Realizado pelo belga Joachim Lafosse, o filme Um Silêncio (revelado no Festival de San Sebastián de 2023) mantém-se fiel ao seu título. De facto, o motor da história funciona, paradoxalmente, como um verdadeiro travão dramático. A saber: enquanto o dr. François Schaar (Daniel Auteuil), advogado, enfrenta acusações que o podem conduzir à prisão, a sua mulher, Astrid (Emmanuelle Devos), conhecedora do seu comportamento e do fundamento de tais acusações, mantém-se fechada no seu silêncio radical.Os filhos do casal surgem, aliás, como espelho, também paradoxal, de uma crise familiar que, em boa verdade, os meios de comunicação mais agressivos já transformaram num espetáculo obsceno fabricado em nome da “informação”. Caroline (Louise Chevillotte) sabe das responsabilidades do pai e afastou-se da vida familiar, enquanto Raphaël (Matthieu Galoux) parece viver a sua condição de adotivo como uma angústia suplementar face ao que vai intuindo para lá do silêncio da mãe...Tendo em conta o eventual espectador do filme, torna-se imperioso não revelar mais do que é jornalisticamente razoável (para quem estiver interessado em antecipar algumas informações, podemos lembrar que se trata de uma ficção inspirada no caso verídico do advogado belga Victor Hissel). Digamos, então, que estamos perante uma teia de mistérios típicos de um enredo mais ou menos policial (“que aconteceu realmente?”) que se vai transfigurando num pesadelo moral (“por que é que ninguém diz aquilo que sabe?”). A personagem de Raphaël funciona, assim, como uma espécie de enviado do próprio espectador, não desistindo de formular as perguntas que se impõem.Um Silêncio possui o saber e a competência de um certo cinema francófono (esta é uma coprodução Bélgica/França/Luxemburgo) que nunca desistiu de explorar as potencialidades do melodrama familiar - no domínio especificamente francês, Claude Sautet (1924-2000) será um nome que faz sentido evocar. Mais do que isso, este é um modelo de produção que continua a valorizar o trabalho dos intérpretes, mesmo se Daniel Auteuil está limitado pelo tratamento da personagem de Schaar como um “eco” difuso das inquietações dos outros - em qualquer caso, Emmanuelle Devos é, como sempre, admirável.Resta perguntar que relação o filme pode estabelecer com o espectador quando a sua estratégia consiste em ocultar o mais possível os factos (ou até mesmo os indícios) que justificam o clima de mal-estar que, desde a primeira cena, define a família Schaar. Se havia a intenção de criar um certo suspense emocional, então é forçoso lembrar que tal efeito só pode resultar de alguma partilha de informação, mesmo ambígua ou até perversa - vale a pena revisitar Hitchcock e as suas lições narrativas. .'A Grande Ambição'. Como fazer um retrato do comunismo?.'De Hilde, Com Amor'. Uma história de amor assombrada pelo nazismo