“O choque de A Quadrilha Selvagem [1969] não era apenas o que se via no ecrã, mas a nossa reação ao que víramos. Era belo e comovente. Havia beleza no facto de estes sacanas escolherem arriscar tudo por um membro do seu grupo, do qual nem sequer gostavam particularmente. Algo de monumentalmente masculino e profundamente maravilhoso na caminhada incomparavelmente gloriosa do bando para o seu destino/fatalidade (...). Algo de gratificante na falta de consideração do ato da carnificina (...)”. Assim descreve Quentin Tarantino, em Cinema Speculation, o efeito da descoberta de The Wild Bunch (A Quadrilha Selvagem), obra-prima de Sam Peckinpah que nos pode servir de entrada abrupta no espírito do ciclo “Era Uma Vez... o Western (Parte II)”. Ou não fosse um perfeito exemplar da mudança de valores dentro desse grande género americano.Deixando para trás os tempos dourados, então sinónimo de realizadores como John Ford ou Howard Hawks, o momento que esta segunda parte do ciclo da Cinemateca contempla é aquele que observa uma espécie de reconfiguração existencial do western, nos seus termos filosóficos e estéticos. Não no sentido de uma nova geração com novas regras, mas na medida de um processo de “envelhecimento natural” – nalguns casos, a passar mesmo pela presença de atores de referência envelhecidos, como John Wayne, Jimmy Stewart, Burt Lancaster, John Huston, Joel McCrea... –, que corresponde à perda do lustre clássico. Por outras palavras: aqui a figura do cowboy já não está imbuída do heroísmo doutrora e o Velho Oeste tornou-se mais sangrento, menos elegante na preservação de um imaginário.É, pois, com esta antecipação da melancolia que se percorre um programa repleto de filmes “obrigatórios”, em jeito de reflexão sobre uma certa identidade americana, sempre à beira do abismo. Já hoje, pelas 15h30 (repete dia 24), na sala da Barata Salgueiro, em Lisboa, outro filme de Peckinpah dá o tiro de partida: segunda obra deste cineasta explosivo, Os Pistoleiros da Noite (1962) inicia o canto fúnebre do dito Velho Oeste através da imagem nostálgica do pistoleiro, que, por assim dizer, desaparece de cena. Um adeus simbólico sete anos depois transformado em furor sangrento, no referido, e celebérrimo, A Quadrilha Selvagem... .Por falar em celebridade, outros títulos muito populares passam por estes dias na Cinemateca – entre Dois Homens e Um Destino (1969), de George Roy Hill, onde Paul Newman e Robert Redford ensaiam a modernidade do western (desde logo, a andar de bicicleta), e O Bom, o Mau e o Vilão (1966), de Sergio Leone, que contribuiu imensamente para a glória de Clint Eastwood, é possível descobrir ou revisitar uma energia menos americana e mais legível nas linhas do western spaghetti. De que Django (1966), de Sergio Corbucci, será o outro representante nesta lista.RaridadesEntre os filmes menos vistos, mas ainda assim sem o estatuto de esquecidos, contam-se O Pequeno Grande Homem (1970), de Arthur Penn, com Dustin Hoffman a encarnar as memórias épicas de um homem de 121 anos; A Noite Fez-se Para Amar (1971), de Robert Altman, estupenda visão gelada, invernosa, que rasga o mito do Old West com as marcas do capitalismo numa região mineira (as interpretações de Warren Beatty e Julie Christie são muito bem acompanhados por canções de Leonard Cohen); e Ulzana, o Perseguido (1972), de Robert Aldrich, que traz Burt Lancaster no papel do velho guia de um jovem tenente cuja missão é capturar o chefe índio do título, que vai deixando um rasto de indescritível violência por onde passa com o seu bando. Um dos momentos mais bonitos deste filme cru é um diálogo sobre “a razão de matar” dos índios e aquilo que os aproxima dos brancos, mas o fascínio elegíaco reside na serenidade de Lancaster, veterano do género.Raros, de facto, serão Fuga Sem Rumo (1962), de David Miller, um magnífico retrato do cowboy a lidar com o seu próprio anacronismo, em que vemos Kirk Douglas e um cavalo a formarem a silhueta solitária e desorientada no meio do trânsito moderno, qual interpretação poética do Lonely Are the Brave, título original; Um Homem na Solidão (1971), de Richard C. Sarafian, história de sobrevivência na Natureza, com Richard Harris num dos papéis mais físicos e espirituais da sua carreira, que seria a base do Óscar de Leonardo DiCaprio, pelo filme The Revenant, fundado na mesma narrativa; e O Atirador (1976), de Don Siegel, esse mentor de Peckinpah que filma aqui o duplo gesto de despedida da lenda John Wayne, ao western e ao grande ecrã. Derradeira aparição como pistoleiro, um homem que está a morrer de cancro mas não acamado (o médico a cargo da confirmação do diagnóstico é James Stewart, e a dona da estalagem onde encontra a última morada, Lauren Bacall), The Shootist trabalha a mitologia de Wayne num tom justo, seco e melancólico.E porque também de riso se faz o ciclo, há um passeio de Clint Eastwood e da “freira” Shirley MacLaine por terras mexicanas, em Os Abutres Têm Fome (1970), de novo assinado por Siegel, mas a desbunda total só poderia ser pela lente de Mel Brooks, empenhado na desconstrução caótica dos clichés: chama-se Balbúrdia no Oeste (1974). .'Marés Vivas'. Uma odisseia cinematográfica em tom chinês.'O Esquema Fenício'. A deriva formalista de Wes Anderson