Tiago Bettencourt não tem método para criar canções, às vezes aparecem acordes, outras vezes poemas, os registos vão ficando gravados no telemóvel e as letras escritas em cadernos ou no computador, muitas ideias perdem-se. Há, no entanto, algo que é recorrente antes de cada novo álbum - uma grande viagem. “Normalmente faço estas viagens sozinho com uma guitarra pequenina. E escrevo bastante”, diz Tiago Bettencourt ao DN. O álbum Foz, o oitavo na sua carreira a solo que é lançado esta sexta-feira em todas as plataformas digitais, não foi exceção. O músico andou um mês a viajar pela Argentina antes de fazer uma residência de duas semanas na Suíça, em Bruson, num chalé de montanha rodeado de neve. Foi ali que o novo trabalho ganhou forma. “Foi muito inspirador. Acho que foi nestes 15 dias que eu comecei a perceber o caminho das canções, como é que eu as ia vestir, porque até ali eu tinha as canções só à guitarra.”O artista, que iniciou a carreira musical com os Toranja e o sucesso Carta, e que depois seguiu uma carreira a solo, apresenta hoje, dia 6 de novembro, o novo álbum num concerto no Convento de São Francisco, em Coimbra - por acaso a cidade onde nasceu -, e nos próximos dias 18 e 20 de dezembro no Sagres Campo Pequeno, em Lisboa, e na Super Bock Arena, no Porto.No alinhamento estarão canções do Foz, mas não exclusivamente. “Não, não faria isso às pessoas. Num concerto grande é preciso ter a noção de que vão lá pessoas que nem sequer vão saber que eu lancei o novo álbum. Por isso vai ser sempre uma mistura. Vamos tocar algumas músicas novas e vamos tocar as músicas mais antigas”, diz Tiago Bettencourt. .Num concerto grande é preciso ter a noção de que vão lá pessoas que nem sequer vão saber que eu lancei o novo álbum. Vamos tocar algumas músicas novas e vamos tocar as músicas mais antigas.Mas há pelo menos um grupo de cerca de mil pessoas que desde o dia 27 de outubro têm vindo a ouvir uma canção por dia das 11 que compõem o novo álbum. Aderiram a um grupo criado pelo músico no WhatsApp para promoção do disco. “Há uma plataforma que estou a usar a que ninguém tem acesso a não ser as pessoas que tenham o link que está no WhatsApp. Vou pondo uma música por dia nessa plataforma, e antes ponho a letra e um comentário à música. E está a ser muito interessante. É uma coisa meia íntima. É quase como dar um concerto”, diz. “É giro ter aquele grupinho que está interessado e que está a ouvir comigo devagar cada música. O que é uma coisa bastante retro, não é? Ouvir música uma a uma e dar valor a cada música nem que seja uma por dia”. .Cada uma das canções vale por si, o álbum, que sucede a Rumo ao Eclipse, de 2019, não tem um tema, o fio que as liga é a sonoridade. “Foi gravado na sala de ensaio, é um álbum muito eletrónico, foi coproduzido pelo Fred Ferreira e misturado pelo Charlie Beats, que é uma pessoa com quem eu nunca tinha trabalhado. E isso dá origem a um som muito específico. E acho que é isso que une as músicas todas. Não as letras. É um álbum de canções com uma roupagem mais eletrónica do que eu costumo fazer.”O interesse do artista pela eletrónica começou há mais de uma década e tem vindo a ganhar espaço no seu trabalho. “Era uma música que não me dizia muito, e depois descobri que era todo um universo. E lembro-me que quando estava a gravar o álbum Do Princípio (2014), que é o álbum da Morena e da Maria, comprei o meu primeiro sintetizador. E aí começou um longo percurso na música eletrónica, que tem a ver com comprar cada vez mais máquinas e gostar de aprender a trabalhar com elas. E depois vêm os beats e as drum machines e tudo quanto existe. E uma pessoa perde-se um bocado nesse mundo. Já no álbum A Procura (2018) trabalhei muito com a eletrónica. Neste aqui, a coisa foi mais funda, porque fiz o álbum muito sozinho na minha sala de ensaio”. .Eu gosto muito de canções, tento nunca estragar as canções. Se calhar é experimental [o novo álbum], porque hoje em dia o pop está limitado. Então, quando uma pessoa sai do usual, parece uma coisa experimental. Mas não é. Apesar disso, numa fase mais adiantada do trabalho, Tiago Bettencourt recorreu