Quando penso na Grécia e no teatro, ocorrem-me nomes como Ésquilo, Sófocles, Eurípides. A dramaturgia é algo muito presente hoje na cultura grega?Trabalho em teatro há 40 anos, desde os meus 20 anos. E não me lembro de um período nestes 40 anos em que o teatro não tenha florescido. Os gregos adoram teatro. Gostam de representar, e gostam de assistir.Mas quando diz que os gregos gostam de teatro, inclui as peças criadas pelos grandes autores clássicos?Incluo, claro. Todos os verões, os teatros enchem-se de milhares de pessoas, e não só turistas, mas também gregos, que vão vezes sem conta e assistem a representações de Antígona, de Medeia, de todas essas peças clássicas.Como dramaturgo grego, sente uma ligação a esses nomes de há 2500 anos?Sinto, sim. Antes de mais, existe a grande admiração que temos por eles. É uma verdadeira admiração. Quando se lê aqueles textos, perguntamo-nos: Isto foi escrito naquela altura? Neste lugar? Sófocles, Eurípides, Ésquilo, são o melhor que já li. São textos avassaladores. Impressiona a riqueza daquelas peças. Tento não imitar, claro, mas tenho sempre em mente o que eles escreveram, e compito com eles, de certa forma. Inspiram-me.É algo que se poderia aplicar em geral aos dramaturgos na Grécia? É quase impossível ser um dramaturgo grego e não olhar para estes autores como uma espécie de modelo? Até não ter a tentação de seguir a fórmula?Não, não. Não seguimos a fórmula. A fórmula é antiga. Mas os elementos da fórmula estão sempre lá.Referiu Medeia. É possível ver modernidade em Medeia?Pode ler-se o texto de uma nova forma. Sempre de uma nova forma. Isso é modernidade. Quando se lê novamente uma peça antiga sob uma nova perspetiva é modernidade. Em tempos fui ator, durante 20 anos. E encerrei a minha carreira de ator com uma representação de Medeia. Eu estava a interpretar Jasão. Foi, para mim, uma experiência muito profunda. Muito profunda..V.I.T.R.I.O.L.Yannis Mavritsakis Artistas Unidos/Livros Cotovia151 páginas Chegou alguma vez a escrever uma peça inspirada na Grécia Clássica?Fui convidado em tempos pelo Festival de Epidauro, que decorre também em Atenas, para escrever uma peça, uma nova peça, inspirada nas Bacantes, de Eurípides. Foi representada no pequeno teatro de Epidauro. O nome da peça, em grego, era kreourgia, que significa chacinar. Foi a minha primeira experiência a escrever diretamente inspirado em peças antigas.Sobre esta obra que vimos em Portugal, por iniciativa da embaixada da Grécia, na Noite da Literatura Europeia, V.I.T.R.I.O.L., o único livro seu traduzido para português, a história de um jovem rapaz que um dia deixa de comer. Qual foi a sua ideia quando escreveu esta peça?A primeira inspiração veio de uma entrevista que li num jornal há uns anos. Era uma mãe. Ela estava a falar sobre o filho. E disse ao entrevistador, ao jornalista, que já não conseguia reconhecer o filho. E eu apanhei esta frase. Fiquei espantado. Sabe, uma mãe falar do filho assim. Que já não consegue reconhecer o filho. Foi muito forte. Atingiu-me. Esta frase foi a primeira inspiração para a peça. Em segundo lugar, usei coisas da minha juventude, de quando era criança ainda ou adolescente. E a terceira e mais importante parte da peça são os meus sonhos. Há cenas inteiras nesta peça que vêm diretamente dos meus sonhos. E quero agradecer à Artistas Unidos/Cotovia por a terem incluído na sua coleção de livros sobre teatro aqui em Portugal. E também ao tradutor José António Costa Ideias.Foi a sua peça que teve maior sucesso na Grécia?Não. É a mais conhecida fora da Grécia. Porque Olivier Py, o encenador francês, dirigiu a peça no Teatro Nacional de Atenas. E depois levou-a ao Festival de Avignon. Portanto, é a que tem mais glamour. Mas não acho que tenha sido a mais bem-sucedida.Também tem carreira como romancista. É uma outra persona? Como as diferentes personas de Pessoa? Não. Sou igual. Sou o mesmo. E quem conhece a minha dramaturgia pode reconhecer-me nos meus romances.Sacramento foi o seu primeiro romance. É uma distopia?