O cinema dos irmãos Dardenne volta a iluminar Cannes
Vistos os 22 títulos que concorrem para a Palma de Ouro do 78º Festival de Cannes, ficou uma desilusão e um fascinante reencontro. Desilusão porque The Mastermind, da americana Kelly Reichardt, é uma tentativa esforçada de recuperar as histórias clássicas de um golpe/roubo (neste caso, de quatro pinturas de um museu), a meio caminho entre drama e comédia, sem nunca conseguir “engrenar” um argumento que, aparentemente, foi pouco trabalhado — pensa-se em David Mamet (por exemplo, Heist/O Golpe, 2001), mas a diferença é sensível... O reencontro aconteceu com o novíssimo filme de Jean-Pierre e Luc Dardenne, Jeunes Mères, centrado nas vivências de uma instituição de acolhimento de mães solteiras.
Como bem sabemos (felizmente, quase toda a filmografia dos irmãos belgas tem chegado às salas portuguesas), os Dardenne sabem iluminar as convulsões do quotidiano a partir de uma rara e complexa dialética realista. Sentimos as clivagens sociais através das histórias que nos contam, ao mesmo tempo que a sua observação clínica nunca favorece qualquer generalização (imediata ou mediática), mantendo-se fiel à irredutibilidade dos destinos individuais.
O resultado é tanto mais fascinante quanto Jeunes Mères acaba por ser a primeira “ficção coral” dos Dardenne. Há, de facto, um minucioso trabalho através, não de uma, mas várias protagonistas, trabalho que começa na estruturação do argumento para desembocar numa montagem de surpreendente agilidade e fluidez — sem esquecer, claro, que os seus atores (neste caso, sobretudo, as atrizes) são um verdadeiro milagre de expressão e emoção, multiplicado através do olhar metódico e cúmplice da câmara de filmar.
Se os Dardenne forem consagrados com a Palma de Ouro (a meu ver, inteiramente merecida), entrarão num “clube” de que serão as únicas figuras. Isto porque eles pertencem ao restrito conjunto de autores que já venceram Cannes por duas vezes — com Rosetta e A Criança, respetivamente em 1999 e 2005. Seja como for, se mais não houvesse (e muita coisa valeu a pena...), teria sido gratificante estar em Cannes nem que fosse apenas para descobrir Jeunes Mères.