A proposta de comercialização centralizada dos direitos audiovisuais entregue à Autoridade da Concorrência segue que modelo? O em vigor nas principais ligas europeias?Sim. Fizemos um trabalho de campo bastante abrangente e de partilha de conhecimento com todos os stakeholders envolvidos em transações de direitos de transmissão de live sports e de futebol. Tivemos em consideração as melhores práticas na Europa, projetos como a Premier League, a LaLiga (Espanha) e a Liga belga, por ter sido a liga que recentemente passou por um processo de venda. A partilha de conhecimento com estas ligas foi extremamente útil no desenho do nosso procedimento. Que stakeholders?A começar pelos Broadcasters, canais de televisão presentes em Portugal e outros, que não estando presentes cá, demonstraram potencial interesse pelos nossos direitos audiovisuais (vulgo televisivos. O diálogo com eles foi abrangente e iterativo, também para ir ao encontro das preferências dos compradores. Ouvimos também com as Operadoras, que são uma contraparte muito relevante no conhecimento deste mercado. E foi muito útil conversar com investidores institucionais, que estão dentro do setor Media e Entertainment, enquanto financiadores e compradores. Também foi muito relevante a interação com as Agências, que a nível mundial fazem transação de propriedades se Media ou Comerciais, não só nos direitos em si, como na própria definição do objeto e nas estratégias que podemos desenvolver para uma valorização contínua dos direitos televisivos. E, por fim, com o regulador, a autoridade da concorrência, mas também com o legislador, reuniões com representantes do Governo e outro tipo de autoridades, nomeadamente das forças de segurança, uma componente importante, sobretudo no desenvolvimento daquilo que são os calendários. A proposta definirá como será feita a venda dos direitos?A proposta do regulamento de comercialização define como é que é feita a comercialização dos direitos televisivos, portanto define quais é que são as regras de participação no procedimento, como é que é organizado o leilão, como é que os direitos são apresentados nos vários formatos, quais é que são as condições de adjudicação e toda a mecânica do leilão. Optámos por uma lógica de flexibilidade e tentamos que seja abrangente nas suas várias opções, para nos conferir maior opcionalidade possível, no sentido de maximizar a tensão competitiva e de maximizar o valor de venda dos direitos. Pretende-se que seja feita a venda conjunta dos direitos de transmissão dos jogos em vez de cada clube negociar individualmente, como atualmente?Conforme decorre da lei, não está em questão aqui temas de propriedade dos direitos, eles permanecem património das SAD. Apenas está em questão qual é que é o formato em que os mesmos são comercializados e os exemplos das demais ligas demonstra que uma venda centralizada correlaciona com um aumento do valor dos direitos, portanto, a possibilidade de vender os direitos por valores mais elevados, correlaciona também com uma distribuição mais equitativa no valor dos direitos, o que por sua vez reduz desequilíbrios de natureza desportiva. A Liga Portugal antecipou em 11 meses a data estipulada pelo Governo para a apresentação da proposta. Porquê?É no nosso interesse antecipar, para ganhar tempo e ter mais tempo. Para já, por uma questão de cortesia com a própria autoridade da concorrência, para também poderem fazer as suas apreciações com tempo. Do nosso lado, o facto de acedermos ao mercado com uma janela temporal maior vai ao encontro dos nossos interesses, no sentido em que a prática de mercado, normalmente é de 18 meses antes da data a que se refere, no caso seria a época 2028-29, portanto... em janeiro de 2027, embora cada vez mais vemos outras ligas a iniciarem o processo com ainda mais antecedência, algumas com dois anos. Para estarmos alinhados com essa prática de mercado e essa preferência, da parte dos intervenientes, faz sentido termos o procedimento validado o mais rapidamente possível. E também nos dá mais flexibilidade, dá-nos mais opções e, permite trabalhar outras estratégias, que possam ser feitas em combinação, ou até mesmo de forma autónoma. Esta presidência e direção executiva tem testado a nossa capacidade de fazer transmissões ao vivo, já fizemos duas transmissões de jogos da Liga Portugal ao vivo, feitos pela Liga TV e transmitidos na Liga TV e verificamos que temos capacidades técnicas para o fazer e também para o distribuir. Na última transmissão estavam