Entre vitrinas vazias e muitos caixotes, o Museu Nacional de Arte Antiga prepara-se para um ano de obras no âmbito do PRR. Aproveitando o “longo sono até à reabertura”, a equipa continua a trabalhar e a diretora falou ao DN do projeto MNAA ESTÁ AQUI, que vai dar a conhecer peças do seu acervo depositadas em museus de norte a sul de Portugal já a partir de 14 de novembro. Nascida no Alentejo e por mais de duas décadas à frente do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, no Paço Ducal de Vila Viçosa, Maria de Jesus Monge recordou a primeira visita ao MNAA, em criança, com os pais.O Museu Nacional de Arte Antiga está fechado para obras desde 29 de setembro, o que está a ser feito e o que podemos esperar quando reabrir?Estas são obras no contexto do Programa de Recuperação e Resiliência, o PRR. Vamos ter três campanhas. Primeiro foi a do ar condicionado, mas agora o que temos a acontecer, e que terá mais impacto quando reabrirmos, é uma obra de conservação e restauro na Capela das Albertas, que já está em curso. Já tinha havido, há uns tempos, o restauro dos azulejos, mas agora é toda a talha, o teto, é o conjunto da Capela que está a ser tratado e recuperado. Já começou e em meados do próximo ano estará concluído. Há aqui um tema que é omnipresente em todas as intervenções do PRR na área da cultura que é quando é que têm de acabar. E de acordo com a informação que temos, é no dia 30 de junho de 2026. Nessa data é suposto que todas as intervenções estejam concluídas, mas de certeza que não vamos abrir a porta na semana seguinte. Nós temos duas campanhas, dizia eu, uma delas no piso intermédio desta ala, que é chamada de anexo porque é posterior, foi feita nos anos 1940, e que é o piso das artes decorativas. Vai haver um conceito completamente diferente de comunicação, a forma como os objetos vão estar expostos é outra. Evidentemente, vamos encontrar sempre as peças de referência daquilo que é a memória nacional e de que nós somos depositários, como a Custódia de Belém, a Custódia da Bemposta, não só ao nível da ourivesaria, mas também da cerâmica, todas aquelas peças emblemáticas, também nas artes do encontro com todos os outros povos, na Índia, na China, etc., de que temos peças únicas no património mundial, como os biombos Namban, o mobiliário indo-português, os marfins sapi-portugueses. Tudo isso vai estar presente, mas de uma forma diferente. Até à data, estão isolados por tipologia, a partir do momento da reabertura - cuja data é uma incógnita que eu gosto de situar algures no segundo semestre de 2026 - as coisas vão estar expostas de forma diferente. E ao expor de forma diferente, com uma lógica diferente, há peças que entram e peças que saem. E mais não digo! A outra grande obra fundamental para nós, mas que tem muito menos impacto no visitante, é o telhado. Vamos ter uma obra de recuperação de coberturas e de fachadas. Qualquer pessoa que passa agora nas Janelas Verdes, vê que não é uma fachada condigna e isso tem não só implicações estéticas, mas sobretudo ao nível da conservação do edifício e das coleções. Depois de concluídas estas duas operações, vamos ter que preparar tudo para a reabertura e passa também por requalificar a comunicação, requalificar os outros espaços que têm que estar à altura da melhoria de todo o piso intermédio. O museu está fechado ao público, mas não está parado. O que está a acontecer, além das obras em si, nestes meses? Nós prevemos que o encerramento durará cerca de um ano, e durante esse ano temos, num primeiro momento - que é o que está a acontecer agora - que acondicionar toda a coleção para fazer este longo sono até à reabertura. Mas não é sono nenhum, porque é um momento de conservação da coleção. Há intervenções que passam, na maioria dos casos, por limpeza, mas também por pequenas intervenções de conservação e restauro, passa pelo estudo das coleções e, em função disso, conseguir depois trabalhar melhor na comunicação. Esta vai passar não só pela oferta ao nível da mediação cultural, que queremos renovar e tornar mais diversa e abrangente, mas também ao nível da produção de várias formas de transmissão de conhecimento - há algumas publicações na calha, vai haver também a preparação de exposições para os anos seguintes. Há um trabalho de preparação que este momento de aparente letargia, que não o é de todo, vai permitir aprofundar. Mas um dos focos, é que temos que continuar a estar presentes, não só aqui, mas sendo um museu nacional, a nível nacional e internacional. O internacional tem outras características, mas, a nível