Liu Dai’e, reconhecida como guardiã do Património Cultural Imaterial a nível nacional, dedica-se a transmitir a técnica da tecelagem tujia às novas gerações.
Liu Dai’e, reconhecida como guardiã do Património Cultural Imaterial a nível nacional, dedica-se a transmitir a técnica da tecelagem tujia às novas gerações.

Xilankapu: a tradicional arte têxtil dos Tujia

A tecelagem tradicional tujia é uma antiga arte popular da bacia do rio You, na confluência das províncias de Hunan, Hubei, Chongqing e Guizhou, no sudoeste da China.
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Nas aldeias da etnia tujia, nas montanhas Wuling (província de Hunan, China), as mulheres ainda hoje manejam habilmente os teares de cintura, entrelaçando fios de seda coloridos, com lançadeiras de madeira, para criar tecidos ricamente ornamentados. Esta técnica tradicional de tecelagem é conhecida como Xilankapu e é considerada uma das três principais formas de tecelagem das minorias étnicas da China. Na língua tujia, “xilan” significa “coberta” e “kapu” significa “flor”, sendo o Xilankapu, literalmente, uma colcha florida usada tradicionalmente pelos Tujia.

A origem desta arte remonta às dinastias Qin e Han (221 a.C. - 220 d.C.), quando os ancestrais Tujia já dominavam técnicas rudimentares de tecelagem com fibras de cânhamo e rami tingidas com pigmentos vegetais de cor preta, vermelha e azul. Utilizavam então o tear de cintura, produzindo padrões simples, como losangos e riscas ,num estilo rústico e sóbrio. Alguns dos melhores exemplares eram mesmo oferecidos como tributo ao imperador.

Com o aumento das trocas culturais com os Han durante as dinastias Tang e Song (618-1279), o Xilankapu evoluiu significativamente, incorporando elementos de tecelagem do interior da China, enriquecendo os padrões com motivos florais e vegetais, e fazendo uso da seda e do algodão, o que contribuiu para tornar os tecidos mais finos e elaborados. Nesta fase, o Xilankapu ultrapassou a sua função utilitária, adquirindo também um valor simbólico como expressão de estatuto social entre a elite local dos Tusi - chefes tribais hereditários reconhecidos pelo governo imperial.

Durante as dinastias Ming e Qing (1368-1911), o Xilankapu atingiu o seu apogeu. Nas aldeias tujia situadas nas regiões montanhosas na confluência das províncias de Hunan, Hubei e Guizhou, as moças aprendiam desde cedo a arte da tecelagem. O processo de produção de um Xilankapu era longo e meticuloso, envolvendo mais de uma dezena de etapas, desde a fiação e tingimento, até à tecelagem propriamente dita, demorando vários meses até à conclusão.

A tecelagem tujia tem vindo a ser aplicada no design de produtos contemporâneos, como artigos de decoração para o lar, malas, etc.
A tecelagem tujia tem vindo a ser aplicada no design de produtos contemporâneos, como artigos de decoração para o lar, malas, etc.

Nesta época, os padrões decorativos multiplicaram-se, ultrapassando já a centena de variantes. Muitos deles carregam significados simbólicos profundamente enraizados na cosmovisão tujia. O motivo da serpente, por exemplo, está ligado ao mito da deusa Yanshui (Água Salgada), uma divindade venerada como ancestral do povo tujia. O motivo da migração, composto por linhas onduladas, representa a travessia histórica dos antepassados através das montanhas Wuling. Já o padrão da flor do pássaro solar reflete o culto solar praticado pelos antigos tujia, evocando a ligação espiritual ao sol. Estes padrões, mais do que simples elementos decorativos, formam um verdadeiro “dicionário cultural” do povo tujia.

Com o avanço da tecnologia têxtil moderna, a mudança nos gostos estéticos e o desaparecimento gradual das antigas mestras tecedeiras, o Xilankapu, tal como muitas outras artes tradicionais, enfrenta hoje o risco de cair no esquecimento. Felizmente, em 2006, esta arte foi incluída na primeira lista nacional do Património Cultural Imaterial da China, o que trouxe uma nova atenção à sua preservação e transmissão.

Uma das guardiãs desta tradição é Liu Dai’e, de 70 anos, residente no concelho de Longshan, em Xiangxi. Desde os 12 anos que aprendeu a tecer com a avó e, até hoje, mantém um modo de vida enraizado na tradição: cultiva a planta do rami junto à sua casa, sobe à montanha para colher plantas tintoriais e utiliza exclusivamente métodos tradicionais para tingir e tecer. O que impressiona é a sua capacidade de criar com destreza mais de uma centena de padrões tradicionais do Xilankapu.

Embora o Xilankapu de face única tenha sido tradicionalmente utilizado como ornamento ou tapeçaria decorativa, Liu Dai’e não se limitou a esse formato. Procurando adaptar-se ao gosto contemporâneo, passou a combinar os motivos clássicos com uma estética moderna, criando padrões novos e desenvolvendo a técnica do tecido de dupla face, que permite maior riqueza visual e versatilidade. Assim, os seus trabalhos ganharam nova vida sob a forma de bolsas, lenços e mantos, conquistando um público cada vez mais amplo graças à sua beleza, elegância e funcionalidade. Muitas pessoas vêm de longe para aprender com Liu Dai’e, que, até hoje, já formou mais de 500 discípulos.

Padrões de Xilankapu incorporados num qipao inovador desfilaram em Milão, mostrando ao mundo o encanto da moda contemporânea inspirada na tradição artesanal chinesa.
Padrões de Xilankapu incorporados num qipao inovador desfilaram em Milão, mostrando ao mundo o encanto da moda contemporânea inspirada na tradição artesanal chinesa.

Outra defensora do património tujia é Deng Chaoyu, que, em setembro de 2024, desfilou na Semana da Moda de Milão (Coleção Primavera-Verão 2025) vestida com um qipao que integrou motivos e técnicas do Xilankapu, apresentando ao mundo a delicadeza e sofisticação do artesanato chinês.

Dos tributos imperiais das dinastias Qin e Han ao Património Cultural Imaterial dos nossos dias, do ornamento mural ao acessório de moda, das profundezas das montanhas de Wuling, em Hunan, às passarelas da Semana da Moda de Milão, as tecedeiras tujia, com paciência e mestria, continuam a tecer cada padrão à mão, dando nova vida a esta arte milenar por via da inovação contínua, preservando o toque humano do trabalho manual e permitindo que cada vez mais pessoas, em todo o mundo, apreciem a beleza das técnicas tradicionais desta minoria étnica da China.

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