pessoas de 51 países a ver. O Benfica retirou-se do grupo que discutia a proposta. O Benfica mostrou-se contra a proposta? O Benfica tem tido uma participação muito relevante historicamente no processo da centralização, tendo o processo sido originalmente liderado por um dos representantes do Benfica. Em julho, optou por renunciar à sua participação na empresa Liga Centralização, mas até lá participou nos trabalhos, seja a nível da administração e dos grupos de trabalho, e foi-lhe passada toda a informação, da mesma forma que tem sido também às demais SAD’s desde que fez a renúncia. O dossier divide-se em três partes: Comercialização, Audiovisual e controlo económico...A centralização é um processo multidimensional e multidisciplinar, mas podemos resumir a sua corporização em três regulamentos. O regulamento de comercialização, que é a única parte que é matéria da apreciação da autoridade da concorrência, o objeto e o método de comercialização, assim como os direitos e as obrigações dos licitantes e dos licenciados. O regulamento audiovisual é um regulamento que define as normas e os procedimentos que regem os direitos de transmissão e a produção audiovisual, inscreve-se numa lógica de valorização dos ativos associados a cada SAD, e diria que será decisivo para a melhoria daquilo que é a qualidade do produto que será disponibilizado ao mercado. Por fim temos o regulamento de controle económico, que é aquele que define os pressupostos económico-financeiros de participação nas competições profissionais e o seu controle e a sua supervisão, e que, de alguma maneira, terá material que será essencial para garantir a eficácia e a sustentabilidade, mas também o aumento da competitividade financeira das SAD’s.Qual é objetivo da centralização? Quem ganha e quem perde? O Benfica é o único que perde?Para responder a esta pergunta é preciso começar por dizer que a centralização é uma imposição legal, tendo a Liga Portugal ficado incumbida de lhe dar seguimento, em coordenação com a Federação Portuguesa de Futebol. Como a própria lei indica, ela radica numa recomendação da autoridade da concorrência que identificava uma necessidade de avaliar aquilo que era a concorrência na comercialização, exploração e distribuição dos direitos audiovisuais e na forma como ela era feita em Portugal. Na elaboração do projeto de lei, identifica-se depois mais duas componentes relevantes que justificam esta opção legislativa, nomeadamente o desalinhamento com as demais ligas europeias. Portugal é dos raros casos em que os direitos televisivos não são vendidos de forma centralizada e identifica-se também uma discrepância naquilo que é a distribuição dos proveitos dessas vendas, que por sua vez teriam também gerado desequilíbrios de natureza distributiva. Como será feita a distribuição de receitas ? Ou como a Liga defende que seja feita...Esta é uma reflexão entre as SAD que está a ser discutida. O que cumpre dizer é que há muito consenso entre as Sociedades naquilo que deve ser o caminho para esbater os desequilíbrios e aproximarmos, com peso e medida, daquilo que é a realidade da Europa. Há muito consenso também naquilo que devem ser os princípios orientadores de como é que esta distribuição deve ser pensada, nomeadamente no que é preciso para gerar competitividade na I e II ligas, mas também para promover e favorecer o espetáculo, que é também um ativo importante. Muitas vezes resume-se o assunto a um número, o valor da I e II Ligas. De que valores podemos falar? É possível quantificar já?Estamos a fazer o nosso acompanhamento do mercado e benchmarking do mercado com aquilo que vemos a acontecer noutras ligas, noutras modalidades, etc. Foi dado um passo importante com a entrega da proposta na Autoridade da Concorrência, essencial para poder fazer uma consulta de mercado já mais efetiva e conseguimos chegar a um valor mais realista e não uma estimativa.Há um timing para conhecer a decisão?Não, o que temos é um diálogo aberto e constante e um grande desejo, creio que mútuo, de termos uma relação de transparência, de colaboração e da procura conjunta de uma solução tendente à valorização e à sustentabilidade daquilo que é o futebol profissional português, mas também a promoção de mercados concorrenciais e uma valorização e o bem-estar daquilo que é a experiência do consumidor. Tudo sem perder de vista aquilo que são as idiossincrasias do mercado português e a realidade da nossa estrutura de mercado e dos nossos agentes económicos.isaura.almeida@dn.pt