nacional, quisemos realçar uma característica deste museu que é: o Museu Nacional de Arte Antiga tem obras espalhadas por todo o país. Desde o início do século XX que há muitos museus e outras instituições que beneficiam do facto das nossas coleções que são muito grandes, não poderem estar expostas aqui nos nossos espaços. E isso, muitas vezes, não é conhecido ou está esquecido. A partir desta semana, vamos anunciar uma campanha de comunicação que se chama MNAA ESTÁ AQUI, e que, com cerca de dez âncoras no território, vai chamar a atenção para alguns dos museus que são recetáculos dessas coleções. Entendemos fazer um mapeamento do país todo, excluindo Lisboa e Porto. E dir-me-á porquê, e se calhar a explicação tem a ver com a diretora [risos] que não é de Lisboa e que, vivendo durante muitos anos fora, entende que é mais fácil chamar a atenção para o que acontece em Lisboa e no Porto, mas é importante chamar a atenção para o muito que existe nos outros territórios. É isso que queremos fazer: chamar a atenção para peças de muito boa qualidade, que estão por todo o território nacional, à guarda de equipas de excelência. Uma das exceções é Bragança, e é por lá que nós vamos começar. A 14 de novembro vai reinaugurar o Museu do Abade de Baçal, também com uma exposição do Museu Nacional de Arte Antiga, que essa sim foi feita expressamente para esta ocasião. Não tínhamos esta dimensão no extremo norte transmontano, e não podíamos deixar de estar em Trás-os-Montes. A 14 de novembro vamos ter então uma exposição que se chama Olhar Portugal, e que cruza as coleções do MNAA com as coleções do Museu do Abade de Baçal.Nesse caso, a coleção foi criada especialmente para esta ocasião, nos outros são peças que já estavam nesses locais. Há mais alguma exceção? Sim, há mais uma exceção. Mas vou começar pelo norte, em Guimarães, no Paço dos Duques, são peças que estão lá desde os anos 1940, 1950. Em Aveiro, há uma grande coleção de pintura, no Museu de Aveiro. A lógica foi não só serem museus, que têm boas práticas de segurança e de conservação, mas também diversificar o tipo de coleções, não é só escultura, não é só pintura. No caso de Leiria temos cerâmica e vidro. Em Castelo Branco são os têxteis, são as colchas de Castelo Branco. Continuando a descer, no Crato há uma exposição de escultura medieval, na Flor de Rosa. Em Palmela é uma coleção de escultura que está associada ao tema de Santiago, uma vez que era essa a figura que presidia àquele espaço patrimonial. Depois Vila Viçosa, porque o Museu Nacional de Arte Antiga tem uma grande coleção de armas, e é lá que está. Entretanto, não queríamos deixar de estar no Algarve e, portanto, vamos fazer uma exposição em Faro, em colaboração com o museu, essas também criadas especificamente para tal. E depois, as ilhas. No arquipélago da Madeira e Porto Santo, estamos no Palácio de São Lourenço, e nos Açores, no Museu de Angra do Heroísmo. Portanto, vamos estar no país todo. .No âmbito do PRR foi atribuído um financiamento de 6,57 milhões de euros para intervenções no MNAA... Vai aumentar, talvez. Como definiria essa verba em relação às necessidades do museu?Nós temos necessidades de conservação do edifício identificadas há muitos anos e o PRR vai-nos permitir responder a algumas delas. A requalificação do piso intermédio é uma necessidade sentida já há muito. Evidentemente, as verbas são generosas, mas sabemos que não respondem a tudo aquilo que seriam as nossas necessidades, até porque, por razões que têm a ver com a conjugação de demasiadas obras ao mesmo tempo, de falta de mão de obra, de capacidade, há muitos concursos que vão ficar vazios. Noutra circunstância, se calhar conseguiríamos rentabilizar melhor estas verbas. Mas temos que aproveitar o momento e temos muita sorte por, apesar de tudo, ser possível concretizar estas obras.Houve um adiamento do início das obras, porquê?O adiamento foi porque os concursos ficaram vazios. Apesar de o PRR ter tido início já em 2022, as coisas acabaram por vir a acontecer muito tarde. E isso tem consequências. O que vai acontecer é que muitos dos museus e dos monumentos portugueses vão ter obras a decorrer em simultâneo, o que é mau por todas as razões.Nestes meses, os funcionários do museu continuam todos a trabalhar?Está toda a gente a trabalhar, porque temos uma dimensão de conservação e restauro muito significativa e tudo isto vai continuando, aliás, até é mais exigente neste período em que estamos encerrados. Estamos aqui sentadas em frente dos Painéis de São Vicente, que continuam a ser restaurados. Nós queremos muito - até porque temos esse compromisso com a Fundação Millennium BCP, que é o nosso mecenas para a conservação e o restauro - que quando o museu reabrir os Painéis estejam prontos. Sem a Fundação teria sido complicado que muitos destes grandes projetos de restauro pudessem ter ido para a frente, o caso dos Painéis é o mais evidente, mas não é o único.Falou dos Painéis de São Vicente, da Custódia de Belém, também as Tentações de Santo Antão e muitos mais, o MNAA acolhe obras que marcam todos os portugueses e fazem parte da nossa história e da história do mundo. Como é ser a guardiã destes tesouros?