ao produtor Fred Ferreira (e baterista dos Orelha Negra), com mais experiência em música eletrónica. “Chegou uma altura final do álbum que eu percebi que precisava de alguém que tivesse soluções que eu não sabia que existiam, em termos de transições, em termos de sons. E então fui ter com o Fred e fizemos a reta final deste álbum juntos.”Há duas colaborações neste disco. A terceira música, Montanha tem uma pequena participação da fadista Raquel Tavares. “Queria um sample para o refrão de um fado que eu estava a ouvir, mas ele não existia. E então resolvi simular um com a Raquel”. E a letra da última música, Não sei, foi escrita por Milhanas. “Foi a Milhanas até que me convidou para fazer uma coisa com ela. E depois mostrou-me um texto pequenino que ela tinha de que gostei muito, e acabei por fazer uma música com esse texto”. .Tiago Bettencourt rejeita que seja um álbum mais experimental do que os anteriores. “Eu gosto muito de canções, tento nunca estragar as canções. Se calhar é experimental, porque hoje em dia o pop está limitado. Então, quando uma pessoa sai do usual, parece uma coisa experimental. Mas não é. Eu quero fazer canções e quero que as canções soem o melhor possível.” Tiago Bettencourt diz ter a noção de que “se começasse hoje a fazer a música que estou a fazer, ia ser um artista bastante mais alternativo em termos de público do que sou”. O músico, com mais de duas décadas de carreira, considera que “o mercado está muito mais agressivo”, e “as músicas estão muito menos exigentes em termos de letras e de composição. São muito simplistas”. Um cenário, defende, que “também afeta os ouvidos dos ouvintes. Este estado do pop também tem a ver com a falta de exigência do público, que aceita estas músicas que há dez, vinte anos, era impensável alguém ouvir.”.Portugal só sabe exportar fado. O fado entra no mercado da world music que tem um público muito vasto. Não há propriamente um mercado para a música portuguesa.Depois de Coimbra e ainda antes dos grandes concertos em Lisboa e Porto no próximo mês, tal como é habitual no final de cada ano, Tiago Bettencourt vai a Londres, ao Jazz Café (no dia 7 de dezembro), mas sem ilusões quanto à internacionalização. “Eu gostava muito, mas é muito difícil, porque eu não toco fado. E Portugal só sabe exportar fado. O fado entra no mercado da world music que tem um público muito vasto. Não há propriamente um mercado para a música portuguesa”. Quanto ao Brasil, diz que o país que fala a mesma língua “não quer saber dos artistas portugueses. É uma utopia. Nós crescemos a ouvir música brasileira, mas eles não crescem a ouvir a nossa e estão com a porta muito fechada. A Portugal sempre tiveram a porta fechada”. Por isso, assume: “Já passei a idade de querer trabalhar muito numa carreira internacional. Agora estou mais em paz aqui. Gosto de fazer os meus ‘concertinhos’ e de estar aqui perto das pessoas de quem gosto. Já não tenho essa ambição de passar a minha vida a viajar pelo mundo e a não ter vida cá. Gostava muito que acontecesse, mas pontualmente”.Desde o final do ano passado que Tiago Bettencourt tem percorrido o país com a digressão Fio da Navalha. Mais uma vez, num registo intimista, em que os fãs são convidados a participar fazendo pedidos de músicas com ou sem dedicatória que depois são sorteados e as canções tocadas nos espetáculos. “Foi a primeira digressão que eu fiz sozinho e achei que tinha que fazer qualquer coisa diferente. E tive essa ideia. E resultou muito bem. Acabei por fazer também o Coliseu e a Casa da Música com esse conceito”.O músico diz que se sentiu como “uma espécie de canal do amor “. “Havia dedicatórias não só com muita piada, mas dedicatórias muito profundas. E que levavam o concerto para sítios muito mágicos e muito íntimos. Porque os dedicatórias não eram para mim. Eram para alguém que estava ali na sala, ou para alguém que já cá não estava. E isso foi muito bonito. Foi muito especial.”.Dino D'Santiago: “Só em Cabo Verde é que eu senti que entrava numa loja sem ninguém vir atrás de mim” .Valter Hugo Mãe: "A verdade é muito digna. Mas eu trocaria a verdade por um verso"