"Este ano eu tinha decidido que ia fazer um clássico”, é assim que começa a peça Só Mais Uma Gaivota que estreia hoje no Centro Cultural de Belém, onde ficará em cena até dia 28 de setembro. O projeto para esta peça surgiu da ideia da companhia de teatro Formiga Atómica de trabalhar clássicos da dramaturgia. “Pensámos que A Gaivota podia ser uma boa forma para lançar esse ciclo. Ao fazer esse exercício de pensar porquê a gaivota e como é que vamos pegar nela e sobre que ângulo, comecei a perceber o porquê da gaivota ser importante para mim em particular. E, de facto, estava relacionado com a minha história pessoal”, conta Miguel Fragata, revelando que há 20 anos atuou na mesma obra como exercício final do curso de teatro. “Até um espetáculo baseado numa peça clássica podia dialogar com o presente e dialogar com as nossas vidas”.Só Mais Uma Gaivota, baseada na peça A Gaivota de Tchekhov, mistura a história do jovem escritor Trepliov com a história de uma geração. “Por um lado, tínhamos esta dimensão biográfica muito forte. Por outro lado, cruzá-lo com Tchekhov e com estas personagens. Portanto, foi muito importante perceber de que maneira é que as pessoas se ligavam ao texto e quais os seus percursos para depois criarmos estas relações”, explica Miguel Fragata em conversa com o DN.Para além de excertos do clássico, a peça mostra também o percurso destas 13 pessoas durante 20 anos e o que aconteceu durante estes anos no mundo. “Estamos também a falar sobre expectativas, sonhos que se cumpriram, sonhos que não se cumpriram e toda essa ideia da vida que vai acontecendo de uma forma às vezes muito inusitada. A vida passa, passam 20 anos e parecem dois.”Relativamente às cenas do clássico russo, Miguel Fragata explica que foram escolhidas com base nas temáticas que queriam abordar. “Escolhemos as cenas que nos pareciam ser as cenas mais importantes da peça e com base nas informações que nós tínhamos sobre cada uma das pessoas que nos permitisse colar. Por exemplo, as expectativas face ao futuro no teatro, que algumas pessoas demonstravam, de repente são expectativas que estão muito evidentes numa personagem como a Nina. A dimensão do conflito geracional. Escolhemos especificamente uma cena que é provavelmente o clímax do conflito geracional entre entre a mãe e o filho em que eles dialogam sobre as suas formas de olhar para o teatro”.O espetáculo Só Mais Uma Gaivota vai estar acompanhado pela exposição Diverse Laridae, onde cinco jovens artistas visuais foram desafiados a trabalhar em peças baseadas em A Gaivota. “A ideia era ajudar o processo de investigação e criação que muitas vezes os artistas não têm. Portanto, tiveram três meses de pesquisa e criação”, explica ao DN o curador a exposição, Federico Rudari. Os artistas que participam na exposição são Amanda Triano, Bruno José Silva, Cheila Garcia, Sara Leme, Sara e Tralha. A artista Sara Leme apresenta três diferentes peças. A artista afirmou que como veio da joalharia quis colocar isso na sua escultura com anéis. “Tenho anéis que são batentes de portas feitos de materiais bastante diferentes. Alguns naturais, outros antropogénicos, frágeis, resistentes, efémeros. E tento criar um arquivo de uma floresta híbrida, a relação entre a conservação e a destruição”.Já a peça de Amanda Triano é baseada numa frase que crítica Descartes pela separação do ser humano dos animais. “Peguei nessa frase e fiz uma outra relação”. Cheila Garcia apresenta duas peças: um painel com desenho de uma nuvem que foi feito com a máquina de escrever. O outro é um painel LED que tem a frase One Cloud Feels Lonely, de um livro de Richard Adams. Bruno José Silva apresenta uma instalação que tenta projetar um futuro pós-humano em que uma espécie se depara com vestígios de uma civilização. “É uma peça que tenta dialogar com esta obsessão que nós temos em classificar e arquivar tudo”. Já Sara e Tralha apresentam uma instalação inspirada na antropologia. “O que me marcou mais na peça é esta questão meta da vida e da morte, da vida dentro da morte, da morte dentro da vida. Isso liga-se muito ao futuro”.Para além da peça de teatro e da exposição, haverá ainda um documentário, intitulado Gaivotas em Terra, que resulta de um conjunto de entrevistas a cada um dos atores que fizeram parte da peça A Gaivota no final do curso na ESMAE, em 2005.