Enquanto não chega aos cinemas (só em 21 de novembro) Energia Nuclear Já!, há um outro documentário de Oliver Stone para ver no Doclisboa, Lula, manifesto anti-Bolsonaro realizado a meias com Bob S. Wilson. Mais um dos muitos documentários assumidamente políticos de Stone, neste caso com direito a encaixe no Festival de Cannes. Um filme para enaltecer a resiliência de Lula da Silva, o presidente do Brasil. Um retrato com glória sobre a odisseia deste ex-líder sindical, sobretudo centrado em todo o seu processo durante o caso Lava Jato e a maneira como conseguiu ser libertado e, depois, concorrer nas últimas eleições. Um documento feito com entrevistas, astúcia de investigação e a cumplicidade do próprio Lula, aqui filmado com uma energia notável e com incidência na sua relação com a sua mulher..Em Cannes, algo cansado, Stone esteve disponível para a imprensa internacional e, claro, ao falar da situação no Brasil acabou por dizer muito sobre as questões globais e dos EUA. .Depois de ter feito em 2009 South of The Border/ A Sul da Fronteira porque razão agora uma nova abordagem ao estado das coisas nessa mesma zona do continente americano?Antes de mais, o que se passa agora com o Brasil é muito triste. A oposição é muito forte e através das mentiras estão seriamente a dividir a classe trabalhadora, algo muito grave, sobretudo porque Lula está a tentar ajudar o povo. Há um clima terrível que parece antever algo parecido com um Golpe de Estado… Mas, respondendo à pergunta, eu conheci o Lula nessa altura, 2009, tendo ficado a ganhar uma imensa admiração e decidi segui-lo. Mais tarde, voltei ao Brasil e conheci bem a Dilma, também gostei muito dela. Embora neste caso há uma grande história, a maneira como ele regressou da cadeia aos 73 anos. Tenho mesmo muita empatia pelo homem. Esta é uma história de um exemplo edificante para torcermos pelo candidato mais improvável, alguém com uma força de vontade algo napoleónica. Uma força de vontade usada a favor do seu país. Além disso, é essencialmente um homem da paz! Não é por acaso que depois do seu segundo mandato estava com a maior taxa de aprovação de sempre de um líder! Aqueles 80 e tal por cento não eram falsos. Isso é espantoso..Ao mesmo tempo, este é um filme que nos dá também um exemplo de esperança. A maioria dos seus documentários são sobretudo pessimistas e com conspiração negra…Não sou contra a esperança. O meu anterior, Energia Nuclear Já! partilha também de uma ideia de otimismo. Tento transmitir mensagens populares e o meu último filme sobre JFK é importante na medida que a América mudou e mudou para pior. Sempre fui muito duro para os EUA porque fico desapontado pela forma como se gasta mal o dinheiro. O meu filme mais negativo é Selvagens..Lula da Silva vai gostar de Lula?Sim, acho que sim. Quando o vemos neste filme parece autêntico porque ele é um homem autêntico, ao contrário de Obama que parece um santinho mas depois atraiçoa a Dilma. Ele teve um comportamento hipócrita. Obama era muito bom a ser hipócrita. Mal foi eleito, nos primeiros 90 dias, foi educado pelo sistema. O sistema saltou logo para cima dele com todas aquelas vozes que lhe foram dizendo que era preciso ter posições estratégicas aqui e ali. Sem se aperceber, foi vítima de uma lavagem cerebral..A sua perceção sobre Lula mudou quando fez o documentário?Não, fiquei a conhecê-lo mais profundamente. No outro filme conheci-o através de Hugo Chávez, eram amigos….Tem noção que nesta obra o juiz Sérgio Moro é caracterizado como um vilão de Shakespeare, não?Não sei muito sobre ele, mas não gosto mesmo da sua cara, há qualquer coisa de errado com ele. É um tipo traiçoeiro e parece obstruído..Sente que vivemos agora num tempo perigoso?Sim, estamos já na Terceira Guerra Mundial! O conflito na Ucrânia é muito mais generalizado..O seu cinema mudou alguma coisa, será que algum dos seus filmes chegou a provocar uma discussão social?Não acredito…A estrutura do poder é muito forte e imune ao cinema. Quem tem o poder não muda, fica-se pelas armas. E cada vez há mais armamento, cada vez os Estados fabricam mais armas. A América adora distribuir armas por todo o lado. O mundo precisa de uma revolução. Uma revolução que não será televisionada..De uma contra-revolução?Isso! Mas o mundo só muda quando os EUA mudarem de facto.