Pierre Lottin e Benjamin Lavernhe: "luta de classes" com música.
Pierre Lottin e Benjamin Lavernhe: "luta de classes" com música.

'Siga a Banda!'. A fábula social dos dois maestros

O filme francês Siga a Banda! encena a mútua descoberta de dois homens que não sabiam que eram irmãos, afinal aproximados pelo facto de terem ligações fortes com o universo musical.
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Muitas vezes reduzido a uma colecção de autores individualistas, marcados pelo espírito da Nova Vaga da década de 1960, o cinema francês merece ser olhado para lá de preconceitos, ideias feitas e, sobretudo, mal feitas. A começar pelo facto de a França continuar a possuir um lote de talentosos intérpretes, por vezes ligados a uma riquíssima tradição teatral. O filme Siga a Banda!, de Emmanuel Courot, surge como um bom exemplo de tal riqueza artística, inseparável de um singular património narrativo. 

Destaquemos, por isso, os dois intérpretes principais: Benjamin Lavernhe (que integra a Comédie Française) e Pierre Lottin. Conhecemos o primeiro de títulos como A Acusação (2021), de Yan Attal, ou Jeanne du Barry – A Favorita do Rei (2023), de Maïwenn; o segundo participou, por exemplo, em Graças a Deus (2018) e Quando Chega o Outono (2024), ambos de François Ozon — interpretam agora dois irmãos, Thibault e Jimmy, respectivamente. 

O ponto de partida de Siga a Banda!, sugestivo e paradoxal, envolve um pressentimento de tragédia que vai sendo resgatado por uma contagiante ironia. Assim, Thibault é um prestigiado maestro que, na sequência de um desmaio em pleno palco, sabe que sofre de leucemia. Necessitando de um transplante de medula óssea, encontra um dador compatível em Jimmy, funcionário de uma cantina escolar — acontece que Thibault e Jimmy são irmãos que não se conheciam, tendo sido adoptados por famílias diferentes... 

O filme vai expondo a “luta de classes” que se desenha entre os protagonistas, já que cedo se revelam os contrastes que decorrem do facto de terem crescido em ambientes sociais diferentes, quer pelas oportunidades de trabalho, quer pelos recursos financeiros. Ao mesmo tempo, nada disso se cristaliza no esquematismo preguiçoso de uma telenovela, até porque Jimmy não é estranho ao mundo da música: é mesmo o especialista do trombone na pequena banda de uma associação de operários... 

Com evidentes componentes dramáticas, Siga a Banda! é também um filme de humor jovial em que a música (de Beethoven a Aznavour!) surge, não como um universo abstrato, antes como matéria “infiltrada” no sistema de relações familiares e laborais em que vivem as personagens. Nesta perspetiva, podemos também dizer que Lavernhe e Lottin são herdeiros de um património plural de representação em que podemos reconhecer atores como Jean Gabin, Fernandel, Jean-Paul Belmondo ou Yves Montand. 

Nomeado para sete Césares do cinema francês (não ganhou nenhum), Siga a Banda! é também um filme capaz de integrar e dar a ouvir as peças musicais que utiliza, não como banais clichés nostálgicos, antes como matéria viva das relações humanas. Em tempos de tanto ruído mediático, essa é também uma forma de pedagogia audiovisual. 

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