Todo o mundo é um palco. E todos os homens e mulheres, atores." E, no entanto, apesar dessa universalidade do teatro, quem espera ver o autor desta frase - William Shakespeare na peça Como Vos Aprouver - representado numa Casa do Povo, no interior do país? Ou Harold Pinter ou Brecht? Apresentado ao público em março último, o Centro Internacional de Dramaturgia (CID), sediado na Guarda, tem a descentralização como um dos seus principais propósitos..Para isso, inicia nesta terça-feira um conjunto de "escolas" voltadas para a escrita para e sobre o teatro. Para o ator, encenador e professor Marcos Barbosa, que dirige o centro, trata-se de "mostrar de forma inequívoca que a descentralização cultural é compatível com programas e convidados de grande dimensão internacional"..De hoje até à próxima sexta-feira decorrerão em simultâneo os laboratórios de dramaturgia e de tradução. No Laboratório de Dramaturgia, o norte-americano John Clinton Eisner trabalhará com Rajiv Joseph, Jacinto Lucas Pires, José Gardeazabal, Sandro William Junqueira e Joana Bértholo. O currículo de John Clinton Eisner fala por si: diretor artístico da Peacedale Productions e da Lark Foundation, tem uma longa experiência na formação de dramaturgos, entre os quais vários distinguidos com o Pulitzer desta categoria. No Seminário de Tradução para Teatro, coordenado por Filomena Louro e o dramaturgo norueguês Demian Vitanza, participam Manuel Neto, Sebastião Braga, Elena Angheluta, Melissa Dias, Viviane Fontoura e Susana Braga. Como explica Marcos Barbosa, "são mais conversas com mentores do que aulas formais. A ideia é pôr as pessoas a escrever e a pensar sobre aquilo que estão a escrever. Não se trata tanto de lhes ensinar o quer que seja porque todos os participantes são pessoas com obra publicada, mas de os pôr a partilhar reflexões e experiências"..De 9 a 14 de dezembro, os trabalhos prosseguem, com o Seminário de Crítica para Teatro, coordenado por Francesca Rayner, em parceria com a Associação Portuguesa de Críticos para Teatro (APCT) e com uma ampla programação. Em paralelo, serão apresentados os espetáculos Teleculinária; Has the American Dream Been Achieved at the Expense of the American Negro (13 de dezembro), InFausto e The Future Show (14 de dezembro), todos pela Companhia Mala Voadora. Haverá também lugar para a apresentação de espetáculos e ensaios das companhias locais do distrito: Aquilo Teatro, Teatro Calafrio e Peobardos e Gambozinos, no Teatro Municipal da Guarda e na Casa do Povo da Aldeia da Vela . Será aqui, por exemplo, que subirá ao palco a peça de Jacinto Lucas Pires Os Coveiros, baseada numa cena da primeira parte de Hamlet..Este tipo de intercâmbio quer com a vizinha Espanha, tão próxima da Guarda, mas também com outras latitudes, é uma aposta constante do CID. "Queremos saber o que os outros estão a fazer nesta área", diz Marcos Barbosa. "Há países com muito trabalho feito. Em Portugal, é uma pecha antiga, não se escreve nem publica textos para teatro. Existem alguns centros de dramaturgia mas estão essencialmente ligados a universidades (e por isso são um pouco teóricos) ou a teatros nacionais. Nós focamo-nos numa componente mais prática: queremos que daqui a quatro ou cinco anos haja mais pessoas a escrever para teatro. Precisamos disso. Precisamos de autores novos, que partam da realidade que estamos a viver.".Apresentado ao público em março último, como parte da candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027, este centro continuará a funcionar, independentemente de quem seja o vencedor desta "disputa". "Essa garantia aliciou-me. Não sabemos o que vai acontecer porque as outras candidatas também terão os seus trunfos mas sabemos que há aqui muito trabalho a fazer ", admite Marcos Barbosa, que é diretor artístico da Escola do Largo, em Lisboa e já dirigiu o Teatro Oficina de Guimarães, cidade onde programou a secção de Artes Performativas da Capital Europeia da Cultura, em 2012. Que esta raiz seja lançada em terra de escassas oportunidades culturais, como é todo o interior do país, é para Marcos Barbosa uma proposta irrecusável. "Não há desenvolvimento sem cultura", diz..dnot@dn.pt