Jardim da Serra passa por tentar conseguir o melhor resultado possível no que falta da época e na final dos campeonatos nacionais de verão, tanto em masculinos como femininos. E isso "passa por tentar ir ao pódio outra vez", segundo o presidente do terceiro grande do atletismo indoor português.
"Na Madeira não conseguimos fazer vida do atletismo. É impossível"
Joana Soares é heptacampeã nacional dos 3000 metros. Representa o Jardim da Serra desde os 11 anos de idade. "Começou tudo na escola, depois de desafiada por uma colega, que estava sempre a dizer para ir experimentar o atletismo. Eu dizia que não, porque na altura uma criança gordinha e correr não me seduzia nada, mas acabei por experimentar e achei aquilo uma coisa engraçada. Comecei a fazer as várias disciplinas até chegar ao 3000 metros obstáculos", recordou ao DN a agora campeã nacional.
A prova de obstáculos é dura e exige saltar e passar por zonas de água, mas para Joana tornou-se um desafio às próprias capacidades. "Até uma certa altura, quando ainda tinha apoios da Associação de Atletismo da Madeira, tentava fazer, minimamente, vida do atleta, mas depois os gastos a nível de sapatilhas, equipamentos, suplementos começaram a crescer e já não conseguia. Na Madeira não conseguimos fazer vida do atletismo. É impossível", confessou ao DN a atleta, que hoje em dia trabalha num alojamento local.
O Jardim da Serra é como uma "família" para Joana Soares, que continuar a representar o clube enquanto for competitiva. "O clube também tem ajudado e apoiado, nunca me disseram um não por isso não é fácil agora dizer já não quero mais correr. Vou sempre ajudar o clube, nem que seja a meter as barreiras", garantiu a atleta que treina de manhã, antes de entrar no trabalho às 10.00, e repete ao final da tarde: "Digamos que dá para fazer os dois treinos. Depois dos 30 anos, o corpo já começa a ficar mais cansado e a entrar em fadiga crónica, mas... se a gente tem vontade e força, a gente consegue."
Ver o clube no pódio dos nacionais de cubes, tanto femininos como masculinos deu-lhe "um gosto enorme", porque ela foi daquelas em que ainda competiu na terceira divisão e agora vê o Jardim da Serra na primeira divisão nacional. "É bom para os atletas e também para o clube que está a investir para ter uma equipa boa, para estar no topo mais alto do pódio", disse a campeã nacional.