Cate Blanchett e Michael Fassbender: verdade ou traição?
Cate Blanchett e Michael Fassbender: verdade ou traição?

Steven Soderbergh. As tragédias da verdade e da mentira

Steven Soderbergh continua a explorar temas ligados à herança clássica de Hollywood. No caso de Black Bag, a partir de hoje nas salas, propõe uma admirável variação sobre o mundo dos agentes secretos.
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Para falarmos de um cineasta como Steven Soderbergh, apetece dizer que temos que ser velozes... Há apenas três semanas chegava às salas A Presença, revelado no Festival de Sundance de 2024, uma variação brilhante sobre cenários e narrativas de muitos filmes de terror das últimas décadas. A partir de hoje, podemos descobrir Black Bag, um festivo “thriller” sobre o mundo da espionagem e dos agentes secretos, neste caso desfrutando de um lançamento global, quanto mais seja por causa do valor comercial e simbólico dos nomes que lideram o elenco: Cate Blanchett e Michael Fassbender. 

Nascido em 1963, em Atlanta, Georgia, Soderbergh é um artesão à moda antiga que soube consolidar uma sofisticada estratégia artística e financeira. De tal modo que conquistou um estatuto que lhe permite oscilar entre as produções minimalistas, radicalmente independentes (a começar pela sua primeira longa-metragem, Sexo, Mentiras e Video, Palma de Ouro de Cannes/1989) e os filmes que integram verdadeira estrelas (incluindo a série iniciada com Ocean’s Eleven, em 2001, com Brad Pitt e George Clooney). 

Agora, além de Blanchett e Fassbender, o facto de encontrarmos no elenco Pierce Brosnan, ainda que num pequeno papel, também não será coisa indiferente. Brosnan surge, afinal, como uma memória do universo do Agente Secreto 007 (Die Another Day, em 2002, foi a sua derradeira composição como James Bond), de algum modo ilustrando a dimensão mais visceral de muitas realizações de Soderbergh: ele é um explorador incansável das potencialidades dramáticas e espectaculares dos géneros clássicos do cinema de Hollywood. 

Soderbergh define-se como um cinéfilo, mas não um copista. Ao contrário dos cineastas contemporâneos que se limitam a exibir um certo “saber” recheado de citações mais ou menos exibicionistas de alguns clássicos, o autor de Black Bag encara cada género que aborda como uma variação sobre as muitas tragédias (por vezes, insolitamente cómicas) que assombram os frágeis humanos. Ou se quisermos sublinhar a filosofia de tudo isto, perguntaremos: que acontece nas trocas humanas? Qual o valor de cada gesto? Como é que as palavras significam? 

Atente-se na expressão do título: “black bag” surge como uma forma irónica de designar aquilo que cada agente secreto não pode revelar a mais ninguém, mesmo ao mais próximo parceiro de trabalho — colocar as coisas numa “mala preta” significa, pura e simplesmente, não as partilhar seja como quem for. Dito de outro modo: através da frieza irónica das situações, Black Bag apresenta-se como uma desencantada deambulação sobre os circuitos perversos da verdade e da mentira. 

Como o trailer esclarece, o lançamento da intriga do filme duplica a sua perversidade: George (Fassbender) e Kathryn (Blanchett), os dois agentes apostados em descobrir a identidade do traidor infiltrado na sua célula, são... marido e mulher. A pergunta óbvia surge de imediato, sem qualquer ambiguidade: será que um deles terá que aniquilar o outro? Sem esquecer que, na intimidade do seu quarto, George diz a Kathryn: “Faria tudo por ti.” Ela responde-lhe com uma pergunta: “Farias mesmo?” 

Fotografia & montagem 

Não haverá nenhum filme de Soderbergh que utilize os recursos técnicos, incluindo os que são gerados pela mais moderna tecnologia, como banal matéria de ostentação, até mesmo quando aborda os efeitos práticos das novas máquinas que habitam as nossas casas — recorde-se o exemplo, igualmente brilhante, de Kimi (2022), com Zoë Kravitz. O certo é que os seus filmes têm qualquer coisa de “one man show”, de tal modo ele se afirma como um criador implicado em todas as frentes de produção e rodagem. 

Lembremos, por isso, uma ironia completar a propósito de Peter Andrews  e Mary Ann Bernard, responsáveis pela fotografia e montagem de Black Bag (e de muitos outros títulos da sua filmografia). Quem são eles? Pois bem, pseudónimos do próprio Soderbergh. 

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