Cannes consagra Jafar Panahi, ou como o cinema ama a liberdade
“O cinema é uma sociedade em que ninguém tem o direito de nos dizer o que podemos ou não podemos fazer” — estas palavras ditas por qualquer outro seriam, talvez, recebidas como uma afirmação de liberdade, certamente vital, mas em termos generalistas. Acontece que quem as proferiu foi o cineasta iraniano Jafar Panahi ao receber, das mãos de Cate Blanchett, a Palma de Ouro que lhe foi atribuída pelo júri da 78ª edição do Festival de Cannes, presidido por Juliette Binoche.
O seu filme vencedor, Un Simple Accident, é o resultado de um prodigioso sistema narrativo que, ao longo dos anos, se foi apurando e depurando, nunca desistindo de expor os desequilíbrios internos da sociedade do Irão — a sua subtileza humanista é exemplarmente concludente no modo como sabe detectar esses desequilíbrios, tanto em aspectos específicos do funcionamento das leis, como no espaço familiar das relações entre os seres humanos. Afinal de contas, o motor (dramático e cinematográfico) de Un Simple Accident é o som dos passos de um homem — ao ouvir esse som, outro homem evoca de imediato a figura daquele que o torturou na prisão...
Várias vezes condenado e impedido de filmar pelo regime do seu país, Panahi vive, assim, um novo capítulo da sua obra e da sua vida (e nada separa uma coisa e outra). Desta vez, Panahi esteve realmente presente em Cannes e não apenas lembrado por uma cadeira vazia, como aconteceu mais do que uma vez, quando não teve autorização para viajar... Lembremos, por exemplo, a edição de 2018, quando foi apresentado o seu filme Três Rostos. E lembremos também que a relação de Panahi com Cannes começou com a apresentação da sua longa-metragem de estreia, O Balão Branco, vencedora de Câmara de Ouro (melhor primeiro filme) em 1995.
É a segunda vez que o cinema iraniano arrebata a Palma de Ouro — a primeira ocorreu em 1997, quando o vencedor foi O Sabor da Cereja, de Abbas Kiarostami (ex-aequo com A Enguia, do japonês Shohei Imamura). Como sublinhou Juliette Binoche, esta é uma vitória que se enraiza na “compaixão” e na “ternura” que existem no mundo do cinema.
Eis todos os vencedores da 78ª edição do Festival de Cannes
Longas-metragens
Palma de Ouro:
"Un Simple Accident", de Jafar Panahi
Grande Prémio:
"Affeksjonsverdi (Sentimental Value)", de Joachim Trier
Prêmio Conjunto do Júri:
"Sirât", de Oliver Laxe
"Sound of Falling", de Mascha Schilinski
Melhor Diretor:
Kleber Mendonça Filho, por "O Agente Secreto"
Melhor Argumento:
Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne, por "Jeunes Mères"
Melhor Performance por uma Atriz:
Nadia Melliti, em "La Petite Dernière", realizado por Hafsia Herzi
Melhor Performance por um Ator:
Wagner Moura, em "O Agente Secreto", realizado por Kleber Mendonça Filho
Prémio Especial:
"Resurrection", de Bi Gan
Curtas-metragens
Palma de Ouro:
"I’M Glad You're Dead Now", de Tawfeek Barhom
Menção especial:
"Ali", de Adnan Al Rajeev