Longe vão os tempos em que Deco, Jardel, Hulk, Liedson, Polga, Aloísio, Casagrande, Branco, Silas, Mozer, Casemiro, Diego, Juary, Geraldão, Paulinho Cascavel, Júlio César, Isaías, Derlei, Aldair, Ederson, Luisão, Ricardo Gomes, Jonas ou Valdo desfilavam talento nos relvados portugueses. A lista dos grandes jogadores brasileiros que jogaram na I Liga desde 1934/35 é extensa, mas tem vindo a diminuir consideravelmente na última década. Os brasileiros ainda são a maioria entre os estrangeiros que atuam na I Liga (32%), mas a nação canarinha tem perdido fulgor e brilho, principalmente desde 2018/19, época em que 173 atletas made in Brasil fizeram parte dos 18 plantéis do principal escalão do futebol nacional. Os números diferem de plataforma para plataforma, dependendo do critério usado, uma vez que há jogadores com dupla nacionalidade, mas o DN baseou-se nos dados estatísticos do site ZeroZero e a descida é mais do que evidente. E torna-se ainda mais evidente tendo em conta que o número de estrangeiros no campeonato subiu esta época e até supera o número de portugueses - 354 em 519, ou seja 68,2%. .I Liga investiu como nunca e Portugal deixou de ser o mercado mais lucrativo.Mas o Brasil não acompanhou o crescimento e apenas 22 reforços brasileiros foram inscritos até agora. No FC Porto desde 2021/22, Pepê é (de longe) o brasileiro mais valioso da I Liga e o único que se pode considerar de primeira linha entre os 97 inscritos, onde constam dois leões, Matheus Reis e Alisson Santos. O Sp. Braga tem privilegiado outros mercados, como o espanhol (o que mais cresceu nos últimos cinco anos), e tem apenas três brasileiros na equipa, enquanto o Santa Clara tem 16 no plantel e o Nacional tem 13, por exemplo.Os dragões reforçaram-se com Pedro Lima e estão a ver o jovem William Gomes (chegou ao Dragão na época passada) a ganhar protagonismo na equipa, mas é impensável que algum deles chegue aos 474 jogos de Aloísio, o estrangeiro com mais partidas de dragão ao peito.Já na Luz, pela primeira vez em 41 anos o Benfica não tem qualquer atleta brasileiro no plantel, mas foi ao Brasileirão buscar o reforço mais caro deste mercado e da história do clube - Richard Ríos, ex-Palmeiras. O mercado brasileiro sempre alimentou grandes equipas do Benfica. Luisão fez 538 jogos de águia ao peito e ainda hoje é o segundo jogador com mais partidas (só atrás de Nené, com 577), enquanto Jonas permanece como o segundo melhor marcador estrangeiro com 137 golos. Depois deles as apostas foram fugazes e não resultaram desportivamente, como Gabigol ou Marcos Leonardo. O mesmo aconteceu para os lados de Alvalade, que tem saudades dos tempos em que do Brasil chegou um campeão do Mundo, Anderson Polga, ou um goleador do calibre de Liedson - o último ponta de lança canarinho a vencer a Bola de Prata da I Liga pelos leões (2004/05 e 2006/07).“No Brasil já se paga muito bem” Para Valdo “é assustador” constatar que “cada vez há menos jogadores brasileiros, principalmente jogadores com aquela preponderância que tinham em outros tempos a jogar em Portugal”, país onde fez sucesso com a camisola 10 do Benfica.O antigo internacional pelo Brasil, que vive em Portugal há 35 anos, considera que jogar à bola é diferente de ser jogador de futebol e, por isso mesmo, apontou alguma falta de talento como fator a ter em conta para a menor oferta e a menor contratação. “O jogador brasileiro não tem a qualidade que tinha antigamente, é tudo muito precoce, os jogadores saem muito cedo, e aqueles que conseguem sair cedo do Brasil acabam muito mais parecidos com jogador europeu do que propriamente com um jogador brasileiro”, sintetizou o antigo médio, que representou o Benfica entre 1988 e 1991 e depois em 1995, num total de 184 jogos e 29 golos.Além disso, “no Brasil já se paga muito bem e já não compensa vir para Portugal se não for para um clube grande”. Essa é mesmo a grande dificuldade que o antigo médio identifica atualmente: “Já não dá para trazer jogadores daqueles de seleção brasileira. Na minha época, nos anos 80/90, era completamente diferente. Vir para o Benfica ganhar 3/4 mil euros era dinheiro para caramba. Hoje, a folha salarial do Palmeiras é tudo milionário... E no Botafogo (atual campeão) então, nem falo”Éder Militão foi uma das últimas grandes vendas, com interposto português. O defesa central chegou ao FC Porto em 2018 e em 2019 foi vendido ao Real Madrid por 50 milhões de euros. Ou seja, há muito que Portugal deixou de ser a porta de entrada na Europa para vários futebolistas do Brasil. Culpa também da evolução tecnológica e da chamada estatística de desempenho que está à disposição de qualquer um que tenha um telemóvel. “Quando o Manuel Barbosa trouxe o Ricardo Gomes, o Aldair, eu e tantos outros, o negócio não era tão globalizado. Os empresários tinham olheiros e só quando justificava iam lá ver e, depois, é que negociavam o jogador com base no que viam. Hoje contratam-se jogadores através de plataformas e até o sucesso das redes sociais conta. Depois, quando não rende em campo, o jogador, desta ou daquela nacionalidade, desvaloriza e cria um efeito dominó no mercado”, na opinião de Valdo. A falta de paciência do atleta moderno também contribuiu para um entra e sai que não ajuda a estabilizar esses números. “De uma maneira geral, o jogador não fica muito preocupado se tiver de ir embora de um clube, o que é completamente diferente da minha época. Eu só pensava, ‘tenho que ficar por aqui, pô, o Benfica é um mundo’. Hoje, o jogador sai meio-dia e ao meio-dia e um já está empregado de novo”. A intensidade ou a falta dela, bem como o aclamado défice tático, são questões demasiado complexas, mas o antigo médio do Benfica e da seleção do Brasil não vê que seja um problema do futebol brasileiro: “O Benfica foi contratar o Ríos ao Palmeiras e pagou 27 milhões...” O fator língua também já não faz a diferença. Nem nunca fez, segundo Valdo: “A linguagem dentro do campo é a mesma. É universal, na hora que a bola chega é que se vê se sabes ou não o que fazer com ela. Não tem muita ciência.”isaura.almeida@dn.pt.I Liga bateu recorde de investimento em reforços para 2025/26. Benfica foi o que mais gastou.Falta de campos em Portugal. Clubes pagam até 900 euros por treino em relvado alheio