É uma imensa responsabilidade, uma responsabilidade gostosa, mas muito grande. Esta é uma casa que eu conheço há muito tempo, desde sempre, desde que trabalho na área dos museus, e já lá vão umas décadas largas. É a casa de referência absoluta, e é a casa onde eu sempre encontrei acolhimento, aliás, boa parte dos colegas que aqui estão são conhecidos de longa data. Porque é a casa onde todos nós que trabalhamos nos museus em Portugal, particularmente nos museus de arte, sabemos que encontramos o apoio e a referência para estudos, para conselho, para os trabalhos que queremos desenvolver nesta área, é incontornável. Lembra-se da primeira vez que visitou o MNAA?Enquanto visitante, lembro-me que era criança, adolescente, com os meus pais. Depois, durante a faculdade, e eu sou de História, não sou de História de Arte, vinha cá para fazer os trabalhos, a biblioteca do museu sempre foi e é uma referência absoluta nesta área, como a Gulbenkian, mas a Gulbenkian é mais a vertente internacional, aqui é mais a vertente nacional. É impossível estudar História de Arte em Portugal e não passar por esta biblioteca, e foi o que eu fiz. Enquanto profissional de museu, tive o imenso privilégio de fazer parte da equipa da Europália, que aconteceu em 1991. Nesse ano, Portugal esteve num grande festival na Bélgica, e esse foi um dos momentos mais importantes de impulso para o trabalho nas coleções dos museus em Portugal. Eu fiz parte dessa equipa, que era liderada pela Dra. Simonetta Luz Afonso, uma mulher de energia notável, que conseguiu o impossível, que foi colocar em Bruxelas milhares de peças do que de melhor se produziu em Portugal nos últimos mil anos. Foi nessa altura que, de forma mais intensa, eu passei a frequentar esta casa. .Assumiu funções em março, nos meses em que o museu ainda esteve aberto, quem eram os visitantes: mais portugueses, muito estrangeiros, muitas escolas? Mais jovens, menos jovens? Eu apanhei um momento já atípico. Porque foi o momento em que fechou a Galeria de Pintura Europeia. Que depois reabriu. Como foi adiado o encerramento, decidi que tínhamos que reabrir, pelo menos parcialmente. Nós temos duas vertentes de público muito presentes. Por um lado, as famílias portuguesas, porque este é o espaço onde a memória nacional é vivida. E os estrangeiros que vêm em busca de obras de referência absoluta que nós temos neste museu. E essas obras são portuguesas, mas também estrangeiras. E por isso a necessidade de reabrir o espaço onde estão o Bosch, o Dürer, o Piero [della Francesca], o Rafael, etc. Que são obras de referência absoluta em qualquer museu do mundo e que este museu tem a sorte de acolher. Há essa vertente de visitante internacional que vem procurar não só aquilo que são as obras de referência internacional, mas muito daquilo que é específico das nossas coleções. Depois há a componente mais de formação, as escolas, as universidades, que acabou por ter sido mais afetada por este fecha, não fecha.Disse várias vezes que o Louvre e o Victoria & Albert são os seus modelos para o MNAA. Quais os melhores exemplos e as melhores práticas destas duas instituições que gostaria de trazer para o museu?O Louvre é, quase desde o momento fundacional desta casa, a referência. Nós tínhamos uma cultura profundamente francófona. E era esse o modelo aqui praticado, foi esse o modelo seguido pelos meus antecessores mais longínquos, o Dr. José de Figueiredo, o João Couto, que procuraram trazer para este museu muitas das boas práticas que aí eram implementadas. O curso dos conservadores do museu, por exemplo, era feito à semelhança do que acontecia na escola do Louvre. E aí está uma das coisas que eu gostaria de trazer de novo para o MNAA. Há uma prática, não é só aqui, nas bibliotecas, nos arquivos, em todas as áreas da cultura e também em todas as outras, que só se aprende verdadeiramente no trabalho do quotidiano. E é isso que pretendemos voltar a construir. Já estamos a fazê-lo. Vamos ter já um