Seth Rogen e o aroma estragado do pickle

Seth Rogen em papel de duplo de bisavó e bisneto numa comédia que chega amanhã à HBO Portugal. A<em>n</em><em> American </em><em>Pickle</em> é uma crónica de costumes sobre os clichés da cultura "hipster".
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Triste sina a de um filme cuja melhor piada apenas surge nos créditos finais. É o que acontece a An American Pickle, de Brandon Trost, comédia que chegou à HBO Max (em Portugal é a HBO Portugal quem a lança) a semana passada, uma das poucas longas-metragens originais do gigante do streaming.

Projeto cuja gestação do comediante Seth Rogen soa a empreitada de vaidade, An American Pickle baseia-se em Sell Out, pequeno conto de Simon Rich que conta a odisseia de um escavador polaco emigrado para os EUA em 1919. Durante um acidente de trabalho vê-se preso a salgar num tanque de pickles e, 100 anos mais tarde, acorda de lá sem envelhecer numa Brooklyn diferente. Hershell vai então confrontar-se com uma América diferente e bater à porta do seu bisneto, Ben, um "hipster" dos sete costados. O confronto de gerações descamba numa guerra familiar onde cada um vai querer provar ao outro como sobreviver numa sociedade de redes sociais, lucro consumista e populismo mediático. O bisavó torna-se figura pública por ser produtor de pickles cultivados com água da chuva mas o bisneto cedo faz com que as suas opiniões de judaísmo conservador se tornem polémicas e más para o negócio numa Nova Iorque refém dos ditames do politicamente correto.

Na teoria, Seth Rogen em papel duplo (a maior parte das cenas são através de efeitos visuais com o ator a contracenar consigo próprio - como avô tem barbas gigantes, como neto veste-se com as calças a saltar rio da moda e usa a camisa apertada até ao último botão) teria potencial para carregar às costas um objeto satírico que observa a dependência da nossa sociedade na futilidade das aparências e o peso dos costumes das práticas sociais conformistas (saber dizer as coisas certas no "tweet", alinhar na carneirada das comidas da moda, ser "empreendedor" com estagiários não remunerados, etc).

Na prática, por inércia do argumento, tudo tem uma boçalidade que nem provoca o sorriso. As situações de humor lembram o pior do humor judeu e a conclusão das mesmas é brusca e sem "finesse". Verdade, verdadinha, a fórmula da piada "kosher" fica sempre com as costuras à mostra do humor "hipsterizado", um pouco como uma atitude algo superior com a própria matéria que evoca. Na maioria dos casos, vai-se pelo caminho altivo da piada de judeus a brincar com o seu próprio mecanismo...

O que pontualmente resgate o filme é a forma como pela calada vamos ganhando afetos com as personagens. São as boas intenções de uma ideia de cinema que aposta numa modéstia narrativa de "low key" capaz de emparelhar bem com a própria noção de "short-story". Se há filmes que pecam por falta de ambição, aqui o contrário é um dividendo. Essencialmente, An American Pickle é sobre a imensa culpa das gerações de hoje em relação às gerações do antigamente. Para Rogen o elogio ao peso ancestral das coisas simples é coisa significativa. Com boa vontade, há aqui e ali motivos para não antipatizar totalmente com esta doce homenagem ao espírito do bom emigrante que fundou a América...

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