Falemos de romantismo cinematográfico. Num sentido muito básico, mas com longas e respeitáveis raízes culturais em diversos contextos de produção (europeus e americanos). Falemos do jogo de relações humanas que se exprime na tradição do melodrama, quer isso aconteça através do negrume da tragédia, quer seja tratado com a ligeireza contagiante que a comédia pode conter. Comédia romântica, portanto — é isso mesmo que reencontramos, com agilidade e talento q.b., na produção francesa Três Amigas, com assinatura de Emmanuel Mouret. Evitemos, por isso, começar pela rotina de descrever a história que se conta (na certeza de que o mais importante é sempre o modo como está contada). E não deixemos para o fim aquilo que, de Katharine Hepburn a Isabelle Huppert, passando por Cary Grant ou Anna Magnani, sempre foi essencial na tradição melodramática. A saber: o valor intrínseco dos intérpretes. Assim acontece em Três Amigas, através da subtileza e do humor das composições de Camille Cottin, Sara Forestier e India Hair. Cottin será a mais internacional do trio, tendo participado em títulos como Aliados (Robert Zemeckis, 2016), com o par Brad Pitt/Marion Cotillard, e Casa Gucci (Ridley Scott, 2021). Quanto a Sara Forestier, vimo-la em A Esquiva (Abdelattif Kechiche, 2003), As Ervas Daninhas (Alain Resnais, 2009), ou Roubaix, Misericórdia (Arnaud Desplechin, 2019). Finalmente, India Hair integrava o elenco de Na Vertical (Alain Guiraudie, 2016), surgindo também no admirável Jeunes Mères, dos irmãos Dardenne, premiado esta ano em Cannes, com estreia portuguesa agendada para dezembro. As suas personagens são-nos reveladas no interior de um labirinto de relações típico deste género de filmes. Podemos condensá-lo num esquema sugestivo, também tradicional: A ama B, mas B ama C... com as coisas a complicarem-se quando C é marido ou mulher de A... O que, apesar de tudo, distancia Três Amigas das soluções narrativas mais frequentes deste tipo de intrigas é o facto de o essencial da acção passar pelas palavras. O que, bem entendido, nos exige que não apliquemos tal palavra (ação) como se só acontecesse alguma coisa de cinematograficamente interessante quando o sopro de um qualquer super-herói reduz a cacos uma cidade inteira... Alice, Rebecca e Joan (Cottin, Forestier e Hair, respectivamente) dialogam entre si a partir de uma sinceridade cuja transparência começa a vacilar quando se encontram duas a duas — e escusado será dizer que os arranjos possíveis condicionam a evolução dos acontecimentos. Não é tanto uma questão de proliferação de mentiras (que também é...), mas sim a prova muito real de que aquilo que se diz, mesmo investido da máxima depuração ou franqueza, está sempre marcado pelo contexto em que é dito. Daí também a insólita ambivalência introduzida pela figura do narrador, Victor (Vincent Macaigne), marido de Joan. Porquê ambivalência? Interdito dizê-lo, sob pena de roubar ao espectador a possibilidade de uma relação “virginal” com as peripécias narradas. Palavras e desejos Na sua singeleza, obviamente alheia a retóricas e sublinhados “telenovelescos”, Três Amigas é também um filme sobre um cenário afetivo e social em que as relações amorosas revelam muito daquilo que as personagens são, mas ainda mais daquilo que imaginam ser — com um sorriso capaz de evitar derivações demasiado cruéis. Nesta perspectiva, mesmo considerando as devidas distâncias, Emmanuel Mouret não deixa de ser um herdeiro de um certo cinema francês que, de Jean Renoir a Eric Rohmer, sempre soube trabalhar os diálogos como matéria de exuberantes contrastes e contradições. Dito de outro modo: as teias dos desejos passam sempre pelas palavras, mesmo (ou sobretudo) quando as palavras parecem escassas para dizer tudo o que os desejos podem conter.