É um caso raro. Um franco-português no topo do cinema francês. Patrick Mille, um secundário de luxo, é por estes dias o ator mais visto nos cinemas franceses. Foi um dos vilões dos últimos dois Os Três Mosqueteiros, de Martin Bourboulon, sucessos indesmentíveis nas bilheteiras, e, agora, é um dos inimigos de O Conde de Monte Cristo, de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, em França já um dos maiores sucessos de sempre com mais de 9 milhões de entradas.Mille é também conhecido por La Jungle, de Matthieu Delaporte e Raid: Pelotão Chanfrado, de Dany Boon, e por ter realizado o inédito em Portugal, Going to Brazil. Nascido há 54 anos em Lisboa, é num café do Douro que nos conta a sua forte ligação a Portugal, sobretudo as memórias de uma infância na zona do Caramulo, com a avó. O seu pai, Serge Farkas, ator francês, viveu em Portugal e chegou a participar em filmes relevantes como O Crime de Aldeia Velha, de Manuel Guimarães, ou Domingo à Tarde, de António Macedo. Mille é, assim, um caso de um francês que se sente bem em Portugal, país que ama e que sente seu. Ou seja, um artista tão francês, como português. .Vilão português.Sobre O Conde de Monte Cristo, onde interpreta com vigor o famoso traidor Danglars, explica que o fenómeno do filme em França é algo transversal: “Aquilo caiu no goto dos franceses de forma fenomenal, está para além de quem leu ou não Alexandre Dumas. Mas Dumas faz parte do que é ser francês, é um herói em França, tal como Victor Hugo, escreveu os livros mais fundamentais e o sucesso do filme vem provar que as pessoas ainda gostam dos clássicos. O que o produtor Dimitri Rassam está a tentar fazer com a trilogia de Os Três Mosqueteiros e este é o mesmo que o universo Marvel conseguiu em Hollywood. Trata-se do Dumas Universe! O Conde de Monte Cristo é como um bisavô do Batman, não é por acaso que este conde também se refugia na sua máscara.”Acerca da sua transformação em Danglars, conta-nos no seu português impecável que o desafio foi grande: “Sim, havia um arco temporal, mas acabei por trabalhar em segredo, pois como sou amigo de um dos realizadores, o Matthieu Delaporte, acabei por fazer pressão para ficar com o papel. O Matthieu era um dos argumentistas dos dois Os Três Mosqueteiros em que entrei…O trabalhar em segredo passou por deixar crescer a minha barba imenso para poderem ver que podia passar por mais velho. Depois, na estreia do primeiro Os Três Mosqueteiros, cortei a barba e parecia bem mais novo. São coisas de atores… Os produtores começaram a olhar para mim e ganharam a certeza dessa ideia de transformação na cabeça. Mas quem decidiu avançar comigo foram os realizadores, eles é que mandam, mesmo sendo um blockbuster de 43 milhões de euros - O Conde de Monte de Cristo é um filme de autor.” .Fora dos Óscares.Filme de autor ou não, acabou por ficar fora da escolha do comité francês para representar a França no Óscar para o Filme Internacional em detrimento de Emilia Pérez, filme de Jacques Audiard sem atores franceses e falado em castelhano e inglês. Para este franco-português, não se tratou de uma boa decisão, sobretudo quando o sucesso de O Conde de Monte Cristo parecia antever outra coisa: “Está a dar polémica, pois o Emilia Pérez iria ser nomeado à mesma… mas essa polémica é repetida: o ano passado já tinha havido celeuma entre Anatomia de Uma Queda e O Sabor da Vida! As pessoas ficam loucas com os Óscares.”Também conceituado no teatro, em 2021 teve um sucesso grande em Paris a fazer de François Mitérrand na peça Lettres à Anne: “Sabe, tenho muito prazer em representar. Não podia viver sem teatro e essa peça era arriscada: adaptar as cartas de amor do presidente francês à sua amante!”Polémicas à parte, sorridente pelo bom acolhimento que teve na última Festa do Cinema Francês e no Juve Baião: Encontros de Cinema e Literatura Infantojuvenil, Patrick promete estar mais aberto para visitar Portugal e quer muito entrar como ator num filme português ou mesmo realizar por cá a sua próxima longa, embora em 2025 já esteja comprometido com uma participação na série francesa Lucky Luke.