A Glória Efémera, a biografia de Egas Moniz que Paulo M. Morais escreveu após uma investigação de alguns anos, trazendo de volta ao palco a vida do primeiro Prémio Nobel português. Amaldiçoado pelo seu empenho em causas que não interessavam ao Estado Novo, Egas Moniz tem sempre sido suavizado – para não caracterizar como ignorado e adulterado – na sua posteridade, terminando agora essa situação com esta biografia. Já existiram tentativas anteriores, mas sempre demasiado “amigas” e escamoteando certas situações da sua vida (1874-1955).Após os dados biográficos iniciais da sua ascendência, da infância e da adolescência, o biógrafo avança até ao capítulo Órfão, médico e deputado, aproveitando o facto de ser “a família de Egas Moniz uma mão-cheia de memórias” e de o próprio recordado na sua sempre mista atividade de médico e de político, a princípio mais preocupado com a “Saúde Pública” e de seguida com as políticas do “reino”, seja a nível local como nacional, e em Espanha, por exemplo, através do seu livro Um Ano de Política. Outras das suas obras, a que mais polémica criaria ao autor foi o sucesso editorial de A Vida Sexual que pretendendo elucidar foi muitas vezes entendida por “devassidão”.O lado da vida de Egas Moniz, o da medicina que o levaria ao Nobel, é decerto o único dado de uma vida repleta de aventuras políticas e científicas pelo qual hoje ainda é reconhecido, 70 anos após a sua morte. Em duas centenas e meia de páginas esse lado é passado a limpo, analisadas as questões da lobotomia, e examinado o atentado com oito tiros disparados por um louco e que quase o matou. Ou seja, além desta biografia começar muito bem com a fotografia escolhida para a capa – ninguém conhece este rosto mais jovem de Egas Moniz -, fica o retrato biográfico definitivo do primeiro Nobel português. .GLÓRIA EFÉMERAPaulo M. MoraisContraponto670 páginasImaginação, Cores, Deuses, Viagens e Amores é o título do mais recente livro de Francisco Louçã, um “objeto literário” inesperado. Basta ler as duas páginas iniciais de Agradecimentos para essa surpresa ser percetível. Exemplos: “Frederico Lourenço ajudou-me a perceber os textos bíblicos”; "Tolentino de Mendonça guiou-me pela Biblioteca do Vaticano”, alguns entre muitos e uma bibliografia e notas de cem páginas. A imaginação, o que faz chegar a ela, a aumentar e a divergir para outras sensações é o tema deste ensaio que viaja entre Cervantes e Picasso, entre Bosch e Gauguin, entre Goya e Delacroix; entre Zola e Courbet, entre Gorki e García Márquez, entre Breton e Freud… a interpretação que se altera entre tempos dos mesmos escritos com o passar dos séculos, a revisão de que é "antigo", bem como de tudo o que foi criado pela imaginação, percorre este longo ensaio, que (quase) termina com uma conclusão intitulada “êxtase”, em que o amor e a paixão, a imaginação erótica que foge às instituições mais poderosas vence “o pecado original” e todas as “outras condenações”. Um texto indispensável e raramente escrito em Portugal, apresentado hoje pelas 18h30, na Fundação Gulbenkian pela escritora Lídia Jorge. .IMAGINAÇÃOFrancisco LouçãBertrand575 páginas Um Espião em Privado pode ser o único livro que John Le Carré não gostaria de ver publicado porque revela a sua correspondência pessoal, no entanto, após o seu biógrafo Adam Sisman ter referido que durante o segundo casamento foi infiel onze vezes pouco mais há a esconder. Este volume com quase 800 páginas é de autoria do seu filho Tim Cornwell, que justificou o seu conteúdo assim: “Este livro de cartas de John le Carré pretende partilhar a voz mais privada de um homem amplamente considerado como um dos maiores romancistas do pós-guerra.” Acrescenta: “Ao estimular os leitores a identificarem-se com as personagens, a linguagem e as labirínticas conspirações do seu mundo secreto. Há uma omissão evidente na coleção: contém poucos vislumbres de cartas às amantes, que não foram poucas ao longo da sua vida.” O género das cartas é muito diverso: umas intimistas, outras muito precavidas, algumas a pensar na posteridade, manuscritas na maioria, e muito pouco ligeiras de modo que nada permitisse segundas leituras. Quanto mais não seja, só a parte relativa ao espião duplo Kim Philby já justificava a leitura deste volume por parte de quem era seu fã e leitor. .UM ESPIÃO EM PRIVADOJohn le Carré e Tim CornwelD.Quixote774 páginasNovas Fases da Lua é o título que o escritor João de Melo decidiu dar ao seu Diário (2017-2024) e não se ficou pelas meias tintas que a maioria dos escritores portugueses que se decidem por esse género literário escrevem. Claro que faz uma radiografia ao seu corpo em mudança – “Diz o doutor: «São os remédios que toma»” -, ou cumprimenta os colegas escritores pelos seus sucessos – sem os irritar como teimava em fazer Vergílio Ferreira -, entre as muitas entradas deste diário. Contudo, da primeira à última página está sempre presente a ingratidão do ser humano para com o planeta que o engendrou e a tudo o que lhe faria falta para chegar ao estado civilizacional atual. Em vez de ser apenas um hino à felicidade, o que perpassa com demasiada visibilidade são as guerras, as disputas sociais, as ideologias aberrantes e que poderiam ter sido ultrapassadas pelo conhecimento e a ciência ao dispor da humanidade. Ainda há muito para aprender, afinal o que não falta é gente feliz com lágrimas, mesmo que o dia a dia mostre ao diarista uma outra realidade. .NOVAS FASES DA LUAJoão de MeloD. Quixote301 páginas Outras novidades literáriasAQUELE BELO KAVÁFISÉ muito difícil que um outro livro de poesia supere o que se traduz de novo por José Luís Costa e se imprime neste volume que reúne a obra completa do poeta egípcio K.P. Kaváfis. Autor que marca e é marcado por Alexandria, a sua relação com a palavra e a língua foi intensa e no posfácio de Tatiana Faia entendem-se as razões da “dependência entre poesia e memória e entre beleza e poesia e a nostalgia como ordem de expressão individual”. Sem dúvida a melhor opção deste ano na imensa edição publicada pela Assírio & Alvim. .AQUELE BELO RAPAZK.P. KaváfisAssírio & Alvim558 páginas PRÉMIO DE REVELAÇÃOA escritora vencedora do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís (edição 2024), Dulce Gonçalves, fecha o seu romance com a seguinte Nota: “A presente obra assenta em investigação cuidada e rigorosa de factos reais, cruzando fontes e dados públicos. Trata-se, contudo, de uma construção literária inspirada em acontecimentos e vivências de uma época concreta da nossa História”. O cenário é principalmente o do Estado Novo e de como a violência da ditadura fez contra a vida de cidadãos que queriam viver em liberdade. .O PROCESSODulce de Souza GonçalvesGradiva417 páginas.Painéis de São Vicente ganham nova vida no silêncio de um museu vazio