Num cenário tão imprevisível como o futebol brasileiro, são poucas as certezas que adeptos e imprensa têm em cada começo de época. Nos últimos cinco anos, no entanto, tem sido uma tendência naquele que é chamado o "país do futebol" a capacidade de um treinador português de reinventar-se ao longo de uma mesma temporada: Abel Ferreira. A vitória histórica contra o São Paulo (3 -2), fora de casa na noite do último domingo, 5 de outubro, fez o Palmeiras, clube que comanda desde 2020, voltar à liderança do Brasileirão após dez jornadas a correr atrás do Flamengo. Embora faltem onze rondas em disputa na principal competição do futebol brasileiro, foi um grande passo dos comandados de Abel Ferreira rumo ao título nacional: o Palmeiras lidera agora o torneio com o mesmo número de pontos (55) do adversário carioca, mas com uma partida a menos - ainda enfrenta o Juventude, penúltimo classificado, em jogo em casa adiado marcado para o próximo sábado.No triunfo frente ao São Paulo, o Verdão foi atrás do improvável. Após estar a perder por uma diferença de dois golos diante do rival, conseguiu a reviravolta no resultado com Vitor Roque, Flaco López e Ramón Sosa a balançarem as redes. A vitória, aliada à derrota do Flamengo por 1-0 frente ao Bahia, fez o Palmeiras assumir a liderança do Brasileirão e assim aumentar as chances de conquistar o título, cenário que parecia improvável há dois meses. .No dia 6 de agosto, após derrota frente ao Corinthians, que custou a eliminação do Palmeiras da Taça do Brasil em pleno Allianz Parque, casa do Verdão, Abel Ferreira viveu seu pior momento da época e entrou numa rota de colisão com os adeptos, como nunca havia vivido nos cinco anos em que está à frente da equipa. A Mancha Verde, principal claque palmeirense, pediu mesmo a saída do treinador em coro, que ecoou no estádio, com direito a insultos que não passaram ao lado do português: na ocasião, o treinador falou dos cânticos de forma irónica e, na conferência de imprensa depois daquele dérbi. "O Brasil é um país especial, mas não pode ser 8 ou 80. Sabem o que a torcida fez comigo e eu sou exatamente o mesmo. Mas não esqueço o que me chamaram. A mim e aos jogadores. Está marcado no meu coração e isso sangra por dentro", disse na ocasião ao ser questionado por uma possível renovação de contrato com o emblema alviverde - o vínculo termina em dezembro de 2025. Pressionado não só por adeptos, mas também por grande parte da imprensa brasileira desconfiada sobre a capacidade de Abel Ferreira fazer o Palmeiras regressar às boas exibições, resultados e justificar o investimento feito no início da época, Abel Ferreira voltou a fazer o que faz de melhor desde que trocou o futebol europeu pelo Brasil: com reforços indicados e mudanças táticas, reinventou o futebol do Verdão.A transformação começou fora dos relvados, ainda na janela de transferências. Após o Mundial de Clubes, nos Estados Unidos, no qual foi eliminado pelo Chelsea nos quartos de final, Abel Ferreira recebeu os reforços que desejava. Com a saída de seu principal jogador, Estêvão, precisamente para os blues, o Palmeiras contratou, por indicação de Abel, o paraguaio Ramón Sosa, do Nottingham Forest, que fez o caminho inverso e trocou a Premier League pelo Brasileirão. Já em agosto, após a dura derrota para o Corinthians, encontrou o substituto de Richard Ríos, negociado com o Benfica, também no campeonato inglês: Andreas Pereira, que deixou o Fulham, treinado por Marco Silva, para ser o novo camisola oito do Verdão. Foi, no entanto, ainda sem a adaptação dos reforços e com atletas que já estavam no plantel do Palmeiras, que Abel Ferreira fez a equipa reencontrar o caminho do bom futebol e das vitórias. O português abriu mão de variações que o consagraram no futebol brasileiro nos últimos anos, como o 4-3-3 e o 3-4-3, para apostar em algo raro nos dias de hoje: um esquema tático com uma legítima dupla de ataque. Ao lado do argentino Flaco López, o antes criticado Vitor Roque, que havia se transferido ao Palmeiras em janeiro com o estatuto de contratação mais cara da história do futebol brasileiro (chegou do Barcelona por 25 milhões de euros) encontrou-se finalmente com as boas exibições desde a eliminação na Taça do Brasil. O mesmo aconteceu com o argentino, que, atuando como um segundo avançado, atrás de Roque, foi chamado por Lionel Scaloni para a seleção argentina nas últimas duas convocatórias. Os números de ambos, atuando lado a lado, desde que Abel Ferreira mudou a forma como o Palmeiras, atua impressionam: em oito partidas, a "dupla infernal", como tem sido chamada pela imprensa brasileira, participou em 11 dos últimos 19 golos do Verdão na competição e, em 60 dias, mudou completamente o futebol do Palmeiras.Desde o revés frente ao maior rival e do que parecia ser o início do fim de Abel Ferreira, o Palmeiras somou 10 vitórias, dois empates e apenas uma derrota entre Brasileirão e Copa Libertadores - além da liderança do campeonato, diga-se, conseguiu também a qualificação para as meias-finais do principal torneio continental da América Latina. Nesta pausa para a data FIFA, o adepto que mais sorri no Brasil é palmeirense, que, nas redes sociais, faz "fila para pedir desculpas" ao treinador português..Há cada vez menos brasileiros na elite do futebol português e Pepê é o único com carimbo da seleção.Brasileirão arranca com foco em Neymar e cinco treinadores portugueses