Alex Apolinário. Quando o futebol rouba mais uma vida
Futebol português de luto com mais uma morte. Jogador brasileiro de 24 anos sofreu uma paragem cardiorrespiratória num jogo e morreu quatro dias depois no hospital. Alverca vai homenagear o médio ofensivo com um memorial e a retirada da camisola 99.
Os heróis também morrem. E Alex Apolinário era um herói para o Alverca, clube que atua no Campeonato de Portugal. O médio ofensivo brasileiro foi o autor de um dos golos que na época passada eliminaram o Sporting da Taça de Portugal (2-0) e é assim que vai ser recordado para sempre. O jogador, de 24 anos, morreu ontem no hospital, onde estava em coma induzido depois de ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória em campo no último domingo. O minuto 27 do jogo contra o U. Almeirim, da 10.ª jornada do Campeonato de Portugal, ficará na história do futebol português como mais um momento trágico. Tal como nos casos de Pavão (FC Porto), Fehér (Benfica) e muitos outros.
Relacionados
Alex caiu inanimado em campo, durante o jogo com o União de Almeirim,numa altura em que não estava a disputar qualquer lance. De imediato os jogadores fizeram sinal ao árbitro Gonçalo Carreira, que interrompeu a partida e as equipas médicas entraram em campo. "O Alex teve duas paradas cardíacas no campo e foi reanimado pelo André e pelo Renato [fisioterapeutas], com o equipamento [desfibrilhador]. Um bombeiro que assistia ao jogo num bar também entrou a correr no estádio para ajudar nos primeiros socorros. A ambulância dos bombeiros de Alverca chegou em menos de cinco minutos e depois mais duas chegaram. O Alex foi colocado dentro de uma delas e no meio do campo foi reanimado mais duas vezes. Segundo o protocolo médico em Portugal a ambulância só sai com o paciente estabilizado e por isso ninguém sabia o que estava a acontecer dentro da ambulância. O choque tomou conta de todos e muitas pessoas da cidade começaram a dirigir-se ao estádio. Depois o bombeiro avisou que o tinham conseguido estabilizar." Este foi o filme dos minutos de terror vividos no Complexo do Alverca no domingo, contados por Bruno Bello Vicintin, antigo vice-presidente do Cruzeiro e agente do jogador que se encontrava no estádio.
O jogador chegou "estável", mas com prognóstico reservado. Alex Apolinário foi depois colocado em coma induzido, mas acabou por ter "morte cerebral" quatro dias depois. "Com profundo pesar comunicamos, de acordo com as informações prestadas pelo corpo médico do Hospital de Vila Franca de Xira, o falecimento por morte cerebral do nosso atleta Alex Sandro dos Santos Apolinário, esta manhã. O FC Alverca Futebol SAD prestará todo o apoio necessário a seus familiares", anunciou ontem o clube em comunicado, revelando que as atividades do clube estão canceladas "neste momento de luto".
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
A camisola 99 que o jogador vestia quando caiu inanimado vai ser retirada em jeito de homenagem a Alex, que ganhará um memorial no complexo do clube ribatejano.
"Um bombeiro que assistia ao jogo num bar também entrou a correr no estádio para ajudar nos primeiros socorros"
Assim que o clube comunicou o óbito do jogador de 24 anos, que chegou ao futebol português em 2018-19 para alinhar pelo Alverca, após ter representado o Cruzeiro e o Atlético Paranaense no Brasil, as reações não se fizeram esperar.
A Federação Portuguesa de Futebol decretou um minuto de silêncio em todas as competições. E o presidente Fernando Gomes lamentou "profundamente" a morte do médio: "Numa época tão difícil e em que o futebol tem sofrido tantas perdas, torna-se ainda mais incompreensível e injusto aceitar o desaparecimento de um jovem que deveria ter tido pela frente muito mais vida e a oportunidade de continuar a construir a carreira de futebolista pela qual lutou."
Sérgio Conceição estava a fazer a antevisão do jogo com o Famalicão quando soube da notícia. Visivelmente abalado, o treinador do FC Porto mandou "um forte abraço" de condolência a toda a família e amigos: "A vida tem destas coisas. Um jovem acabar assim não é fácil para ninguém."
O jogador de 24 anos caiu inanimado no relvado durante um jogo. Foi reanimado por duas vezes em campo e mais duas vezes na ambulância antes de seguir "estável" para o hospital
Exames diferem de país para país
O controlo cardíaco no futebol (e no desporto em geral) difere de país para país e até de clube para clube. Não existe uma normativa da UEFA ou FIFA que obrigue, por exemplo, a que todos os filiados sigam um modelo de prevenção cardíaca, como no caso do doping ou dos traumatismos cerebrais. Em Portugal existe um decreto-lei que obriga a ter um atestado médico desportivo para poder competir, mas não especifica os exames, e isso, por vezes, é um problema.
E que exames devem ser feitos? Essa é mais uma questão sem consenso mundial. Nos EUA, o exame médico-desportivo só exige a auscultação e há estudos que defendem a mais-valia única desse método. Mas também há especialistas que dizem que é importante fazer um exame completo que contenha um eletrocardiograma, a prova de esforço e ecocardiograma. E outros que defendem que basta fazer uma TAC e uma ressonância...
