"Este livro trata das mulheres que estiveram nas prisões do fascismo. É dedicado a todas as mulheres portuguesas que, no tempo da ditadura, estiveram nas prisões e contribuíram com palavras, com atos de resistência e de luta para que o 25 de Abril tivesse chegado. Também elas fizeram parte da resistência e o livro fala justamente disso. É uma homenagem às mulheres desse tempo". A explicação é dada ao DN por Carlos Mateus, dirigente da União dos Resistentes Antifascistas de Portugal (URAP), associação que lançou o livro "Elas estiveram nas prisões do fascismo"..Nesta obra podemos encontrar os nomes das 1755 mulheres que estiveram presas durante o Estado Novo e que constam dos ficheiros da PIDE que se encontram na Torre do Tombo. Fora desta lista estão os anos de 1926 a 1934 e todas as prisões feitas por GNR, PSP e Guarda Fiscal, que não terminaram na esfera da PIDE, mas que foram feitas por motivos políticos. Uma dessas 1755 mulheres surge logo na capa do livro: Albina Fernandes, mulher de Octávio Pato, com seu filho Rui ao colo. Albina foi presa pela PIDE a 15 de dezembro de 1961- Octávio Pato foi preso no mesmo dia, mas num local diferente - e levada para a Cadeia de Caxias com os dois filhos, Rui, então com dois anos, e Isabel, que com ela lá ficaram. Deitava-os no único divã e "descansava de joelhos no chão e com as mãos agarradas aos pulsos deles, para que não lhos tirassem", pode ler-se no livro, tendo por base uma descrição feita por Albina a Maria Rodrigues Pato, mãe de Octávio, a quem acabou por entregar as crianças. Foi julgada no ano seguinte e condenada, tendo estado presa na Cadeia de Caxias por seis anos e sete meses. Suicidou-se a 2 de outubro de 1970, aos 41 anos..Parte desta desta obra é também dedicada a outras mulheres, aquelas não tendo estado presas, "passaram vidas inteiras a correr para as prisões do fascismo para acompanharem os seus entes queridos, familiares, maridos, irmãos, e até identifica três casos muito concretos, que são paradigmáticos deste sofrimento", revela Carlos Mateus. Um desses casos é, precisamente, o de Maria Rodrigues Pato (1900-1984), "que caminhou durante grande parte da sua vida para as prisões porque os seus três filhos estiveram presos, o Carlos, o Abel e o Octávio, que é mais conhecido, e até a nora, Albina", recorda o dirigente da URAP. "O caso da Herculana de Carvalho é muito curioso porque visitou o seu filho no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, e falou lá com outros prisioneiros. Quando regressou ao continente, a Portugal, correu todo o país a visitar os familiares daqueles presos e a dar-lhes notícias seus seus entes queridos", prossegue Carlos Mateus. O filho de Herculana Carvalho (1900-1952) era Guilherme da Costa Carvalho, militante do PCP, que foi deportado para o Tarrafal a 17 de setembro de 1949..O terceiro caso é o de Flora Magro (1896-1980) que, durante mais de duas décadas, visitou muitas das prisões do país para acompanhar o filho, José Magro, mas também a nora Aida Magro, e o genro Joaquim Pires Jorge, todos eles militantes do PCP.."Depois tem também um capítulo dedicado à luta das mulheres através das organizações que foram constituindo e que vêm dos anos 60 até aos nossos dias, como o MDM-Movimento Democrático de Mulheres, que ainda hoje existe e bem, e que se vai fortalecendo e que tem muita importância na luta das mulheres pelos seus direitos, pela igualdade e equidade na nossa sociedade", refere o dirigente da URAP..Este livro, de acordo com Carlos Mateus, não pretende ser uma obra histórica, mas sim de informação sobre "a situação e o estatuto da mulher no período da ditadura" e que deixa claro "toda a subalternização da mulher através da Constituição fascista de 1933". Mas a verdade é que o trabalho de pesquisa feito pela URAP nos ficheiros da PIDE na Torre do Tombo já começou há vários anos - inserido no que chamaram de Projeto Alfredo Caldeira, o preso número 1 dos arquivos - e já deu origem a várias publicações, estando na calha a publicação de outras obras. "Temos um livro, que já vai na 5.ª edição, sobre Peniche e que tem lá todos aqueles que foram identificados como tendo estado presos em Peniche. Depois temos um outro sobre o MJT-Movimento da Juventude Trabalhadora, que persistiu até 1976. Depois lançámos este livro sobre as mulheres, do qual vamos lançar agora a 3.ª edição. Em maio, vamos fazer a apresentação na ilha Terceira do livro dos presos de Angra do Heroísmo. E depois, oportunamente, vamos apresentar o livro sobre Caxias, que é a prisão que teve o maior número de prisioneiros ao longo daqueles anos", adianta Carlos Mateus..O livro "Elas estiveram nas prisões do fascismo" foi apresentado este sábado na Biblioteca Municipal do Pinhal Novo, uma das várias apresentações públicas que a URAP já fez e ainda tenciona fazer desta obra. "Vamos fazendo isto por todo o país, mostrando aquilo que o livro revela e tendo sempre a curiosidade de que daquelas mulheres que estão referidas no livro há sempre alguém do concelho onde nos encontramos. Por exemplo, há 18 que são de Almada, o concelho onde resido", explica o dirigente da URAP..ana.meireles@dn.pt