primeiro curso na área da gravura na próxima semana. Portanto, o Louvre continua a ter essa dimensão de referência. O Victoria & Albert, porque é o grande museu de artes decorativas e muito daquilo que é a forma de olhar, em muitos aspetos, pioneira para as outras coleções, as outras produções, as outras culturas, começa a ser presente no Victoria & Albert desde o primeiro momento, desde as grandes exposições mundiais que dão origem àquele museu e que, de alguma forma, acabam por dar origem também ao Museu Nacional da Arte Antiga, porque foi a grande exposição retrospetiva da arte ornamental portuguesa que acaba por concretizar a ambição de muito tempo que havia em Portugal de ter um museu de arte antiga. Portanto, essas duas instituições estão desde o primeiro momento, enfim, na génese desta casa..Quando o museu reabrir, vai também ter uma preocupação renovada com novas formas de apresentar uma coleção, de tocar novos públicos?Se já havia algum caminho feito, a pandemia veio alterar muito os hábitos de consumo. Também é verdade que, ao contrário do que muitos pensaram, veio provar que a dimensão sensorial é fulcral naquilo que é o ser humano e na sua relação com a sua envolvente. Portanto, os museus não perderam de todo a atração, até foi o contrário. É claro que nós temos uma dimensão digital crescente, que fazemos intenções de aprofundar. Na própria vivência do museu, vamos tentar desenvolver mais ferramentas, até porque isso permite não só trazer novos públicos, mas também públicos com necessidades diferentes. Sabemos que temos que ser mais inclusivos. Aliás, assumimos esse compromisso no dia do encerramento, com o painel que tínhamos lá em baixo em que pedíamos às pessoas, ponham um post-it e digam o que querem encontrar no museu quando ele reabrir. Não foi só uma encenação, queremos, de facto, ver qual a melhor forma de interpretar o desejo daqueles que estiveram connosco naquele último fim de semana e tentar trazer essas novas dimensões respeitando aquilo que o museu sempre foi e que nos torna tão presentes e torna presentes as instituições museológicas que é esta capacidade intemporal. Esta permanência. Nós somos instituições de memória e não se compreende que uma instituição de memória não preze a sua memória.Em plena pandemia escreveu à então ministra da Cultura, Graça Fonseca, que era “urgente uma estratégia nacional para o património cultural”. Passado estes anos, como é que estamos nessa matéria?Eu na altura era presidente do ICOM Portugal [a ala portuguesa da maior organização internacional de museus e profissionais de museus] , e como tal tinha a obrigação de falar em nome de todos os museus portugueses, todos os futuros profissionais de museu. Foi nessa altura que foi iniciado o inquérito aos museus, do que resultou aquele relatório, e de todo esse trabalho de reflexão surgiu a criação da Museus e Monumentos de Portugal. E acredito que é uma oportunidade para garantir um funcionamento dos museus nacionais mais consentâneo com a sua função na sociedade portuguesa. Mesmo assim, continuo a achar que não chega. É preciso mais, porque é por demais reconhecido o papel que o património cultural tem na sociedade, na formação das novas gerações, na garantia da coesão nacional. Também o papel económico, nós somos um país que cada vez mais tem fluxos turísticos. Já não somos um país de sol e praia apenas, somos um país que é reconhecido como detentor de uma cultura própria, distintiva e muitíssimo rica. Os museus são os porta-vozes, são os detentores dessa memória, e muito pouco é investido nos museus. O PRR vem tapar algumas dessas necessidades, mas é espantoso como há edifícios como o Museu Nacional do Azulejo, que recebe dezenas de milhares de visitantes por ano, e está num estado de conservação calamitoso. Primeiro que tudo é preciso que as nossas casas tenham dignidade e condições para receber as nossas coleções, portanto é preciso que as dotações para a cultura aumentem, porque não é um investimento sem retorno. E em último caso algumas destas instituições podem deixar de ter condições para cumprir o seu papel e isso é uma perda para todos nós.Uma provocação: museu preferido?Um que eu gosto particularmente é o López de Vega em Madrid. Durante muitos anos estive ligada às casas-museu, e portanto dizem-me muito pelo que transmitem da dimensão pessoal, humana, daquilo que é o património. Sempre que vou a Madrid, vou ao Prado, vou à Reina, vou às Colecciones Reales, mas nunca dispenso uma visita ao López de Vega..Segredos do Paço Ducal nos 90 anos da Fundação Casa de Bragança