Se hoje os treinadores portugueses têm o prestígio que têm ao redor do mundo, sendo bem cotados em clubes das cinco principais ligas europeias, seleções, equipas do Médio Oriente ou do Brasil, muito devem a José Mourinho. Prestes a voltar a Portugal para treinar o Benfica, após rodar por alguns dos principais clubes da Europa nas últimas décadas, Mourinho foi percursor entre os treinadores portugueses que fizeram sucesso mundo fora e deu outra visibilidade aos profissionais do meio no país.Se acertar com o clube encarnado com a pressa que se prevê, e que é inclusive desejada pelo presidente Rui Costa - que conta ter um treinador já no duelo frente ao AVS no sábado (20) -, a partida na Vila das Aves pode ser a 12.ª de Mourinho no comando da equipa.Na época 2000/2001, foram 11 os jogos do Benfica sob o comando do (então ainda projeto de) Special One, tendo este somado seis vitórias, três empates e duas derrotas pelo clube da Luz até ser substituído por Toni Oliveira.E por falar na alcunha com que o próprio se autointitulou, e que foi adotada por adeptos e imprensa ao redor do mundo, será Mourinho ainda o Special One? 25 anos, dez trabalhos e nove clubes depois - foram duas passagens pelo Chelsea - qual a versão do treinador português com mais títulos na carreira que regressa ao Benfica? Se a última impressão for a que fica, a do treinador do Fenerbahçe, o adepto encarnado tem motivos para se preocupar. Mas se for como na maior parte da carreira, quando comandou equipas competitivas a nível nacional - diferentemente dos últimos trabalhos - e atingiu o sucesso, Mourinho pode trazer a esperança que falta na Luz..União de Leiria, os grandes feitos no FC Porto e auge com Chelsea e InterVoltemos 25 anos no tempo: após a saída do Benfica com direito a uma vitória por 3 - 0 frente ao Sporting na despedida, em dezembro de 2000, Mourinho foi rapidamente contratado pelo União de Leiria, onde permaneceu até o ano de 2002, quando, a meio da temporada, foi chamado por Pinto da Costa para comandar o FC Porto, clube onde escreveu alguns dos principais capítulos da sua carreira. Com um 3º lugar na primeira temporada à frente dos Dragões, o então promissor treinador de 40 anos começou a mostrar ao que veio no ano seguinte: o setubalense levou a equipa ao título do campeonato português em 2002/2003, além de ter faturado também os títulos da Taça de Portugal em final contra a sua antiga equipa, o União de Leiria, e a Taça UEFA, ao superar os escoceses do Celtic. A época de 2003/2004 foi ainda mais mágica, com o FC Porto a voltar a conquistar a Primeira Liga e ainda sagrando-se campeão da Liga dos Campeões após vitória inquestionável frente ao Mónaco (3-0), 17 anos depois da última conquista portuguesa na principal prova europeia - precisamente do FC Porto, em 1987, então treinado por Artur Jorge. Os anos fenomenais no norte de Portugal fizeram Mourinho alçar novos voos, num primeiro momento, rumo ao Chelsea..Na passagem por Inglaterra, a tal alcunha mencionada no início do texto popularizou-se. Foram dois anos no comando dos blues e duas conquistas da Premier League, sendo que, à época, o clube londrino não conquistava o título doméstico há 30 anos..De Inglaterra seguiu para a Itália, onde, na Internazionale, voltou a conquistar a Europa e não só: em 2010, ao comando dos Nerazzuri, Mourinho tornou-se o primeiro treinador da história a conquistar o triplete (taça, campeonato italiano e Liga dos Campeões) em duas ocasiões. O currículo não dava margens para dúvidas: era hora de comandar aquele que é por muitos considerado o maior clube do mundo: o Real Madrid..Parceria com Cristiano Ronaldo e regresso a InglaterraA passagem por Espanha foi menos vencedora do que era esperado, mas mesmo assim o treinador português não deixou de fazer o que faz de melhor: ganhar títulos. Embora não tenha alcançado sucesso a nível continental pelos merengues, conquistou troféus nacionais que "estavam em falta" no Santiago Bernábeu. Em 2011, após o seu desembarque na capital espanhola, venceu a Taça do Rei com um triunfo frente ao Barcelona na final, com Cristiano Ronaldo a fazer o golo do título. Foi com o craque português a seu favor e contra o clube catalão, diga-se, que o treinador protagonizou uma das maiores rivalidades do século no seu período em solo espanhol: de um lado, o Real Madrid de José Mourinho e Cristiano Ronaldo. De outro, o Barcelona de Pep Guardiola e Lionel Messi. No ano seguinte, a dupla portuguesa voltou a superar os blaugranas ao impedir o tetracampeonato dos catalães e conquistar o campeonato espanhol, após três anos sem o principal título nacional. A época posterior, a de 2012/2013, não rendeu frutos para o clube e fez com que o treinador deixasse o Real Madrid depois de