Victor Gil: "São muitos mais aqueles casos em que o problema é identificado e até corrigido do que os que passam na malha apertada da medicina desportiva"
O cardiologista Victor Gil lembra que a morte súbita num jogador ou atleta "é uma raridade" e por isso mesmo notícia: "O facto de serem pessoas sem fator de risco associado conhecido torna a morte menos explicável. Em muitos casos se não houver histórico familiar podemos nunca conseguir chegar ao problema, mesmo fazendo exames regularmente."
Ainda de acordo com o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia "são muitos mais aqueles casos em que o problema é identificado e até corrigido - há jogadores de renome mundial que voltaram depois de problemas cardíacos - do que os que passam na malha apertada da medicina desportiva".
Segundo o cardiologista, a maior parte dos casos de morte súbita está associada ao músculo cardíaco ou doença dos canais que controlam a atividade elétrica do coração. "É bom que as pessoas saibam que são casos raríssimos, altamente improváveis e são muitos mais os atletas que se afastam da competição depois de detetados problemas do foro cardíaco. Eu já tive um caso de um atleta a quem aventavam um futuro brilhante no futebol e que aconselhei a deixar o desporto e hoje está vivo e depois de alguns momentos de frustração é uma pessoa feliz", contou ao DN, Victor Gil garante ainda que não existem números sobre a morte súbita em Portugal. O que existem são os dados do INEM que não refletem a realidade.
Pavão e Fehér na memória
O mundo despertou para a tragédia da morte súbita no futebol a 26 de junho de 2003, quando o camaronês Marc-Vivien Foé sofreu um colapso em pleno jogo da Taça das Confederações. As imagens do jogador a cair inanimado chocaram o mundo, habituado a olhar para os atletas como seres saudáveis.
Meses depois, a 25 de janeiro de 2004, foi Portugal e Hungria a chorar a morte do benfiquista Miklos Fehér durante um jogo com o Vit. Guimarães, no Estádio D. Afonso Henriques. Além do caso de Fehér, registaram-se ainda as mortes de Bruno Baião, júnior do Benfica, a 15 de maio de 2004, e a de Hugo Cunha (União de Leiria), que caiu inconsciente no relvado aos 28 anos, vítima de paragem cardíaca, quando jogava com amigos, a 25 de junho de 2005. De então para cá mais meia dúzia de casos abalaram algumas equipas e o mundo do futebol em geral.
Antes disso o País chorou a morte de Pavão. Era uma das referências do FC Porto. A 16 de dezembro de 1973, o jogador caiu no relvado em pleno Estádio das Antas, após sofrer uma paragem cardíaca. Decorria o 13.º minuto do encontro para o campeonato nacional, frente ao Vitória de Setúbal.
Fora do futebol, a morte mais mediática foi a do basquetebolista Paulo Pinto. Era uma estrela do basquetebol em ascensão quando foi atraiçoado por um colapso cardíaco a 2 de março de 2002, ao oitavo minuto do duelo entre Aveiro Basket e Benfica, no Pavilhão dos Galitos, da Liga portuguesa, morrendo antes de chegar ao Hospital Infante D. Henrique.
Mas há um caso "feliz". Em 2013, Fábio Faria, um jovem de 23 anos, colocava um ponto final na carreira devido a problemas cardíacos. Tinha contrato com o Benfica, mas jogava no Rio Ave. "A vida é assim. Os últimos exames não correram tão bem como esperávamos", confessou o jogador, que já tinha sido vítima de uma indisposição numa partida da Taça da Liga entre Moreirense e Rio Ave, a 4 de fevereiro de 2012.
Primeira morte registada em 1906
A primeira morte por problemas cardíacos conhecida na história do futebol data de 27 de outubro de 1906, quando David "Soldier" Wilson, do Leeds City (e um fumante inveterado), sofreu um ataque cardíaco num jogo com o Burnley. Mas só quando o camaronês Marc-Vivien Foé sofreu um colapso em plena Taça das Confederações, em 2003, o mundo despertou para o problema.
Quatro anos depois, em agosto de 2007, o Sevilha disse adeus de forma prematura ao seu capitão, Antonio Puerta, durante a Supertaça Europeia com o Milan. No mesmo ano, Daniel Jarque, capitão do Espanyol, morreu quando falava ao telefone com a noiva, durante a pré-época da equipa catalã em Itália.
Em 2012 foi Davide Astori a deixar o futebol italiano de luto. O capitão da Fiorentina foi encontrado morto, numa cama do hotel, em Udine, onde a equipa estagiava antes do jogo com a Udinese. Nesse mesmo ano, morreram também o indiano Venkatesh, do Bangalore Mars, o brasileiro Cristiano Júnior do Índia Dempo e o italiano Piermario Morosini, do Livorno.
Segundo os últimos dados sobre morte súbita no futebol profissional (treino e jogo), de 2000 a 2017 morreram 89 jogadores devido a problemas cardíacos. Um estudo da Fundação de Cardiologia dos EUA, com base nos relatórios das autópsias, refere que 59 das mortes ocorreram após episódios cardiovasculares e em atletas homens com 25 anos ou mais.
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal