Em 2022, Isaac Nader mudou para Sória (Espanha) para trabalhar com o espanhol Enrique Pascual, uma referência do meio-fundo mundial, à procura das medalhas que sentia estarem ao seu alcance, mas continuavam a faltar-lhe no currículo. A missão foi bem sucedida. O português sagrou-se, ontem, campeão mundial do 1500 metros em Tóquio2025.O algarvio conquistou o ouro mesmo em cima da meta, por dois décimos de segundo, tornando-se o oitava campeão mundial do atletismo português e o 14.º medalhado. Apesar de ter recebido a medalha assim que a prova terminou, Nader vai subir hoje (10h10, RTP2) ao pódio para a consagração e para ouvir A Portuguesa. Oitavo no ranking mundial dos 1500m, Nader já figurava há muito entre os melhores europeus de sempre, mas foi imortalizado com um sprint de ouro que ficará famoso entre a modalidade..Uma medalha forjada em Espanha, tal como o bronze conquistado nos últimos europeus de pista coberta. Em julho de 2022, depois de ir aos Campeonatos do Mundo de Atletismo de Oregon, já sem treinador, após Rui Silva lhe comunicar que ia deixar de ser o seu técnico, Isaac Nader conversou com os responsáveis do atletismo do Benfica no sentido de encontrar uma solução de treino que o potenciasse.Por indicação do seu empresário, a escolha recaiu no especialista espanhol, Enrique Pascual, uma referência do meio-fundo mundial, que já tinha orientado Campeões Olímpicos e Mundiais como Fermín Cacho (ouro em Barcelona 1992) e Abel Antón.O Benfica apoiou a decisão do atleta, mas era preciso que o algarvio, o recordista nacional da distância, se mudasse para o norte de Espanha, para Sória, um município com cerca de 40 mil habitantes, perto de Vallodolid, onde Pascual tem um restrito grupo de trabalho. Uma mudança que Isaac aceitou em nome de uma medalha que sentia estar ao seu alcance nos 1500 metros e que conseguiu em agora conseguiu nos Europeus em pista curta Apeldoorn2025 (bronze) e agora nos Mundiais de Tóquio2025 (ouro). Mais do que polir um talento promissor, o trabalho em Espanha serviu para forjar a competitividade e mentalidade de um campeão. E deu resultado.Na altura, já namorava com Salomé Afonso, atleta dos 1500 metros, que também decidiu mudar-se para Sória e integrar o grupo de treino de Enrique Pascual, em Los Pajaritos. Referência do fundo e meio-fundo, o treinador espanhol, natural de Brías (Sória), agraciado com o Prémio Castilla e León do Desporto 2024, previligia atletas maduros e aposta num processo de treino sistemático, contínuo e regulado, que é também um teste à paciência dos seus discípulos. Algo que fez a diferença para Nader, que já tinha sido quarto nos dos últimos dois Mundiais em pista curta, em Glasgow, há dois anos, e em Nanjing, em março deste ano. .Nascido a 17 de agosto de 1999, em Faro, o filho do marroquino Youssef Nader, antigo futebolista do Farense (e sobrinho de Hassan Nader, que jogou no Benfica) e admirador do britânico Mo Farah, começou a sua aventura desportiva a tentar manter esse vínculo familiar aos relvados, mas o futebol perdeu um extremo pouco talentoso, cuja velocidade passou a ser colocada ao serviço do atletismo mal recebeu uma proposta do clube do Benfica, após já ter atuado por CD Faro XXI e Areia de São João. Hoje é dono de sete títulos nacionais indoor e oito ao ar livre, foi medalha de prata nos 1500 metros dos Jogos Europeus Cracóvia2023 e bronze em Apeldoorn2025. Atualmente, ao ar livre, Isaac Nader é dono dos recordes de Portugal dos 1500m (3.29,37 minutos, em Ostrava), dos 800m (1.43,86, em Guadalajara) e da milha (3.48,25, em Oslo). Todos conseguidos no mês de junho, o que mostra a evolução do atleta nesta época e dão volume à ambição que sempre conjugou com realismo nas entrevistas e declarações.Primeiro ouro masculino nos 1500mA final dos 1500 metros de Tóquio2025 promete correr Mundo. O meio-fundista fez uma ponta final extraordinária e terminou a prova com 3:34,10 minutos, e à frente do britânico Jake Wightman ( 3:34,12) e um pouco mais distante o queniano Reynold Cheruyot (3:34,25). “Havia 46 pessoas com mínimos para esta competição, participaram 60 e eu sou o primeiro a chegar à meta. É inacreditável”, desabafou o campeão mundial à RTP, já com o ouro ao peito e bandeira das quinas nas costas.Numa final marcada por várias ausências e problemas a outros candidatos - Jakob Ingebrigtsen e Azzedine Habz ficaram de fora na qualificação e o campeão do mundo em Budapeste2023 Josh Kerr teve problemas físicos na corrida decisiva - sobressaiu Nader, que assim conquistou o primeiro ouro de Portugal em Tóquio2025 e o primeiro de sempre nos 1500m masculinos do atletismo português, que agora soma quarto na distância, em Mundiais, depois das duas de Carla Sacramento (ouro em Atenas1997 e bronze em Gotemburgo1995) do bronze de Rui Silva, em Helsínquia2005. Agora, vinte anos depois, o algarvio de 26 anos juntou o seu nome ao palmarés português..Isaac Nader venceu por dois décimos de segundo, numa reta final em que ultrapassou vários adversários. “Se calhar foi a primeira vez que meti a cabeça em toda a minha vida. Mas aí está, era o ouro Mundial em jogo. Não tenho palavras. É incrível. Ser campeão do Mundo representa todo o sonho de uma carreira. Eu trabalho para isto. Muita gente criticou, muita gente disse, nunca vai chegar. Já tenho duas medalhas internacionais. E esta é a mais importante da minha carreira”, confessou o campeão mundial à RTP, já com o ouro ao peito e bandeira das quinas nas costas.Questionado sobre Los Angeles2028, Nader confessou que esse é o seu maior sonho. “O que eu posso prometer é trabalhar. Isso é a única coisa que eu consigo prometer, trabalhar. E em 2028 lá estarei. Ronda a ronda, como e desta vez. Não há provas fáceis. Em 2028 vai ser muito mais difícil. O nível cada vez é mais exigente. É muito mais forte do que era há 30 anos. Não posso prometer que em 2028 ganhe o Ouro Olímpico. O que eu posso prometer, à semelhança de hoje e dos outros dias, é dar-me o melhor, mas sim, é o sonho da minha carreira”, disse o benfiquista.Para o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), Domingos Castro, ninguém “merecia esta medalha” tanto quanto Isaac Nader, “pela sua dedicação” e “porque tem feito coisas extraordinárias” em pista e agora pode ajudar fora dela. “Isto ajuda muito. Que toda a gente tenha os olhos nesta medalha, porque temos possibilidade de ganhar mais. Vai ajudar-nos muito, e apelo uma vez mais ao Governo para que veja a nossa modalidade. Estamos com uma força, juventude e uma geração fantástica, mas precisamos de apoio. Espero que esta medalha desperte tudo e todos para que esses apoios venham”, disse Domingos Castro, nada surpreendido com o triunfo do português, ”porque o Isaac é dos melhores do mundo, e por isso candidato às medalhas”.isaura.almeida@dn.pt