três anos, principalmente com a frustração de não ter conseguido devolver os merengues aos títulos europeus. A passagem de altos e baixos por Espanha, no entanto, não esmoreceu Mourinho. O português retornou ao Chelsea e voltou a fazer história, sendo campeão da Premier League pela terceira vez em 2014/2015, título que, dez anos depois, segue sendo o último campeonato por pontos corridos que o treinador conquistou. Após desentendimentos com atletas no balneário, outra faceta de Mourinho que o acompanhou ao longo dos últimos anos, o treinador deixou o Chelsea para assumir o Manchester United. Os anos em Old Trafford, embora turbulentos, voltaram a fazer Mourinho colecionar troféus, como a Liga Europa, a Supertaça da Inglaterra e a Taça da Liga Inglesa na primeira época. Nos anos seguintes, o técnico acumulou maus resultados nos Red Devils e acabou demitido em 2018. Foi nesta altura que um adjetivo dado por imprensa e adeptos começou a se tornar cada vez mais comum e a gerar dúvidas acerca de seu trabalho: estaria José Mourinho "ultrapassado"?Últimos anos na "segunda prateleira"A inconstância nos trabalhos por Real Madrid, Chelsea e Manchester United fizeram o treinador sair do radar daqueles considerados comos os "gigantes" do futebol europeu. Nos últimos seis anos, desde sua saída do United, Mourinho rodou por clubes considerados de segunda - ou até terceira - prateleira, seja a nível nacional ou continental. No Tottenham, ficou pouco menos de dois anos, entre 2019 e 2021. Para muitos, o treinador foi injustiçado pelo então presidente executivo do clube, Daniel Levy, tendo sido demitido dias antes da final da Taça da Liga Inglesa, confronto no qual os Spurs foram derrotados pelo Manchester City. Pela primeira vez na carreira, Mourinho deixava um clube sem conquistar títulos. Seguiu-se uma aventura na Roma, onde voltou a encontrar-se com os troféus: fez história ao sagrar-se campeão da Liga Conferência da Europa, tornando-se assim o primeiro técnico a conquistar os três troféus a nível continental (Liga dos Campeões, Liga Europa e Liga Conferência), orgulho que Mourinho eternizou na pele..Depois de dois anos e meio na capital italiana, onde voltou a acumular más atuações e resultados depois do título inédito, Mourinho pela primeira vez deixou de treinar numa das cinco principais ligas europeias. No Fenerbahçe, da Turquia, onde até há poucas semanas ocupava o banco e inclusive atuou contra sua provável futura equipa, o treinador voltou a amargar um trabalho sem títulos. Como referido antes, a inconstância em alguns gigantes europeus fez aquele que até há uma década era considerado dos mais prestigiados treinadores do mundo cair alguns degraus no conceito dos maiores clubes. No Tottenham e na Roma, no entanto, Mourinho destacou-se ainda com números positivos, considerando que nenhuma das equipas era favorita aos títulos nacionais. Na Turquia, os problemas extracampo dentro do próprio clube e o fortalecimento dos rivais Galatasaray e Beşiktaş deixaram a equipa sem condições de lutar pelo campeonato turco. Ao todo, foram 62 partidas na Turquia, com 37 vitórias, 14 empates e onze derrotas. Duas destas onze, aliás, foram para o próprio Benfica, uma na pré-temporada e outra no confronto que deixou os turcos - e, possivelmente, não Mourinho - fora desta Liga dos Campeões Embora os últimos trabalhos indiquem uma queda na carreira do vitorioso treinador, o facto é que Mourinho, quando comandou clubes que tinham condições financeiras e plantéis para disputar troféus importantes, nunca deixou de corresponder com títulos. Foi esta a principal reclamação do técnico, diga-se, no período na Turquia: a falta de reforços..Neste provável retorno a Lisboa, por outro lado, esta não será uma questão: o treinador terá, nas suas próprias palavras proferidas antes dos confrontos da Liga dos Campeões, "uma equipa completa, competitiva e equilibrada", características que, aliadas ao investimento feito nesta época, ainda colocam o Benfica em condições de lutar por conquistas importantes ao longo do próximo ano. Seguramente, o José Mourinho de hoje não sabe menos de futebol do que o do dia 3 de dezembro de 2000, quando fez a sua última partida pelo Benfica na vitória contra o Sporting. Por outro lado, há quem, desde então, tenha aprendido mais do que o Special One. Se tudo se confirmar, esperemos pelas primeiras conferências de imprensa e partidas do treinador com o emblema benfiquista para perceber qual a versão de Mourinho, dentro e fora de campo, que finalmente regressa a Portugal..Bruno Lage afastado do cargo de treinador do Benfica. Mourinho pode ser apresentado nas próximas horas.Mourinho? "Conhece muito bem o Benfica", diz Lage, que deseja "a maior sorte ao senhor que se segue"