'Woman and Child': um belo melodrama sobre uma família iraniana.
'Woman and Child': um belo melodrama sobre uma família iraniana.

Cinema iraniano reforça presença em Cannes

Depois de Jafar Panahi, com Un Simple Accident, a Côte d’Azur acolheu outro autor do cinema iraniano: Saeed Roustaee está na secção competitiva com o excelente Woman and Child.
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Amanhã, sábado, será conhecido o palmarés da 78ª edição do Festival de Cannes em cerimónia agendada para as 17:40 (hora portuguesa), disponível na plataforma gratuita da France TV. Quer isto dizer que hoje serão projetados os dois derradeiros títulos candidatos à Palma de Ouro: Jeunes Mères (Bélgica), de Jean-Pierre e Luc Dardenne, e The Mastermind (EUA), de Kelly Reichardt.

Das projeções de quinta-feira, o destaque vai, necessariamente, para o reforço do cinema do Irão na competição de Cannes. Primeiro, tivemos o prodigioso Un Simple Accident, de Jafar Panahi, filme que quase todos acreditam que, de uma maneira ou de outra, terá um lugar no palmarés. Agora, foi a vez de Woman and Child, de Saeed Roustaee, cineasta conhecido no mercado português através de A Lei de Teerão (2019) e Os Irmãos de Leila (2022) — este último teve também a sua estreia mundial em Cannes, tendo sido distinguido com o prémio da crítica internacional (FIPRESCI).

Saeed talvez possa ser apresentado como membro da geração que herdou a experiência da geração anterior, precisamente a de Panahi. E se é inevitável aproximar os respetivos trabalhos através do empenho em expor o frente a frente de “tradição” e “modernidade” (ainda que tais rótulos possam atrair algum maniqueísmo), talvez seja importante recordar que um dos aspetos fulcrais para a vitalidade deste cinema decorre do invulgar talento dos seus atores e atrizes, muitos deles com trajetórias que combinam televisão e cinema — é o caso de Payman Maadi, presença regular nos filmes de Roustaee, sem esquecer as brilhantes Parina Izadyar e Soha Niasti, intérpretes de duas irmãs que, de forma inesperada e trágica, se tornam pólos decisivos de um complexo conflito familiar.

O menos que se pode dizer de Woman and Child é que, tal como Os Irmãos de Leila, esta é uma narrativa que podemos inscrever na longa e frondosa tradição do melodrama familiar, tão importante na história de Hollywood e de cinematografias europeias de países como França ou Itália. Importa lembrar, por isso, que o melodrama não é uma mera acumulação de “sentimentalismos” (essa tem sido a esclerosada função da telenovela, formatando de modo banal as qualidades de representação de várias gerações de atores). A escrita melodramática define-se pela capacidade de cruzar as texturas sociais com os detalhes da mais radical intimidade, numa dialética que, neste caso, explicita um tema transversal a muitos filmes iranianos que conhecemos. A saber: a tensão entre o espaço específico das mulheres e o sistema de poder encarnado (e, de alguma maneira, mantido) pelos comportamentos dominantes dos homens.

Muito longe de tudo isso está Ressurection, do realizador chinês Bi Gan, título que foi acrescentado à competição poucos dias antes do início do festival. Difícil de resumir, quanto mais não seja pelas componentes oníricas da sua intriga, esta é, afinal, uma aventura surreal (“distópica”, se quisermos aplicar um adjetivo que as modas banalizaram) em que o mundo está dividido entre os poucos que ainda sonham e a maioria que perdeu o contacto com qualquer tipo de imaginação. As suas raízes estarão, por certo, numa riquíssima tradição de narrativas fantásticas, mas os resultados cinematográficos resumem-se a uma ostentação de (imensos) recursos de produção que começa por tentar imitar o cinema mudo, para depois se esgotar numa declinação banal da herança de Blade Runner.

'Ressurection': muitos meios de produção, pouco cinema.
'Ressurection': muitos meios de produção, pouco cinema.

Um museu em Cannes?

Nas margens da programação, surgiu a notícia (aliás, uma confirmação) do empenho de Cannes em acolher um Museu Nacional do Cinema. Segundo David Lisnard, maire de Cannes, e para lá das singularidades do projecto, está também em jogo a descentralização das grandes instituições culturais, ou seja, a resistência ao “parisianismo”.

O assunto carece ainda de confirmação oficial, mas o certo é que tanto Lisnard como Thierry Frémaux, delegado geral do festival, já deram a conhecer alguns elementos do projeto, incluindo um espaço de 1000 metros quadrados exclusivamente dedicado ao Festival de Cannes (numa área total estimada em 5200 metros quadrados). Apostado numa dimensão global, porventura capaz de rivalizar com o Museu da Academia de Hollywood, o novo museu terá um orçamento da ordem dos 80 milhões de euros, estando previstas para 2026 as candidaturas para escolha do respectivo arquitecto.

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