Benicio del Toro à procura da sua personagem...
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'O Esquema Fenício'. A deriva formalista de Wes Anderson

Será que o cinema de Wes Anderson chegou a um impasse sem solução? O seu novo filme, O Esquema Fenício, parece reflectir o esgotamento de um universo cada vez mais reduzido à ostentação “decorativa”.
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Será que podemos avaliar o trabalho de um autor pelas suas intenções (declaradas ou implícitas)? A história do cinema ensina-nos que essa pode ser uma via pejada de equívocos - afinal de contas, a criação liberta-se do criador, não necessariamente desmentindo-o, antes cumprindo uma existência que dispensa esse mesmo criador. Velha questão, renovada a propósito de O Esquema Fenício, o novo título do americano Wes Anderson: até que ponto Anderson tem consciência de que a sua marca pessoal passou a reduzir-se a um pobre efeito de assinatura?

Que acontece, então, em O Esquema Fenício? Uma espécie de desmentido da própria vontade de contar histórias. Tudo começa com Zsa-zsa Korda, a figura interpretada por Benicio del Toro (e é forçoso dizer “figura”, já que a banalidade caricatural nunca chega a gerar uma personagem). Homem de negócios envolvido num rol de esquemas tão confusos, quanto suspeitos, Korda tem muitos filhos e uma única filha, a freira Liesl (Mia Threapleton), que decide nomear como herdeira única das suas riquezas... Isto, ao mesmo tempo que outros magnatas, alguns assassinos contratados e até um grupo terrorista vão interferindo nas suas estratégias financeiras...

As peripécias esgotam-se num formalismo ostensivo, repetitivo nas soluções cénicas (ou na falta delas...), tendência que se veio agravando nos mais recentes títulos de Anderson, nomeadamente Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun (2021) e Asteroid City (2023).

Tudo se passa como se realizador (coargumentista com Roman Coppola) tivesse transferido o essencial das suas energias para a ostentação cenográfica, a ponto de, no genérico final, citar as referências pictóricas que o inspiraram, num processo que parece reforçado pelo luxo industrial do elenco - Tom Hanks, Scarlett Johansson ou Benedict Cumberbatch são apenas alguns dos nomes convocados para papéis breves e, precisamente, “decorativos”.

Na melhor das hipóteses, talvez possamos dizer que algumas das cenas soltas de O Enigma Fenício poderiam conter matéria para irónicos exercícios de breve duração. E pensamos, por isso, nas curtas-metragens que Anderson assinou para a Netflix em 2023, uma das quais - The Wonderful Story of Henry Sugar, com Ralph Fiennes e Benedict Cumberbatch - arrebatou um Óscar.

Em qualquer caso, convenhamos que a deriva formalista de Anderson está longe de se reduzir a uma mera questão de durações. Mesmo o grupo dos seus mais militantes admiradores (a que não pertenço) poderão reconhecer que algo mudou depois de Grand Budapest Hotel (2014). O certo é que, no recente Festival de Cannes, a maioria desses admiradores também parecia desiludida com o impasse criativo que O Esquema Fenício reflete.

Carla Ribeiro (DN/de)
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