Elizabeth McGovern, Hugh Bonneville, Michelle Dockery: o fim da era Crawley.
Elizabeth McGovern, Hugh Bonneville, Michelle Dockery: o fim da era Crawley.

O elegante adeus a Downton Abbey

Década e meia passada, encerram-se as aventuras dos Crawley. Em estreia nas salas, Downton Abbey: Grand Finale é o terceiro e último filme de um êxito televisivo que ganhou o seu lugar na tela maior.
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Julian Fellowes pode enfim descansar. Depois de uma série de seis temporadas e três filmes estreados no cinema (este último já sem a presença da matriarca Maggie Smith), o título Downton Abbey parece ter encontrado o momento justo para se despedir; isto sem cair na tentação dos exageros de pompa ou postura sentimental. Ainda responsável pelo argumento, o criador dessa série transmitida entre 2010 e 2015, um dos maiores sucessos da televisão britânica, encerra então um capítulo magno, apetece dizer, com a sabedoria e sentido prático de quem não tem tempo a perder - por esta altura, está a braços com outra série americana, The Gilded Age. Daí que Downton Abbey: Grand Finale, agora em estreia, surja como isso mesmo: uma despedida plena de emoções brandas e souplesse, feita para responder ao imperativo do fechar da cortina.

E é precisamente com uma entrada “teatral” que somos recebidos. Ou melhor, no interior de um teatro, e seus bastidores, alguns membros da família Crawley conhecem Noël Coward, personagem que acaba por ser uma das notas alegres desta derradeira aventura aristocrática - ou não se ficcionasse aqui, noutra cena do filme, a ocasião em que o ilustre dramaturgo e compositor terá colhido inspiração para uma das suas mais célebres peças, Private Lives... Ambientado na década de 1930, Downton Abbey: The Grand Finale será, de resto, o espelho de uma sociedade e de um tempo demasiado presos a marcações de palco: no centro do drama está o divórcio de Lady Mary (Michelle Dockery), que a torna proscrita na elite, enquanto a visita de um tio americano (Paul Giamatti) vem sublinhar as questões financeiras que ameaçam a propriedade, impondo-se um ar de mudança na tradição familiar.

Claro que, no meio das atribulações da aristocracia, também se espreitam as passagens de testemunho dos criados, naquela bonomia que Fellowes sempre trabalhou com precisão de relógio. E nesse quadro total, este terceiro filme consegue, não só versar sobre a nostalgia, sem excesso de ornamentação, como corrigir o ritmo narrativo que, no anterior Downton Abbey: Uma Nova Era, dava a impressão de “episódio longo”, em vez de filme “com o espírito de”. O que é uma melhoria notória, tratando-se do mesmo realizador, Simon Curtis.

Elogio do passado

Muito se pode perorar sobre a inutilidade de séries e filmes como Downton Abbey, mas a verdade é que a instituição criada pelo veterano Julian Fellowes, com demasiado chá para uns e o suficiente para outros, representa um modelo infelizmente obsoleto. Aqui está uma impecável forma de navegar o humor britânico e o progresso dos códigos sociais, com elegância e diálogos afinados.

Como se ouve uma personagem dizer a certa altura, “o passado é um lugar mais confortável que o futuro”. E, de facto, a marca da escrita de Fellowes - ele próprio um descendente da aristocracia britânica - passa por essa insistência na recriação do passado como um lugar de textura suave, onde aquilo que hoje nos parece uma anedota (exemplo: o tal escândalo por divórcio) é contado com gravidade apenas justa, de maneira a priorizar o gosto vintage e o prazer de habitar uma época em permanente tensão entre o velho e o novo.

Quando Hugh Bonneville, ator que se tornou o rosto da série (juntamente com Maggie Smith e Elizabeth McGovern), se despede de Downton Abbey colocando a mão na parede do castelo, para sentir a história inscrita naquela pedra, não está apenas a fazer um gesto bonito e simbólico para a câmara. Há realmente vida nesse toque de despedida, mais do que poderemos saber, claro, e uma vontade de partir, na consciência de que o melhor da ficção televisiva “de conforto” se produziu naquele espaço de relação privilegiada com o passado.

Elizabeth McGovern, Hugh Bonneville, Michelle Dockery: o fim da era Crawley.
Natália Correia em forma de puzzle

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