É uma distopia. É um romance muito intenso e difícil. Foi muito difícil encontrar uma editora. Mesmo as pessoas que me conheciam como dramaturgo, não quiseram publicar este romance. Penso que a maioria das editoras em Atenas, hoje em dia, quer ter a certeza de que vai receber o dinheiro de volta. Isso é um problema. Mas eu compreendo-as. Se eu fosse editor, provavelmente pensaria da mesma forma.Mas finalmente um editor decidiu publicar. Sim. Não é um best-seller, mas tenho a certeza de que não perdeu dinheiro.Distopia é uma palavra grega. Tal como utopia. Quer explicar o sentido?Topos é lugar. Dis significa problemático. A distopia é uma terra problemática.Nasceu no Canadá numa família de imigrantes. E a sua família regressou à Grécia quando era ainda criança. Ter feito parte da diáspora grega afeta a sua maneira de ser, de ver o mundo?Sim, afeta-me. Na verdade, nunca senti que pertencesse realmente a algum lugar. Quando cheguei à Grécia, quando era criança, já tinha feito uma construção interna do mundo. E essa construção foi destruída. Quando cheguei, tudo se desmoronou na minha mente sobre o mundo, sobre como as pessoas são, como se relacionam. Foi um choque cultural. E depois dessa experiência, nunca mais senti que pertencia a algum lugar. Sentia-me como um estranho, como alguém sem país.Mas quando vivia no Canadá, a Grécia era uma espécie de sonho tornado realidade? Uma utopia, usando a palavra grega?Sim. Um lugar de sonho. E eu ansiava por ir para lá. E quando finalmente fui, fiquei devastado. Era tão diferente do que eu conhecia. Penso que todos os meus escritos se baseiam nesse sentimento. A sensação de estar sozinho e ser um estranho.Vi algumas notícias sobre si a dizer que é um escritor canadiano. Isso não faz sentido para si?Não, mas sou canadiano. E sou grego. E estou bem assim. Mas identifico-me como um escritor grego, porque a língua que utilizo é o grego. A língua determina a nacionalidade do escritor. Eu uso o grego, por isso tenho a certeza de que sou um escritor grego.Uma última questão. A ideia da Grécia clássica é tão forte que, por vezes, para os estrangeiros é difícil imaginar a Grécia moderna. Estamos sempre a pensar no Século de Péricles. Na Grécia, também têm esse sentimento, ou a época clássica é apenas uma parte da história nacional?É uma parte. 25 séculos não é nada. Acredite. É como se tivesse sido ontem. Faz parte da nossa cultura, do nosso quotidiano. Mas não estamos presos à Grécia Antiga, claro. Nós mudámos. Outras nações pensam que tudo para os gregos terminou no século V a.C. Não. Nós somos uma continuidade. Quando estive em Paris, a minha primeira peça foi numa leitura no Odeon por Olivier Py. E foi a primeira vez que se ouviu um escritor grego contemporâneo no Teatro Odeon. Porque apresentavam e interpretavam escritores antigos, mas nunca um escritor contemporâneo. E muitos pensavam talvez que os escritores contemporâneos nunca tinham existido na Grécia. Que parámos em Sófocles....V.I.T.R.I.O.L. no Museu Banksy de Lisboa.Yannis Mavritsakis fez questão de assistir ao ensaio de V.I.T.R.I.O.L., a sua peça de 2009 que integrou a recente Noite da Literatura Europeia. Manhã cedo de 27 de junho, ainda com o Museu Banksy de Lisboa de portas fechadas, o ator Henrique Gomes deu vida ao texto do dramaturgo grego, interpretado num português que Mavritsakis não fala, mas com uma expressividade que impressionou o autor, que esteve em Lisboa por iniciativa da embaixada da Grécia. O texto de V.I.T.R.I.O.L. foi editado pela Artistas Unidos/Livros Cotovia, numa tradução de José António Costa Ideias. Na noite de 28, Henrique Gomes voltou a atuar, dessa vez para um público interessado em descobrir outros imaginários. .Sobre livros de pseudo-escritores