Hélio Lucas confessa-se um treinador que “não gosta nada, mas mesmo nada, de perder”. E, “felizmente”, segundo ele, os seus atletas têm ganho mais do que perdido. Treina o canoísta Fernando Pimenta, o mais medalhado atleta português de sempre, o que faz dele o técnico mais medalhado de Portugal também. Tem mais de 300 pódios internacionais, com destaque para os 18 ouros mundiais, 21 europeus e duas medalhas olímpicas.Segundo o também Diretor Técnico Nacional, a vida de treinador no Alto Rendimento é feita de rotinas e muita entrega profissional e pessoal: “É colocar-se em segundo lugar, é conseguir que o atleta tenha sucesso, é exigência e também saturação, porque ser um atleta de excelência obriga à repetição exaustiva de treinos, processo e falhanços... até à vitória. É um trabalho invisível a maior parte das vezes.” Natural de Ponte de Lima (01-09-1973), Hélio Lucas formou-se em Educação Física, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e ainda jogou futebol e basquetebol, mas depois veio a “paixão pela canoagem” e encontrou um propósito para a vida. “A partir dos 18 anos, fui orientando as coisas no sentido do treino, era uma coisa que eu gostava. Ajudei a fundar o Clube Náutico, em Ponte de Lima, mas, a partir de 2007, mais ou menos, terminei o curso e comecei a ser treinador de profissional”, contou Hélio Lucas ao DN, a propósito do Dia Mundial do Treinador, 25 de setembro.No treino dos canoístas, o ciclismo, a natação e o trabalho de força no ginásio são tão importantes como o treino na água. “Fazemos três/quatro treinos por dia, dois ou três são na água e um ou dois são trabalho de condição física e de mobilidade. Toda a gente me diz que se o Fernando tivesse menos [treino de] perna podia ter mais resultados ainda, mas acho que ia ter problemas para a vida”, revelou, garantindo que “o objetivo não é esgotar o atleta, mas levá-lo ao limite”. Para obter resultados, a confiança no método é essencial: “Na água, vou com ele ver o ritmo da remada, os aspectos técnicos, a velocidade e o desempenho do barco. Ele leva censores no barco e depois de realizar o treino vou verificar tudo. Se a aceleração é a mesma de um lado e do outro, se o barco vai certinho e tem um bom deslize ou se há um lado mais forte que o outro. Socorro-me de aparelhos, registo todos os treinos do Fernando e sei, em cada mês, se está dentro daquilo que ele deveria estar ou não, para depois ajustar o treino. Registo tudo e tento controlar o maior número de coisas para que não tenhamos surpresas.”E, segundo ele, o trabalho depende sempre do objetivo do atleta. “Treinei um atleta búlgaro que nunca tinha ganho uma medalha na vida quando chegou à minha mão. Enganaram-me, disseram-me que era um atleta ‘mais ou menos’ e eu aceitei treiná-lo, mas era muito mau. Passado três anos ganhou duas medalhas numa campeonato da Europa e foi uma coisa excepcional. Mal ganhou agradeceu-me e disse-me: ‘já realizei o sonho da minha vida, obrigada’. E depois foi embora. No caso de atletas como o Fernando, ganham e querem mais e eu também sou assim. Não nos podemos acomodar com o sucesso”.Se o atleta perder, ele perde... se o atleta ganhar, ele ganha. Mas, seja qual for o cenário no pós-competição, Hélio Lucas começa logo a pensar em “estratégias” para melhorar o desempenho do seu atleta e surpreender os adversários. “Já me chamaram o Mourinho da canoagem, mas o que eu quero é que o atleta não seja apenas mais um a competir. Não procuro reconhecimento, o que procuro é que o atleta o obtenha. Mas sinto que o meu trabalho acabou por ser reconhecido. Demorou? Demorou”.Apesar da canoagem, ou qualquer desporto individual, não ter o reconhecimento público ou mediático que tem o futebol, foi eleito Treinador do Ano, na Gala do Desporto da Confederação do Desporto de Portugal, por quatro vezes (um recorde). E a 12 de outubro de 2023, foi condecorado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito.O reconhecimento financeiro, esse, “não é excepcional”, mas de há uns anos a esta parte o Estado já premeia os técnicos, mediante os pódios em europeus, mundiais e Jogos Olímpicos (metade do valor atribuído ao atleta). Mas essa é uma área onde ainda há muito a fazer. “Sou professor de educação física e se deixar a carreira de treinador volto à escola. Mas há treinadores que se dedicam exclusivamente ao desporto olímpico e que, quando um atleta abandona ou se lesiona, ficam sem nada. Muitos não recebem para descontar e acabam sem reforma e sem futuro. No pós-carreira, um atleta do Alto Rendimento pode pedir ajuda financeira, até dois anos. Já um treinador, é zero! São coisas que em termos legislativos temos de acautelar e já disse ao Secretário de Estado que devíamos ter uma conversa nesse sentido”, disse o técnico.Lucas&Pimenta, a vencer desde...A parceria de sucesso com Fernando Pimenta dura há mais de duas décadas. A garra e a paixão de um rapaz de 13 anos, que, embora desengonçado, insistia em continuar a prova depois da canoa virar vezes sem conta, chamaram a atenção de Hélio Lucas. “Se fizesse testes de habilidades e tal, ele certamente chumbaria, mas o que eu vi foi determinação e uma garra fora do normal.”E assim nasceu uma parceria de sucesso e uma amizade que já foi imortalizada num mural da artista Daniela Guerreiro, num dos pilares da Ponte Nossa Senhora da Guia, junto ao Centro Náutico Fernando Pimenta, em Ponte de Lima. Juntos conquistaram quase tudo. Só falta mesmo um ouro Olímpico, depois do bronze em Londres2012 (Fernando Pimenta e Emanuel Silva) e a prata em Tóquio2020 (Fernando Pimenta). Agora, Hélio Lucas já anda a preparar o ciclo Olímpico para ajudar o canoísta de 35 anos a chegar aos próximos Jogos, mesmo que a Federação já lhe tenha proposto dedicar-se só ao cargo de Diretor Técnico: “Tenho um compromisso com o Fernando [Pimenta] e ele tem Los Angeles2028 em mente. Quanto ao futuro, não sei, mas, na minha cabeça, passa por deixar a parte de treinador após os Jogos. No entanto, estou tão habituado a essa parte do treino que não sei o que vou fazer para me ocupar.”Talvez, diz, “viajar, caminhar, esquiar ou ver bons espetáculos desportivos, como o ciclismo”, uma paixão que o levou a acompanhar a recente Volta a Espanha em bicicleta e a apoiar o português João Almeida (terminou a competição em 2.º).isaura.almeida@dn.pt.Fernando Pimenta conquista mais um título de campeão do mundo de canoagem